Formação

Paulo e a teologia dos carismas

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Rômulo dos Anjos Silva
Missionário da Com. Católica Shalom

 

Paulo: homem carismático

O ponto de partida para compreendermos a teologia doscarismas é – antes de tudo – notificar a existência de Paulo. Uma existênciaentendida somente à luz de uma vivência não “mais na carne”, mas “no Espírito”,“pela fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou a si mesmo por mim” (Gl2,20). São Paulo é considerado o “teólogo da graça”, e este reconhecimento émais que justo e fundamentado em uma verdade, pois das 155 vezes que a palavra “charis”(graça) ocorre no Novo Testamento, 100 ocorrências estão nos escritos paulinos.A palavra “chárisma” (carisma) tem a mesma raiz da palavra charis.

A palavra grega chárisma é um substantivo derivado do verbo “charízomai”que significa mostrar-se generoso, presentear algo. Desde já podemos começar aentender o significado geral deste termo, que indica um dom generoso, umpresente. Todavia encontramos na teologia paulina vários significadosreferentes a este termo. Das 17 vezes que este termo é usado no NovoTestamento, 16 vezes é citado por Paulo nas suas Cartas e uma vez por Pedro nasua primeira Epístola (cf. 1Pd 4,10). Podemos, assim, sem hesitação, afirmartambém que Paulo é o “teólogo dos Carismas”.

Partindo da teologia paulina percebemos que os charísmas – numsentido mais específico – significam dons particulares distribuídos segundo obeneplácito da Vontade Divina, para o bem de cada um e para a utilidade detodos os membros do único Corpo de Cristo que é a Igreja. Desta forma, torna-seevidente que, para falar destes dons, precisamos partir da graça divina, pois épossível falar dos carismas somente partindo de uma “vida no Espírito”, porqueos carismas são: uma “manifestação do Espírito Santo” (cf. 1Cor 12,7).

Tanto o apóstolo Paulo como Pedro, exprimem uma íntimarelação entre os carismas e a graça de Deus. Os carismas são considerados comouma manifestação da “multiforme graça de Deus”. Os chárismas são de naturezadivina, diferentes dos talentos humanos, pois são manifestações do EspíritoSanto: “Mas tudo isso é o único e mesmo Espírito que o realiza, concedendo acada um diversos dons pessoais, segundo a sua vontade” (1Cor 12,11). Os textospaulinos mais importantes sobre este argumento são os capítulos 12 da Epístolaaos Romanos e da primeira  carta aos Coríntios.

Finalidade dos Carismas: a edificação da Igreja

A Igreja primitiva se caracteriza pela fundamentalexperiência de Pentecostes. Esta experiência assinala o começo de um tempo novode evangelização e o abundante florescimento dos carismas na vida dos Apóstolose dos primeiros cristãos. Esta experiência, não sendo simplesmente algo dopassado, que marcou a história da Igreja, é uma experiência sempre nova, como afirmaSanto Tomás de Aquino, dizendo que o Espírito Santo pode ser enviado muitasvezes na vida de cada um, implicando “um conhecimento mais íntimo e maisvivenciado de Deus presente na alma, um conhecimento que explode num amor maisardente” (cf. Suma Teológica I, q 43). De fato, o Espírito Santo continua aatuar na Igreja fazendo com que esta experiência repita-se muitas vezes na vidade cada um de nós.

Os Carismas têm como origem o próprio Deus, a SantísimaTrindade. Nos primeiros versículos da primeira carta aos Coríntios, no capítulo12, o apóstolo evidencia esta verdade afirmando por meio de três palavras:dons, no plural (charismata), serviço (diakonia) e operações (energemata);temos aqui uma fórmula trinitária. Deste modo, ele atribui os carismas aoEspírito Santo, os ministérios ao Senhor Jesus Cristo e as operações ou poderesa Deus Pai. Contudo, nele não há a pretensão de indicar ou separar trêscategorias distintas de dons, mas mostrar a unidade entre ambos e evidenciarque os dons da graça (charismata) são destinados ao serviço (diakonia) e quetodos manifestam com poder a ação ou operação divina (energemata).

Em 1Coríntios 12, Paulo nos apresenta – sem pretender dar umelenco completo e fechado – uma série de “manifestações do Espírito”: a palavrade sabedoria, a palavra de ciência, a fé, o dom das curas, o dom de milagres, aprofecia, o discernimento dos espíritos, o dom de falar em línguas e o dom deas interpretar (cf. 1Cor 12,8-11).

