Auristela Barbosa, Andréa Luna e Gigliola Sena
“Adotar crianças, sentindo-as e tratando-as como verdadeiros filhos, significa reconhecer que as relações entre pais e filhos não se medem somente pelos parâmetros genéticos. O amor que gera é, antes de mais nada, um dom de si. Há uma ‘geração’ que vem através do acolhimento, da atenção, da dedicação. A relação que daí brota é tão íntima e duradoura, que de maneira nenhuma é inferior à que se funda na pertença biológica.” (Papa João Paulo II)
É bem provável que você conheça ou já tenha ouvido falar de alguém que seja adotado ou que tenha adotado uma criança. Este é um assunto que, apesar de não ser tão comentado, faz parte da nossa vida. Desde os tempos mais remotos – como no caso do hebreu Moisés do Egito que, adotado pela filha do Faráo, libertou o povo de Deus da escravidão e recebeu do Senhor a lei que governa milenarmente um povo – aos mais modernos, inquieta a situação das crianças que não têm um lar. E nós, como cidadãos e mais ainda como cristãos, precisamos meditar sobre isso e descobrir o que podemos fazer, que contribuição podemos dar a fim de que essa situação seja modificada.
Sobre o assunto, João Paulo II diz: “Adotar crianças, sentindo-as e tratando-as como verdadeiros filhos, significa reconhecer que as relações entre pais e filhos não se medem somente pelos parâmetros genéticos. O amor que gera é, antes de mais, um dom de si. Há uma ‘geração’ que vem através do acolhimento, da atenção, da dedicação. A relação que daí brota é tão íntima e duradoura, que de maneira nenhuma é inferior à que se funda na pertença biológica. Quando, como na adoção, é ainda tutelada sob o ponto de vista jurídico, numa família estavelmente ligada pelo vínculo matrimonial, ela assegura à criança aquele clima sereno e aquele afeto, ao mesmo tempo paterno e materno, de que tem necessidade para o seu pleno desenvolvimento humano.” (Discurso do Santo Padre João Paulo II aos participantes no Encontro Jubilar das Famílias Adotivas promovido pelas Missionárias da Caridade, Set/2000).
É interessante perceber como a sociedade foi reagindo ao problema do menor sem família ao longo do tempo. Até o século X, era lícito aos pais darem fim à vida de sua prole indesejada. A partir desse século, o infanticídio foi tido como ilícito e, em vez do assassinato, teve início o abandono. Então os monges começaram a levar os pequenos abandonados para os mosteiros.
Nos séculos XIII e XIV, com o crescimento da vida urbana, o medo do infanticídio reapareceu e, com ele, a alternativa das “Rodas dos Expostos”, uma maneira de “institucionalizar” a assistência ou proteção dos mosteiros e conventos a esses menores. Uma vez recolhida pela Roda, a criança era entregue a uma ama-de-leite e depois a uma ama-seca que cuidava dela até completar sete anos de idade, quando então deveria ser encaminhada para atividades produtivas. No Brasil, a Roda dos Expostos foi introduzida durante o período colonial e foi extinta apenas no século XX.
Posteriormente, foram criadas as instituições denominadas “orfanatos”, hoje “abrigos” para menores abandonados. Para dar uma noção de como se estruturam, aqui em Fortaleza a criança na situação de abandono passa pelo SOS Criança, que recebe a denúncia de maus tratos, negligência ou abandono; é encaminhada para o Abrigo Tia Júlia (0 a 6 anos) e caso não seja adotada é transferida para a Casa da Criança (7 a 12 anos) e finalmente para o Moacir Bezerra ou Nossa Casa (de 13 a 18 anos). Atingindo a maior idade, o Estado perde a tutela do jovem e ele passa a ser independente.
Vale lembrar que pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei nº 8.069, de 13/09/1990), a criança não deve passar muito tempo na instituição, pois isso é inapropriado para ela.
A Igreja também aconselha a adoção em lugar da institucionalização, ou seja, que as crianças tenham uma família e não uma instituição que cuide delas. No entanto, verificamos que ainda é muito grande o número de instituições que funcionam conforme o modelo tradicional de internato. Certamente porque ainda é pequeno o número de famílias dispostas a acolher em seu seio estes que, tão cedo, ficam sem lar.
Visita ao Abrigo
Entrando no Abrigo Tia Júlia, em Fortaleza-CE, lê-se a frase: “Um filho natural, ama-se porque é filho. Um filho por adoção, é filho porque se ama”.
