A vigorosa força da instituição familiar nos é revelada pelas Sagradas Escrituras já no seu início: “não é bom que o homem esteja só. Vou fazer-lhe uma auxiliar que lhe corresponda… e se tornarão uma só carne.” Tomando por base a cronologia dos textos, sabemos que a narração sacerdotal de Gn 1,28 veio depois de Gn 2,18-25; por isso, sendo teologicamente melhor elaborada, após a criação do homem e da mulher, vai dizer: “sede fecundos e multiplicai-vos.” Não é difícil notar que Deus criou o homem para que ele vivesse em família, pois esta é a instituição primordial, querida por Deus, que permitirá ao homem a realização do seu ser imagem e semelhança de Deus, ou seja, a realização do seu ser amor e comunhão. A família é assim, a primeira escola, instituída pelo próprio Deus para ensinar-nos a ser comunhão de amor, isto é, sua imagem e semelhança.
A partir daqui, podemos fazer o seguinte raciocínio: se Deus criou o ser humano homem e mulher, o ser humano só será pleno quando aberto à relação com o diferente, pois o ser humano masculino, sozinho, não expressa todo o mistério no qual foi criado, ou seja, mistério de ser imagem e semelhança de Deus. Da mesma forma, o ser humano feminino, sozinho, também não consegue expressar toda a beleza do ser imagem e semelhança do Criador. Será somente através da relação com o diferente que o ser humano conseguirá manifestar ao mundo a riqueza do ser imagem e semelhança de Deus.
No entanto, sendo o nosso Deus amor em si mesmo, e sendo o amor sempre uma realidade criativa e aberta, não simplesmente criou o ser humano homem e mulher, mas lhes deu a faculdade de procriar, de multiplicar-se através do amor.
O homem só não seria suficiente para manifestar o amor de Deus. Nem mesmo o hoemem a mulher ordenados um para o outro numa doação recíproca seriam suficientes para manifestar a grandeza deste Deus. Mas somente o homem e a mulher, numa doação recíproca e aberta à geração de novas vidas são capazes de transmitir o mistério de comunhão de amor do nosso Deus, mistério do qual fomos criados imagem e semelhança. E Deus disse: “não é bom que o homem esteja só, vou fazer-lhe uma auxiliar que lhe corresponda.” Deus também disse:“façamos o ser humano a nossa imagem e semelhança.” E Deus criou o ser humano: “homem e mulher”. E Deus ainda disse: “sede fecundos e multiplicai-vos.”
Elencamos dessa forma essas belíssimas frases do livro do Gênesis porque nelas podemos contemplar com clareza que a partir da união legítima entre um homem e uma mulher, o Matrimônio está ordenado para o bem dos cônjuges –“não é bom que o homem esteja só” – e para a geração educação da prole –“crescei-vos e multiplicai-vos.” Esta última frase não está indicando somente a procriação, mas a procriação e a educação. Pois visto que o homem e a mulher são imagem e semelhança de Deus, a paternidade e a maternidade, têm, por vocação, a missão de ser reflexo do amor de Deus. Amor este que não somente cria o ser humano, mas o cria e o ampara em todas as suas necessidades.
Eis, então, o que é a família em si mesma: comunhão de amor! Eis a primeira missão da família no mundo: manifestar o mistério de um Deus que é comunhão de amor!
Alguns filósofos cristãos relacionam o amor à vontade, pois enquanto pela razã o ohomem pode chegar a um conhecimento parcial da verdade, pela vontade (capacidade humana de se autodeterminar) o homem pode ordenar-se para o amor. Podemos então afirmar que a família é o primeiro espaço que temos para dizer: eu quero amar! Eu me ordeno para o amor! Eu quero, com o auxílio da graça, realizar a minha vocação de ser imagem e semelhança de Deus! Pois a família foi instituída para que, através dela, fôssemos amados e aprendêssemos a amar, a renunciar, a nos doar. É a família a primeira comunidade na qual a pessoa experimenta da bondade do amor gratuito que cura, liberta, eleva e redime. Ao mesmo tempo, é nesta mesma comunidade familiar que a pessoa comunica a gratuidade do amor ao seu semelhante.
A família é a comunidade na qual desde a infância se aprendem os valores morais, a honra devida a Deus, a fazer bom uso da liberdade, enfim, a família é uma iniciação à vida na sociedade. No rastro da reciprocidade, a sociedade recebe da família o testemunho, o modelo e o estímulo para delinear e viver as suas relações no respeito e na promoção do outro como pessoa, isto é, como alguém por quem ressoa algo de divino. Com a família, a sociedade aprende que o outro é meu próximo. Que o outro não é simplesmente um indivíduo da coletividade, mas é alguém que merece atenção e respeito. Pois é dentro de uma família que se aprende o cuidado pelos mais novos, o respeito pelos idosos, a atenção para com os doentes e deficientes físicos e a assistência aos pobres. Consequentemente, para crescer rumo à perfeição na caridade, para chegar à plenitude de vida, para exercitar o sair de si, a renúncia e o zelo pelo outro, e assim, para se realizar como pessoa, a família numerosa será de grande auxílio para todos os seus membros e para toda a sociedade. Pois uma sociedade formada a partir de famílias que não educam para o amor correrá sérios riscos de ser uma sociedade deformada.
