Formação

São José… Uma sombra de Maria?

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O que falar sobre este santo em que a Bíblia não registrou nenhuma palavra sequer que ele tenha falado? Por que agiu assim o Espírito Santo na inspiração da Sagrada Escritura, especialmente nos três evangelhos sinóticos: Mateus, Marcos e Lucas? Teria ele menos importância e por isso não foi lembrado? Seria ele um santo que ganhou fama somente por caminhar à sombra de Maria, Mãe de Deus? É verdade que ele já era um ancião de idade avançada,que caminhava trôpego pelo peso dos anos e que já não tinha o vigor varonil? Seria ele um homem simplório que não possuía uma visão de fé alargada?

A estas perguntas respondemos com outras. É pouca coisa ser escolhido para amparar, sustentar, apoiar, prover e amar a Mãe e o Filho de Deus? É uma escolha sem importância a de ser um referencial humano da paternidade divina e uma referência masculina para a humanidade de Cristo?Seria pouca fé para alguém reconhecer que sua esposa prometida concebeu por obra do Espírito Santo? Acreditar na divindade de seu Filho adotivo sem nunca ter presenciado um milagre da sua parte? Obedecer às inspirações do Pai que se revelaram somente em sonhos?…

Até os pastores viram os anjos; Maria contemplou a encarnação do Verbo em seu seio, a sua virgindade antes, durante e após o parto, a transformação da água em vinho nas bodas de Caná e muito provavelmente muitas curas e milagres do seu Filho. José porém, só recebia o direcionamento do alto em sonhos. Porquê? Seria Deus sádico que após vê-lo padecer diante de fatos que o ultrapassavam, como a gravidez de sua esposa, por fim lhe revelasse o seu plano?E ainda em sonhos?

O Antigo Testamento já nos fala: “Se queres servir a Deus,prepara a tua alma para a provação, sofre as demoras de Deus” (Eclo 2,1). Viver sem estar aberto à perspectiva da prova é não sair do estado infantil,permanecer imaturo, pois todo amor é provado; é na prova que se cresce e amadurece. Deus nos prova por amor a nós, para nos ver crescer, para observar como reagimos e nos ajudar a encararmos a verdade de nossa condição humana frágil.

Mesmo decidido a deixar Maria em segredo para assumir a culpa de uma gestação que não entendia, José teve uma decisão digna de um justo. Porém, sem o auxílio do alto, jamais penetraria no Mistério que deu sentido à sua vida até os nossos dias. Sim, bem-aventurado és tu, José, que creste sem ter visto nada de exteriormente sobrenatural.

Tsadiq em hebraico quer dizer ‘justo’, uma das poucas palavras que lhe referiram os evangelistas (Mt 1,19) cuja tradução é: aquele que reconhece o fundamento absoluto da Lei e seu valor moral e que educa e cria o povo pela abrangência de sua presença, pela integridade de sua caminhada, um fiel com disposição e potência de realizar e esclarecer o povo sobre a justiça e fidelidade do amor de Deus.

O Tsadiq não quer escutar de Deus o que deseja, mas deseja escutar o que Deus lhe quer falar, mesmo que seja para fugir de noite para um país idólatra que nunca tinha estado antes. Ele é genuinamente um anawin, que faz parte do povo simples e humilde, que porá sua confiança no nome do Senhor.( cf. Sf 3,12-13), formado no exílio da Babilônia em que aprendeu a não confiar nas garantias morais, religiosas, da terra e da pátria, mas da Palavra de Deus;seu fundamento era realmente o Absoluto. Isabel, Zacarias, Joaquim, Ana e Maria pertencem a este povo, o humilde Resto de Israel que Deus com todo carinho usou,sobretudo, na pessoa de João Batista para preparar um povo bem disposto para acolher o Messias, o qual não veio em pompas, mas num curral para confundir os poderosos e derramar sua graça nos humildes.