É de partir o coração fazer uma visita a um abrigo. Por mais que o lugar seja bonito e bem estruturado – como o Abrigo Tia Júlia, recém-reformado por uma equipe de arquitetos que deixaram o lugar belíssimo – as crianças sofrem por não ter um papai e uma mamãe “só para elas”. Ao entrar lá, os bebezinhos, que sequer falam, choram para ser levados ao colo e mais ainda quando devolvidos ao berçário. E como é triste saber que a cada dia fica mais difícil saírem de lá, pois quanto maior a idade, menor a possibilidade de adoção. Pesquisas demostram que o perfil de preferência para a adoção é: sexo feminino, cor branca e com menos de dois anos de idade.
É doloroso imaginar que aqueles pequenos seres, que apenas iniciaram sua vida, têm um futuro tão incerto. Se não encontrarem um lar, passarão de instituição em instituição até serem “jogados no mundo” ao completar 18 anos de idade.
Alguns não se adaptam à instituição e chegam a ficar deprimidos. A solução é encaminhá-los a um lar substituto: famílias que recebem apoio financeiro para abrigar esses menores, que continuam sob a tutela da instituição.
Aqueles meninos e meninas querem pouco da vida: uma casa, um pai, uma mãe e muito, muito afeto. Tantos, ainda bebezinhos, já trazem no olhar as marcas do “amadurecimento” pelo sofrimento. Alguns têm seqüelas irreversíveis por conta dos maus tratos infligidos por aqueles que deveriam lhes dar amor e cuidados.
Essa realidade é tão tocante, que não há como visitar um abrigo de menores sem lar e não desejar levar um daqueles pequenos para casa. Pessoas que trabalham nessas instituições têm se sensibilizado com essa realidade e adotado. É o caso de Luísa de Marilac Osterne, diretora do Abrigo Tia Júlia, que diz sobre a filha adotada há quase 17 anos: “Ela não nasceu de mim, mas nasceu para mim”. E de Liliana Matos, Assessora da Secretaria de Ação Social do Estado do Ceará, que, tendo já três filhos, adotou uma menina e depois gerou outra: “Para mim, não há diferença entre eles, não dá nem para lembrar que ela não saiu de mim”.
Para que esses menores tenham uma boa perspectiva de vida, é imprescindível que a sociedade se abra para acolhê-los e reverter esse quadro de sofrimento. Também que o processo na Justiça seja mais rápido, pois em alguns casos a lentidão emperra a adoção.
Adotar nos trâmites legais
O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê que podem adotar: os maiores de 21 anos, independentemente do estado civil – ou seja, solteiros, casados, separados, divorciados ou concubinos que comprovem a estabilidade da família – têm o mesmo direito à adoção, mantida a diferença de 16 anos entre adotante e adotando. Entretanto, não podem adotar os ascendentes – isto é, os avós – nem os irmãos do adotando.
A pessoa que deseja adotar deve dirigir-se ao Juizado da Infância e da Juventude, lá é feito um cadastro inicial; depois é necessário que se leve a documentação necessária – que eles indicam no Juizado. O próximo passo é aguardar uma visita domiciliar. O Juizado apresenta uma criança de acordo com o perfil que você indicou na entrevista. Você, de posse do documento expedido pelo Juizado, começa a visitar a criança. Quando você sente que aquela criança é a que você gostaria de acolher na sua casa, vai ao Juizado e pede uma guarda provisória – por cerca de 40 dias – que é um período de adaptação. Depois disso, se não houver adaptação, você pode devolver a criança – “Até hoje, nunca tivemos um caso de devolução”, diz Luísa de Marilac. Depois desse período, você retorna ao Juizado e recebe, então, a guarda definitiva, a adoção.
Efeitos da adoção
Com a adoção, rompe-se todos os laços que unem o adotando e sua família biológica. Cancela-se o registro de nascimento do menor, em nome dos pais biológicos, efetuando-se novo registro, constando o nome dos pais adotivos, sem que conste nenhuma observação a esse respeito.
Se, afetivamente, os pais adotivos afirmam que não há a menor diferença entre filhos biológicos e filhos do coração, legalmente também o adotado adquire todos os direitos de filho, sem qualquer restrição. Há uma equiparação plena entre filhos naturais e adotivos.
A característica mais contundente da adoção é que ela é irrevogável, uma vez realizada, é definitiva. Nem mesmo o eventual falecimento dos adotantes restabelece o pátrio poder dos genitores naturais.
Os pais adotivos estão sujeitos aos mesmos deveres de assistência, educação, etc., impostos a qualquer genitor natural e decorrentes do exercício deste pátrio poder/pátrio dever. Da mesma forma, o filho adotado está sujeito aos deveres e conseqüências da filiação, como por exemplo, o dever de assistência aos pais necessitados, pois o direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos. E, por disposição constitucional (Art. 229 da Constituição Federal), os filhos maiores têm o dever de ajudar a amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. O filho adotado se sujeita, também, aos efeitos da indignidade (Art. 1595 do Código Civil) e da deserdação (Art. 1741 do Código Civil).
