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Doutrina católica sobre laicidade e pluralismo

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5. Se, perante tais problemáticas, é lícito pensar emutilizar uma pluralidade de metodologias que refletem sensibilidades e culturasdiferentes, já não é consentido a nenhum fiel apelar para o princípio dopluralismo e da autonomia dos leigos em política, para favorecer soluções quecomprometam ou atenuem a salvaguarda das exigências éticas fundamentais ao bemcomum da sociedade. Por si, não se trata de “valores confessionais”, uma vezque tais exigências éticas radicam-se no ser humano e pertencem à lei moralnatural. Não exigem, da parte de quem as defende, a profissão de fé cristã,embora a doutrina da Igreja as confirme e tutele, sempre e em toda a parte,como um serviço desinteressado à verdade sobre o homem e ao bem comum dassociedades civis. Não se pode, por outro lado, negar que a política deve tambémregular-se por princípios que têm um valor absoluto próprio, precisamente porestarem ao serviço da dignidade da pessoa e do verdadeiro progresso humano.

6. O apelo que muitas vezes se faz à “laicidade” que deveriaguiar à ação dos católicos, exige uma clarificação, não apenas de terminologia.A promoção segundo consciência do bem comum da sociedade política nada tem aver com o “confessionalismo” ou a intolerância religiosa. Para a doutrina moralcatólica, a laicidade entendida como autonomia da esfera civil e política dareligiosa e eclesiástica – mas não da moral – é um valor adquirido ereconhecido pela Igreja, e faz parte do património de civilização jáconseguido[23]. João Paulo II repetidas vezes alertou para os perigos quederivam de qualquer confusão entre esfera religiosa e esfera política. “Sãoextremamente delicadas as situações, em que uma norma especificamente religiosase torna, ou tende a tornar-se, lei do Estado, sem que se tenha na devida contaa distinção entre as competências da religião e as da sociedade política.Identificar a lei religiosa com a civil pode efetivamente sufocar a liberdadereligiosa e até limitar ou negar outros direitos humanos inalienáveis”[24].Todos os fiéis têm plena consciência de que os atos especificamente religiosos(profissão da fé, prática dos atos de culto e dos sacramentos, doutrinasteológicas, comunicação recíproca entre as autoridades religiosas e os fiéis,etc.) permanecem fora das competências do Estado, que nem deve intrometer-seneles nem, de forma alguma, exigi-los ou impedi-los, a menos de fundadasexigências de ordem pública. O reconhecimento dos direitos civis e políticos ea realização de serviços públicos não podem estar condicionados a convicções ouprestações de natureza religiosa da parte dos cidadãos.

Completamente diferente é a questão do direito-dever doscidadãos católicos, aliás como de todos os demais cidadãos, de procurarsinceramente a verdade e promover e defender com meios lícitos as verdadesmorais relativas à vida social, à justiça, à liberdade, ao respeito da vida edos outros direitos da pessoa. O facto de algumas destas verdades serem tambémensinadas pela Igreja não diminui a legitimidade civil e a “laicidade” doempenho dos que com elas se identificam, independentemente do papel que a buscaracional e a confirmação ditada pela fé tenham tido no seu reconhecimento porparte de cada cidadão. A “laicidade”, de facto, significa, em primeiro lugar, aatitude de quem respeita as verdades resultantes do conhecimento natural que setem do homem que vive em sociedade, mesmo que essas verdades sejamcontemporaneamente ensinadas por uma religião específica, pois a verdade é umasó. Seria um erro confundir a justa autonomia, que os católicos devem assumirem política, com a reivindicação de um princípio que prescinde do ensinamentomoral e social da Igreja.

Intervindo nesta matéria, o Magistério da Igreja nãopretende exercer um poder político nem eliminar a liberdade de opinião doscatólicos em questões contingentes. Entende, invés – como é sua função própria– instruir e iluminar a consciência dos fiéis, sobretudo dos que se dedicam auma participação na vida política, para que o seu operar esteja sempre aoserviço da promoção integral da pessoa e do bem comum. O ensinamento social daIgreja não é uma intromissão no governo de cada País. Não há dúvida, porém, quepõe um dever moral de coerência aos fiéis leigos, no interior da sua consciência,que é única e unitária. “Não pode haver, na sua vida, dois caminhos paralelos:de um lado, a chamada vida ‘espiritual’, com os seus valores e exigências, e,do outro, a chamada vida ‘secular’, ou seja, a vida de família, de trabalho,das relações sociais, do empenho político e da cultura. O ramo, enxertado navideira, que é Cristo, leva a sua linfa a todo o sector da atividade e daexistência. Pois todos os variados campos da vida laical fazem parte do planode Deus, que quer que eles sejam como que o ‘lugar histórico’ onde se revela ese realiza o amor de Jesus Cristo para glória do Pai e serviço aos irmãos.Qualquer atividade, qualquer situação, qualquer empenho concreto – quais, porexemplo, a competência e a solidariedade no trabalho, o amor e a dedicação àfamília e à educação dos filhos, o serviço social e político, a proposta daverdade no ¬âmbito da cultura – são ocasiões providenciais para um ‘constanteexercício da fé, da esperança e da caridade’”[25]. Viver e agir politicamenteem conformidade com a própria consciência não significa acomodar-sepassivamente em posições estranhas ao empenho político ou numa espécie deconfessionalismo; é, invés, a expressão com que os cristãos dão o seu coerentecontributo para que, através da política, se instaure um ordenamento socialmais justo e coerente com a dignidade da pessoa humana.

Nas sociedades democráticas todas as propostas sãodiscutidas e avaliadas livremente. Aquele que, em nome do respeito daconsciência individual, visse no dever moral dos cristãos de ser coerentes coma própria consciência um sinal para desqualificá-los politicamente, negando asua legitimidade de agir em política de acordo com as próprias convicçõesrelativas ao bem comum, cairia numa espécie de intolerante laicismo. Com tal perspectivapretende-se negar, não só qualquer relevância política e cultural da fé cristã,mas até a própria possibilidade de uma ética natural. Se assim fosse,abrir-se-ia caminho a uma anarquia moral, que nada e nunca teria a ver comqualquer forma de legítimo pluralismo. A prepotência do mais forte sobre ofraco seria a consequência lógica de uma tal impostação. Aliás, amarginalização do Cristianismo não poderia ajudar ao projecto de uma sociedadefutura e à concórdia entre os povos; seria, pelo contrário, uma ameaça para ospróprios fundamentos espirituais e culturais da civilização[26]. 

NOTA DOUTRINAL
Sobre algumas questões relativas
à participação e comportamento dos católicos na vida política

Um ensinamento constante »»
Alguns pontos no atual debate cultural e político »»
Doutrina católica sobre laicidade e pluralismo »»
Considerações sobre aspectos particulares »»


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