Hoje em dia se fala muito em ter um filho só, ou no máximo dois, em vista de cuidá-los melhor. Isso não é verdade! O filho único tenderá com muita facilidade ao egoísmo, à centralização em si mesmo, a superficialidade nas relações, e, em consequência de tudo isso, a não realização do seu ser pessoal ordenado para o amor. A família pequena demais ao invés de promover o bem dos seus membros poderá ser o seu grande mal. Pois a vida sem relação, sem êxtase, sem confronto com o outro estará muito longe de ser uma vida plena, ou seja, uma vida no amor. E estará muito perto de ser uma vida degradada, mesquinha e centralizada. Daí, não é difícil concluir que uma sociedade formada por pessoas que não possuem autênticas experiências de relacionamentos, consequentemente, poderá se tornar uma sociedade egoísta, individualista, mesquinha e fechada ao diferente. Eis mais uma missão da família junto à sociedade: ser numerosa para ser verdadeira escola de amor e célula da civilização do amor!
Sendo a família esse grande patrimônio da sociedade, ou melhor, sendo ela a sua célula básica, ou seja, a parte primordial sem a qual a sociedade não pode subsistir de modo sadio. Esta tem para com a família deveres importantes. Por exemplo, o poder civil deve acolher como grave dever o reconhecimento e a proteção da natureza do matrimônio e da família, defendendo a moralidade pública e favorecendo a prosperidade dos lares.
A comunidade política deve honrar a família e assisti-lapara garantir-lhe o direito de se constituir, de ter filhos e de educá-los de acordo com as suas próprias convicções morais e religiosas. Sendo o cristianismo a principal religião de uma nação, os seus cidadãos têm o legítimo direito que o ensino público tenha como delineamento os valores cristãos. É falsa e ilegítima qualquer tipo de lei que queira impor uma educação laica e ou antirreligiosa aos cidadãos de um país católico, como por exemplo: o Brasil.
É dever do Estado garantir às famílias o direito à propriedade privada (de modo especial a casa própria), a liberdade de empreendimento, o trabalho (com salário digno) e o direito de emigrar. O Estado deve prover a assistência médica para todos os membros da família. De modo especial aos idosos e portadores de alguma deficiência física ou psíquica. É sério dever do Estado promover a segurança pública com vistas também à integridade da família. Sobretudo, a legislação de um Estado deve proteger os cidadãos das drogas, do alcoolismo e da pornografia. Realidades essas que degrada me dividem o ser humano. A família, na sua constituição original, isto é, formada a partir da união legítima entre um homem e uma mulher, tem o direito de se reunir e de formar associações com outras famílias que a representem perante o poder civil.
A família, que como vimos acima, foi constituída por Deus para ser uma comunidade de amor, é, desde o princípio, reflexo do amor criador e educador do Pai. No entanto, é em Cristo Jesus que ela alcança a sua mais sublime vocação. Pois é em Cristo que podemos interpretar as relações intrafamiliares como: reflexo da eterna dinâmica de amor que há entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo. É em Cristo que podemos compreender a dimensão redentora do amor conjugal que cura e santifica numa doação única e permanente. É sempre em Cristo que compreendemos a doação constante entre pais e filhos a partir da relação entre o Pai e o Filho. E é por Cristo que contemplamos a discreta, mas poderosa ação do Espírito Santo, amor do Pai e do Filho, amor entre Cristo-Esposo e a Igreja-Esposa que ilumina e move a doação que deve existir entre os membros de uma família. Assim, como através da Igreja, também pela família a Trindade revela o amor ao mundo.
Daqui compreendemos que a família é uma instituição de altíssima dignidade, mas que não é fim em si mesma. Na luz de Cristo a família é uma Igreja Doméstica, ou seja, é no seio da família que os pais são para os filhos, pelo exemplo e pela palavra, os primeiros mestres na Fé. Pela vivência da caridade ativa o lar se torna uma escola de vida cristã e de enriquecimento humano. Favorecendo assim, a vocação própria de cada um dos seus membros. Inclusive a vocação à Vida Consagrada. Neste ponto, podemos salientar que os pais devem sempre considerar os filhos como filhos de Deus e respeitá-los como pessoas humanas. Assim, zelam pela primazia do Pai dos Céus na vida dos filhos, favorecem a liberdade na escolha profissional e no discernimento vocacional, e, os educa na Lei de Deus mostrando-se eles mesmos obedientes à vontade do Pai dos Céus.
Dentro da categoria de Igreja Doméstica compreendemos ainda que a família está ordenada para a missão, para o anúncio do Evangelho. Enfatizamos que a família é um centro de formação cristã, de formação performativa que lança os seus membros, individualmente e como família, na missão de evangelizar e de preparar o mundo para a segunda vinda de Jesus Cristo.
Concluímos assim, que a família tem a sua origem na Trindade, nos desígnios de amor da Trindade, encontra a sua vitalidade cotidiana no mistério de Cristo e tem como fim o Reino de Deus.
Formação: Janeiro/2010