Já no capítulo 12 da Epístola aos Romanos ele nos apresentauma lista de outros dons (chárismas) do Espírito Santo: o dom de serviço, deensino, de exortação, de distribuição dos bens, da presidência, e até mesmo odom de exercer a misericórdia (cf. Rm 12, 3ss). São Paulo fala ainda deministérios hierárquicos (cf. 1Cor 12,28; Ef 4,11), ministérios ordenados (cf. 1Tm4,14; 2 Tm 1,6) e outros.

Deus livremente dá os seus dons e cada um recebe o dom doEspírito para a utilidade de todos, ou seja, para o bem comum, e mesmo queexista dom em vista de uma edificação pessoal, como é o caso do dom de línguas(cf. 1Cor 14,4), os chárismas têm uma dimensão eclesial, eles existem paraatuar como uma realidade edificante, construtiva no interior de toda a Igreja.

Para entender a teologia dos carismas podemos notar trêscaracterísticas importantes que devem ser consideradas: I. Os chárismas sãodons provindos da graça de Deus, são uma manifestação do Espírito Santo na vidae na missão da Igreja; II. São dons com caráter de utilidade pública, são dadosem vista do bem pessoal, mas sobretudo do bem comum e III. Enfim, são dons doEspírito Santo, a vida do Espírito é uma vida na fé, é uma experiência concretae real.

 

A caridade: medida de todos os chárismas

Sem a caridade – nota o Apóstolo – os carismas por maisimpressionantes que sejam, não têm nenhuma utilidade (cf 1Cor 13,1-3). Afirma oCatecismo da Igreja: “Os carismas devem ser acolhidos com reconhecimento poraquele que os recebe, mas também por todos os membros da Igreja, pois são umamaravilhosa riqueza de graça para a vitalidade apostólica e para a santidade detodo o Corpo de Cristo, contanto que se tratem de dons que provenhamverdadeiramente do Espírito Santo e que sejam exercidos de maneira plenamenteconforme aos impulsos autênticos deste mesmo Espírito, isto é, segundo acaridade, verdadeira medida dos carismas” (cf. Cat. 800).

A Caridade é a verdadeira medida dos chárismas, pois sefalta a Caridade “nada vale” e “nada lhe adiantaria” (cf. 1Cor 13,2-3).

 

Igreja: carisma e instituição

Existem tendências que afirmam haver uma contraposição entrea dimensão institucional e a dimensão carismática da Igreja, atribuindo estaúltima dimensão como sendo característica do apóstolo Paulo. No entanto, não háfundamentos no Novo Testamento para justificar uma oposição entre estas duasdimensões, como se fossem duas realidades independentes. Ao invés, o conjuntodos textos Neo-Testamentários nos afirmam a existência de uma única Igreja comuma única estrutura Carismática-Institucional, a qual encontra o seu modelo nainstituição dos Doze Apóstolos escolhidos por Jesus Cristo (cf. Mc 3,13 ss) erepletos do Espírito Santo para formar a Igreja de Deus (cf. At 2,4 ss). NaConstituição Dogmática Lumem Gentium do Concílio Vaticano II ao número 12 nosmostra que existe na Igreja de Cristo a presença de dons carismáticos ehierárquicos. Enfim, vemos que existe uma plena harmonia entre as duasdimensões da Igreja: a institucional e a carismática.

 

Conclusão

A Igreja sempre foi assistida pelas “manifestações doEspírito” e sempre será. Podemos afirmar – cheios de fervor (parresia), semtemor – que vivemos como Igreja, sob o Espírito Santo. Nos tempos atuais, defato, vivemos um “Novo Pentecostes”, como pediu o nosso caro Papa João XXIIIpor ocasião do Concílio Vaticano II. Sem negar, de modo realista, os desafiosque vivemos hoje, não podemos deixar de ser “homens de esperança”, não podemosesquecer que estamos numa profunda “Renovação Carismática” no interior daIgreja, que os Movimentos Carismáticos e as Novas Comunidades são uma graça deDeus para os tempos atuais. É o próprio Concílio Vaticano II que nos convida aestarmos atentos e tomar consciência da presença permanente e ativa do EspíritoSanto na vida e na missão da Igreja. É o Espírito Santo, a força da Igreja quea impele para as rotas do mundo para anunciar o Evangelho da Paz. Somos aIgreja da Esperança, pois Deus não cessa de conceder-nos “dons generosos”, ouseja, chárismas, para com parresia vivermos a nossa fé e anunciá-la ao mundo dehoje.

Façamos então, como nos recomenda o “teólogo dos carismas”: “Jáque aspirais aos dons do Espírito Santo, procurai tê-los em abundância, para aedificação da Igreja” (1Cor 14,12).


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