A Igreja e a adoção
A Igreja sempre manifestou-se favorável à adoção, especialmente em casos em que as famílias não podem gerar filhos de maneira natural. Diversas vezes o Papa João Paulo II tem se posicionado a esse respeito. Recentemente, por ocasião do Jubileu do ano 2000, encontrando-se com as famílias incentivou-as à adoção:
“As famílias cristãs saberão viver uma maior disponibilidade em favor da adoção e do acolhimento de órfãos ou abandonados. Essas crianças, encontrando o calor afetivo de uma família, podem fazer uma experiência da carinhosa e próvida paternidade de Deus e crescer com serenidade e confiança na vida.
(…) Os cônjuges que vivem a experiência da esterilidade física saberão inspirar-se nesta perspectiva, para todos rica de valor e de empenho. As famílias cristãs, que na fé reconhecem todas as pessoas como filhas do Pai comum dos céus, irão generosamente ao encontro dos filhos das outras famílias, sustentando-os e amando-os não como estranhos, mas como membros da única família dos filhos de Deus. Os pais cristãos terão assim oportunidade de alargar o seu amor para além dos vínculos da carne e do sangue, alimentando os laços que têm o seu fundamento no espírito e que se desenvolvem no serviço concreto aos filhos de outras famílias, muitas vezes necessitadas até das coisas mais elementares.” (III Encontro Mundial do Papa com as Famílias, Out/2000).
Ainda no mesmo ano, encontrou-se especialmente com algumas famílias que adotaram filhos por intermédio das Missionárias da Caridade, fundada por Madre Teresa de Calcutá. Dentre outras coisas, ele disse:
“Entre as obras surgidas no coração de Madre Teresa, uma das mais significativas é o movimento para a adoção (…) Adotar uma criança é uma grande obra de amor. Quando ela se realiza, dá-se muito, mas também se recebe muito. É uma verdadeira comunhão de bens.
O nosso tempo conhece, infelizmente, também neste âmbito, não poucas contradições. Perante muitas crianças que, pela morte ou a inabilidade dos pais, ficam sem família, há muitos casais que decidem viver sem filhos por motivos não raro egoístas. Outros se deixam desencorajar por dificuldades econômicas, sociais ou burocráticas. Outros ainda, desejosos de ter um filho ‘próprio’ custe o que custar, vão muito além da legítima ajuda que a ciência médica pode assegurar à procriação, utilizando práticas moralmente repreensíveis. Diante dessas tendências, é preciso reafirmar que as indicações da lei moral não se resolvem com princípios abstratos, mas tutelam o verdadeiro bem do homem, e neste caso o bem da criança, em relação aos interesses dos próprios pais.
Como alternativa a estas vias discutíveis, a própria existência de tantas crianças sem família sugere a adoção como um concreto caminho de amor. Famílias como as vossas estão aqui para dizer que é uma via possível e bela, embora com as suas dificuldades; um caminho, por outro lado, praticável ainda mais do que no passado, na era da globalização, que diminui toda a distância.” (Discurso do Santo Padre João Paulo II aos participantes no Encontro Jubilar das Famílias Adotivas promovido pelas Missionárias da Caridade, Set/2000).
A Legislação
As leis e regulamentos que regem a prática da adoção no Brasil são variados. Para que você possa acompanhar tais mudanças, citamos as principais leis, decretos, resoluções, portarias, etc., que objetivam não só o procedimento específico, mas os mecanismos de controle deste procedimento:
1 – ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente
2 – Decreto n. 3174 de 16/09/99, que designa as autoridades centrais e cria o Conselho das Autoridades Centrais Brasileiras
3 – Resolução 239/92, que criou a CEJA/MG e seu Regimento Interno
4 – Convenção de Haia de 20/05/93
5 – Portarias n. 815/99 e 1055/00 da Polícia Federal – cadastramento de entidades estrangeiras
Dúvidas freqüentes sobre adoção
O que é adoção?
É a forma, prevista em lei, para uma pessoa assumir, como filho próprio, aquele nascido de outra.
A adoção pode ser feita entre a mãe biológica e a adotante, com ou sem um intermediário?
Não. A única maneira de se fazer uma adoção é através do Juiz da Vara da Infância e Juventude. Não há outra forma legal de adotar.
O interessado pode registrar, sem autorização do juiz, como seu o filho de outro?
Não. Isto é um ato ilegal, é crime previsto em lei. O registro de uma criança, feito desta forma, pode ser cancelado a qualquer momento. E pode dar oportunidade aos pais biológicos de reaverem a criança.
Pessoas solteiras podem adotar?
