Formação

Aventuras de Papel

comshalom

Um senhor nobre, e bem de vida, cansou de sua existênciavazia e superficial. Decidiu sair pelo mundo em busca de heróicas aventuras.Lembrou-se que tinha no estábulo um cavalo de raça. Imediatamente ordenou aosservos de lhe trazerem o fogoso animal bem arrumado para uma grande viagem. –Meu grande e generoso amigo – bradou o nobre subindo no cavalo – conduze-meonde têm injustiças para sanar, malfeitores para punir, sofrimentos a seremaliviados. Que as minhas façanhas não tenham limites e nunca se apague o vigorque agora estou sentindo. Amigo, chegue com a força de uma tempestade entre osexércitos inimigos. Corra com furor entre os selvagens e os bárbaros. Quero lutaronde for preciso e quero o meu nome coberto de glória e triunfo. Coragem,companheiro, corra, voe, abra o caminho mais difícil, busque a vereda maisescondida, trilhe sem medo as sendas do desconhecido…

 O cavalo, que não estava acostumado a tanto entusiasmo,começou a andar pelos campos, meio tonto por causa de tantas novidades. Derepente ficou indeciso, duvidando da direção. Parecia arrependido. Assim deumeia volta e voltou correndo para o seu estábulo.

 – No final das contas, sábio e prudente amigo, reconheço quehoje você tem razão, bem pensado! – disse o aristocrático senhor, descendo docavalo. Naquele momento, decidiu firmemente que recomeçaria tudo de novo no diaseguinte, mas, depois, achou melhor esperar por mais um dia. Assim, passaram-se  semanas, meses e anos. O nobre senhor acabouesquecendo-se de tudo, tão ocupado que estava na leitura dos seus inseparáveislivros de aventuras de outros tempos.

 Essa historinha nem precisa de muitos comentários. Quem denós nunca fez propósitos que ficaram só como boas intenções? Quantas decisõessão tomadas com entusiasmo, mas, quase sempre, para serem realizadas no diaseguinte. Nesse caso, toda desculpa é boa para que nunca chegue o “amanhã”.

 O evangelho deste domingo pode nos dar a impressão de que Jesusqueira nos espantar com exigências pesadas demais. Parece desumano o que oSenhor pede: o desapego nada menos do que da nossa família e da nossa própriavida. Também pede a renúncia a tudo o que temos. O que seria de nós setomássemos ao pé da letra essas palavras? Será que Jesus quer ter mesmo algumdiscípulo pronto para segui-lo? Vamos dar a resposta em dois tempos. Oseguimento do Senhor é mesmo muito exigente, porque não tem nada que tenha maisvalor do que o Reino. A questão é que nós acabamos colocando em contraposiçãoas exigências do Reino àquelas da nossa família, dos nossos bens e dos nossosinteresses.

 O Senhor quer simplesmente nos ajudar a alargar os nossoshorizontes. A nossa vida não pode acabar dentro da nossa família, do nossonegócio, do nosso dinheiro. É somente para isso que nós estamos neste mundo?Também para isso, é lógico, mas não só. A nossa família não está fora do Reino,pode ser experimentada e vivida como parte integrante do Reino, onde o Reinocomeça a acontecer. Neste caso, o amor seria mais sincero, a fidelidade seriauma alegria e o sacrifício uma verdadeira e total doação. O dinheiro também –veremos nos próximos domingos – poderia servir para o bem, para a fraternidadee não para dividir e explorar. O que nos falta é o olhar e o coração de Jesus.Até quando continuaremos a entender as coisas do nosso ponto de vista egoísta ecobiçoso, nunca conseguiremos o desapego dos bens materiais e a renúncia aosnossos mesquinhos interesses.

 O segundo tempo da reflexão vem dos dois exemplos que opróprio Jesus faz. Do homem que não teve condição de acabar a obra iniciada edo rei que negocia a paz, porque sabe que está com um exército mais fraco doque o inimigo. O Senhor nos convida a fazer os cálculos e a chegar a um acordoantes de começar a obra ou a guerra. Também este não é um convite à desistênciaou à diminuição das exigências do discipulado. Ao contrário, é uma proposta aconfiar mais na sua ajuda do que nas nossas forças. Com efeito, ele não querque passemos a vergonha de sermos apontados como seguidores incapazes, medrosos e falidos. Muito melhor é realizar uma obra menor, maschegar até o fim, do que nos deixar levar pela ambição e deixar a grande obrainacabada. Na construção do Reino a humildade é sempre uma grande virtude.

 Devemos, portanto, ser discípulos humildes, mas decididos. Aaventura da fé só pode ser verdadeira, não deve ser mais uma das tantasaventuras de papel deixadas para um amanhã que nunca chega.


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