Uma das passagens das Regras que mais levávamos a sério nos primeiros tempos era esta de ter os nomes de Jesus e Maria sempre em nossos lábios e corações. Interessante é que não fazíamos um esforço desmesurado para isso. Quase que naturalmente, cumpríamos este que é um dos poucos exercícios espirituais explícitos indicados pelas Regras e Estatutos.A razão é simples: éramos apaixonados por Jesus; éramos apaixonados pela vocação e, portanto, Jesus e a vocação eram nossos assuntos favoritos.
Para nós não constituía esforço estar sempre com uma jaculatória nos lábios, estar sempre pensando e falando de Jesus e de Maria.Aos poucos, para alguns – felizmente não para todos – foi-se desvanecendo a prática deste exercício e, com ele, foram desaparecendo as conversas espirituais, as partilhas de oração, os encantamentos com os milagres que aconteciam a cada dia. Foi enfraquecido o louvor, foi abalado o uso dos carismas e ameaçada a fraternidade e unidade porque outros nomes ocupavam nossos lábios e corações.Pouco a pouco, fomos deixando de falar de oração e de partilhar nosso estudo bíblico e oração pessoal, correndo o risco constante de nos centralizarmos em nós mesmos e não em Deus.
Muitos, até, se esqueceram de como é que se faz para trazer os nomes de Jesus e de Maria sempre nos lábios e no coração.O que significa, afinal, esta prática? Como é que se vive isso, concretamente?
Ter os nomes de Jesus e de Maria nos lábios e no coração significa, entre outras coisas:
– Ter um coração centrado em Deus e em Suas maravilhas. Por isso a presença de Maria. É por ela e nela que vemos e vivenciamos as maravilhas que o Senhor fez em nós.
– Ter um coração aberto ao louvor e à ação de graças.
– Fugir, com todas as forças, da murmuração, refugiando-se no louvor. – fugir, com todas as forças, do julgamento, crítica, maledicência, fofoca, calúnia, refugiando-se na benção. – procurar, de todo o coração, viver a primazia da graça. – proclamar, sem medo e com simplicidade, o senhorio de Jesus e a amizade e sadio culto a Maria.
– Interceder constantemente por aquilo que é da vontade de Deus e intenção de Maria, ainda que nem sempre se tome consciência disso.
– Associar-se a toda Eucaristia celebrada naquele momento, às intenções do Santo Padre e do fundador.
– Associar-se às necessidades dos moribundos e aflitos que precisam de paz
– Fortalecer os que passam por provas na vocação.
– Unir-se, de coração, mente e palavra, à Porta do Céu, Esposa do Espírito e Rainha da Paz.
– Unir-se à Porta do Céu através do louvor constante à Trindade, dizendo com nossos lábios os atos de amor que brotam de nosso coração: “Trindade Santa, eu vos amo!”, por exemplo. A Porta que leva ao céu nossa oração e que traz do céu a graça, agirá em nosso favor e fará crescer em nós a fé, a esperança e a caridade.
– Unir-se à Esposa do Espírito pela invocação constante do Espírito de Deus, invocando-o constantemente com nossos lábios e coração: “Vem, Espírito Santo! Dá-me sabedoria, prudência, viver a vocação, etc.” A Esposa do Espírito intercederá em nosso favor e fará crescer em nós o Amor Esponsal. – unir-se à Rainha da Paz em favor da implantação do Shalom nos corações: “Rainha da Paz, dá-nos a Paz, dá-nos o Príncipe da Paz”. A Rainha ministrará a Paz a nós e a todos os que dela necessitam.
– Unir-se ao amor e admiração de Jesus por sua mãe: “Maria, cheia de graça, tu és bendita!”, “Maria, minha mãe, protege-me”, “Maria, une ao teu sim o meu sim”, “Maria, obrigado pelo teu sim”, etc.
– Fazer atos de fé, de esperança e de amor a Deus: “Jesus, eu te amo!”, “Trindade Santa, eu me entrego a ti”, “Pai, eu confio em ti”, “Jesus, eu espero em ti”, “Espírito, acende em mim o fogo do amor”, “Jesus Cristo, Filho do Deus Vivo, tem misericórdia de mim, pecador”, etc. Estaremos, assim, sempre unidos a Ele. Há, ainda, uma outra pergunta: se a boca fala do que o coração está cheio, porque o Fundador falou primeiramente dos lábios e só depois do coração? A meu ver – e esta é uma visão pessoal- para enfatizar o fato de que se trata de um exercício espiritual, de uma prática explícita de piedade, de um ascético ato de vontade e de uma oração vocal que, aos poucos, se torna mental.
Este exercício é, como todo exercício espiritual, ascético, isto é, de purificação, de preparação para a oração profunda, meio para estar sempre unido a Deus em oração, em pensamento e em palavras, explícito desejo de não cair em tentação, ato de humildade de quem se proclama pequeno e necessitado do auxílio de Deus a todo instante. O fato de ser uma oração vocal evoca a humildade, a pequenez, a minoridade, a verdade de sermos vasos de argila. Este pequeno e simples exercício espiritual, além do mais, mantém-nos em constante estado de oração e escuta de Deus e nos dá um coração atento ao interior, com a atenção focada no Amado, esquecido das criaturas, o que, evidentemente, nos ajudará a conhecer a vontade de Deus em cada instante e ter força para executá-la.
É, em nossa vocação, uma maneira simples de cumprir a recomendação de São João da Cruz para quem deseja ter sadia e robusta vida espiritual:Esquecimento do criado,Memória do Criador,Atenção ao interior,Estar amando o Amado. Ultimamente, graças a Deus, voltamos a ver um número crescente de pessoas na Comunidade e na Obra com seus terços na mão, a rezar o rosário ou jaculatórias. Aumentam, também, os testemunhos dos benefícios espirituais que tais práticas nos têm trazido. Há quem pense que isso vai fazer as pessoas mais caladas, menos comunicativas e alienadas dos assuntos sociais. Engano. O fruto é que faz as pessoas mais silenciosas (o que é diferente de “caladas”), ajuda-as a crescer na escuta a Deus e a se comunicarem não a partir de si mesmas e de suas próprias idéias, mas a partir da sabedoria de Deus para aquele momento.
Longe de se alienarem dos assuntos sociais (o bem estar do outro, os acontecimentos, etc.) falarão sobre eles a partir de sua experiência de Deus, a partir do olhar de Deus em seus olhos, que são a porta da alma, a porta do coração e que estarão iluminados pelo fogo que queima seus corações.Oro para que o Espírito reacenda em nossos corações o amor e zelo por esta orientação de nossas Regras e Estatutos, tão simples e acessível, verdadeiro escudo de proteção contra o pecado, o mal e a dispersão de nossos esforços na prática da caridade para com Deus e os irmãos.