Sim. Não só as pessoas solteiras podem adotar, mas as separadas, viúvas, os padrastos ou madrastas, e, inclusive, aquelas que vivem maritalmente com outras, comprovada a estabilidade da família e ambiente adequado para a criação de uma criança.
Como fazer para adotar?
O interessado deve procurar os Juizados e Varas da Infância e Juventude de sua cidade, pleiteando, por escrito, o seu cadastramento como interessado em adoção. Como em todas as cidades as regras não são as mesmas, antes do requerimento o interessado deve se informar a respeito das exigências locais e dos documentos necessários.
Por que a criança abandonada numa instituição é menos desenvolvida do que as outras?
De fato, é conseqüência da própria institucionalização, onde as crianças não recebem tratamento individualizado, e são cuidadas por diversas pessoas, sem envolvimento afetivo. Elas têm um desenvolvimento menor, tanto do ponto de vista físico quanto emocional. Mas elas se recuperam com facilidade, quando lhes é dado amor, carinho, cuidados individualizados e uma boa alimentação.
Fonte: www.filhosdocoracao.com.br
Revelar a verdade X manter o segredo
Márcia Fuga
Os pais adotivos que já “nem lembram” que seu filho é adotado, podem começar a ter em mente se devem ou não contar-lhe sobre sua origem.
O melhor modo é ter esse tema como um assunto “ventilado” naturalmente pelos pais desde o início do relacionamento com o filho. Não fazer desse assunto um tabu, um segredo a ser protegido.
A curiosidade da criança se acentua aos 3 anos de idade, quando ela pergunta sobre o mundo que a circunda. Tem necessidade de saber sobre a origem das coisas e sua própria origem. Portanto, o período infantil é o mais propício para contar a verdade.
A criança tem o direito de saber sua origem e buscar informações a esse respeito. É uma necessidade existencial do ser humano. Contar à criança que ela é adotada evitará que ela saiba por terceiros, de forma distorcida e equivocada. O importante é salientar que ela foi escolhida, que os pais optaram por ela. Que o sentimento de amor por ela os cativou.
Mesmo tendo sido esclarecida sobre a adoção, a criança ainda perguntará inúmeras vezes sobre isso. Em todas as vezes deve-se manter o mesmo conteúdo de resposta, isto é, a resposta mais próxima da verdade.
É igualmente importante não expor aspectos negativos da família de origem, pois a tendência, quando se expõe os aspectos negativos, é a criança sentir-se desvalorizada, inferiorizada. Os adotantes podem responder: “Não sabemos por que sua outra mamãe não pôde ficar com você, mas acreditamos que ela gostaria muito de fazer isso. Agora, você é nosso filhinho e nós te amamos muito”.
O que devemos ter em mente é que a criança tem medo do abandono e os pais adotivos também têm.
Um amor gratuito
Liliana Matos
O amor que tenho por Maria Clara é igual ao que tenho pelos meus outros quatro filhos. Nem lembro que ela não saiu da minha barriga. O amor acontece no dia-a-dia, na convivência, estando junto. E o mais importante é que é um amor gratuito. Porque um filho biológico, você ama porque é seu, saiu de você. Mas aquela criança que você adotou, você vai aprender a amar por opção. Você optou por amar aquela criança que estava lá, precisando de uma família.
Eu optei em acolher a Maria Clara na minha família, para que ela fizesse parte da minha vida. Então, minha experiência com relação à adoção marcou a minha vida e a da minha família. Por isso, luto por essa causa. Gostaria que outras famílias tivessem essa experiência.
Tenho quatro filhos biológicos e uma do coração e não há nenhuma diferença entre eles. Nem da minha parte, nem da parte do meu marido, nem da parte de nossos familiares. Uma preocupação que tínhamos quando resolvemos adotar a Maria Clara era com relação à reação das nossas famílias, como iriam tratá-la, se haveria discriminação, mas, graças a Deus, nunca tivemos nenhum problema.
Converso normalmente com ela, conto sua história, com muito carinho. A partir dos três anos, devemos dizer que ela é uma filha do coração. Sempre digo que ela foi muito amada e muito desejada, e foi uma decisão da nossa família acolhê-la e amá-la.
Nasceu para mim
Luísa de Marilac Osterne
Marina não nasceu de mim, mas nasceu para mim. Sei que foi Deus que me deu esta filha do coração. Cinco anos depois de adotá-la, gerei o André. São as duas dádivas, os dois presentes que Deus me deu.
E ela sabe que é adotada. Desde pequena, ela pedia: “Mamãe, conta a minha historinha”. E eu dizia: “Você nasceu, sua mamãezinha não tinha condições de ficar com você, era uma pessoa simples, humilde. E eu fui buscar você no hospital. Deus colocou você na minha vida”.