Acabo de receber um cartão com uma das frases inesquecíveis de São João Paulo II: “a mulher se realiza à medida em que ama”. Imediatamente a memória me remete à afirmação de Amedeo Cencini sobre o autoconhecimento, a autorrealização ou o “encontrar-se”: “Fundamentalmente, conforme nos diz a Psicologia, o homem não se encontrará nunca, procurando-se demasiadamente, assim como não conseguirá jamais satisfazer sua necessidade de estima, fazendo dela a finalidade imediata de seu agir” (CENCINI, Amedeo. In: Tecendo o Fio de Ouro).
O papa e o psicólogo, na realidade, nada mais fazem que ecoar o Evangelho: “quem quiser ganhar a própria vida, perdê-la-á, mas quem quiser perder a vida por amor a mim a encontrará”.
A regra evangélica infalível é “perder-se para se encontrar”. O encontro de quem realmente sou, isto é, de quem Deus me criou para ser, só se dá quando saio de mim e me perco no amor ao outro, na doação de minha vida a ele.
Percebo que mesmo os que creem piamente nessa máxima evangélica têm dificuldade em saber como praticá-la. A verdade expressa pela Palavra acende seu desejo. Sua compreensão, porém, é tênue demais para realizá-lo.
Como, concretamente, perder-se, no sentido evangélico da expressão? Há algumas regrinhas básicas:
- No sentido evangélico, a gente se perde no dia a dia, não necessariamente em atos heroicos ou extraordinários;
- A gente se perde doando-se a Deus na vocação batismal e na Palavra, consciente de que dar-se a Deus é acolher com simplicidade, confiança e abandono o seu amor por nós e pelos homens.
- A gente se perde quando pensa mais nos outros do que em nós, quando coloca os outros sempre em primeiro lugar.
- A gente se perde quando desiste definitivamente de se preocupar mais consigo do que com os outros, mais com as necessidades e dores da gente do que com as deles. Aliás, quando a gente faz isso, as preocupações egoístas e centralizadoras até desaparecem.
A necessidade de perder-se é crucial para encontrar o Senhor e, nele, a vida eterna. Isso vale para todos, sem importar idade, sexo ou cultura. Contudo, para a mulher, cuja missão é “humanizar o homem” e cuja vocação é a maternidade, não importando o estado de vida, o doar-se, o perder-se, é questão de identidade, de essência. É vital.
Para o homem e para a mulher, não perder-se é não encontrar-se. Para ela, porém, é mais que isso: é também não cumprir a vontade específica de Deus a seu respeito. É não cumprir-se, não deixar-se cumprir.
Maria Emmir Oquendo Nogueira
Entrelinhas
– Revista Shalom Maná – dezembro de 2011