Você já chegou a contemplar José ouvir o Filho de Deus chamá-lo de pai, Abbá em hebraico, paizinho, papaizinho? Ou José ensinando a Torah (a Lei) para Jesus, ou seja, o Verbo, para o Verbo? Cantando os salmos, ensinando o nome das plantas e dos bichos? A dança da colheita, do Shabbat? A celebrar na solenidade da sinagoga ou do templo e na intimidade de sua casa, o memorial de Israel, as intervenções do Altíssimo em sua história? Como Jesus devia ter vibrado ao ver José celebrar, bendizer, ler e proclamar a Torah, dançar e exultar, temendo e tremendo na presença de Deus, modelo para tantos pais que hoje perderam o sentido de sua missão como homens e homens de Deus. O pai impõe uma diferenciação indispensável que deve romper o caráter fusional do amor do filho para com sua mãe. Quando não há essa diferenciação de papéis entre o pai e a mãe, a identidade da criança fica confusa, fragmentada, insegura na parte mais íntima de seu ser e, se ela não conhecer a Deus, procurará sua segurança nos vários caminhos que o mundo oferece. É papel do pai, portanto, conduzir à Palavra, à separação – entre o sagrado e o profano –, ao limite e também à diferenciação.

Daí a necessidade urgente do pai assumir o seu sacerdócio domiciliar, ministrando a Palavra e transmitindo a alegria que é uma potencialidade, um carisma, um vigor inacreditável sobre o plano de vida espiritual.

A educação consiste em ensinar a seu filho que ele é filho,a fim de que tenha a chance de ser pai. Hoje os pais não dão limites aos filhos para compensar o tempo que estão fora de casa e ao crescerem vão gradualmente perdendo a consciência que há um Deus Altíssimo a adorar, porque só conseguem contemplar a si ou os que se parecem consigo.

Felizes os filhos que aprenderam com seus pais a rejubilar-se diante de Deus, que viram seu pai exaltar e tremer na presença divina; estes conhecerão a força e o poder de uma verdadeira celebração e se tornarão capazes na elevação do seu fervor de abraçar uma multidão de almas.

É preciso que cada pai possa, por exemplo, impor as mãos sobre cada filho e abençoá-lo. Todos aqueles que foram abençoados por seu paina infância se lembram para sempre desse gesto bendito, assim como os que foram marcados com o sinal da cruz por seu pai não somente no Batismo, mas ao longo de sua infância.

Esses filhos terão para sempre uma imagem do pai semelhante a uma imagem de Deus e uma imagem de Deus semelhante a uma imagem do pai.Quantos homens atualmente têm dificuldade de reconhecer a Deus como um Pai porque esta imagem não tem sido transmitida por seu pai?

Se você não souber ser filho é perigoso tornar-se pai –talvez sobre isso Jesus quisesse ensinar em Jo 14,6: “Ninguém vem ao Pai a não ser por mim”.

José, pedagogo inspirado, que obedece a Torah, sentinela vigilante sobre a memória de Israel, torna-se pai adotivo de Jesus porque é também e antes de tudo, um homem de oração, um liturgo, um sacerdote exercendo um ofício em sua casa. Sua semente não gerou, mas José colocou o Menino Jesus no mundo da história de Israel, da prática da Torah, dos costumes judaicos, da liturgia, da ética, de um comportamento único que é a característica hebraica aos olhos do universo.

O Papa Pio IX o proclamou em 1870 “Patrono da Igreja Católica”. O Papa Leão XIII explica que “de modo análogo àquele com que São José outrora costumava socorrer santamente, em todo e qualquer acontecimento, a família de Nazaré, também agora cubra e defenda com o seu celeste patrocínio a Igreja de Cristo” (Carta Encíclica Quamquam Pluries). Paulo VI diz que “a Igreja o invoca como protetor por um desejo profundo e atualíssimo de rejuvenescera sua existência secular, com autênticas virtudes evangélicas, como as que refulgem em São José”.

João Paulo II voltou a propô-lo como Patrono da Igreja e pediu que a figura de São José adquirisse um renovar de atualidade para aIgreja de nosso tempo com relação ao novo milênio (cf. Redemptoris Custos 32).É preciso assim que cada pai de família, tal como José, dirija a liturgia de sua casa. Ao assumir sua identidade litúrgica e sacerdotal como dom da misericórdia do Pai que restaura o homem de hoje, ele afirma em Deus a segurança de sua eleição e salvação; o homem retornará, assim, à sua nobreza de alma e seu esplendor à imagem do Pai do Céu e de José, pai da terra e da Palavra.

Formação 2010


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