“O Corpo de Cristo!”
“Amém!”
Uma vez mais, só Deus sabe que – pela enésima vez, ecoa o convite feito a Maria na Anunciação. “Aceitas ser a mãe do Salvador? Aceitas gerar em ti o Corpo de Cristo?”
“Fiat! Amém!”
“O Corpo de Cristo!”, anuncia o padre, o ministro. “Amém!”, responde o tantas vezes distraído membro do Corpo, sem saber ou pensar muito bem no que diz.
Lembro-me de quando era ministro extraordinário da Sagrada Comunhão, repetia, dezenas, centenas de vezes, o anúncio: “O Corpo de Cristo”, para ouvir na maioria das vezes um “amém” meio distraído, o corpo já meio voltado para retornar ao seu lugar, como quem tem mais pressa em sair da fila do que em receber em si o Corpo.
Sinceramente, ficava meio constrangida, com vontade de parar a pessoa e perguntar: “Você sabe ao que está dizendo “amém”? Entende que está repetindo o consentimento de Maria, acolhendo em si o Corpo, o Sangue, a Alma, a Divindade de Jesus?” No entanto, não podia dizer nada, além do resignado anúncio mil vezes repetido: “O Corpo de Cristo!”
Para consolar Jesus, conversávamos sobre isso ali, na fila. Às vezes, de comum acordo com Ele, imaginava-me dando às pessoas o Menino. Colocava-o, então, em suas mãos, com imensa delicadeza, como quem entrega um recém-nascido. Percebia que alguns, mais sensíveis ou atentos, olhavam-me ora com espanto, ora com cumplicidade. Saberiam que estavam recebendo o Corpo do Menino?
Por vezes, combinava com Jesus de contemplá-lo entregando-se como o Jesus das Bem-aventuranças e, sempre sem modificar o anúncio: “O Corpo de Cristo!”, entregava aos fiéis o Pregador em sua mais bela e alta pregação. Outras vezes, contemplava-o entregando o novo mandamento: “Amai-vos como eu vos amei!”, e lá ia Ele, nas pessoas, pedindo que se amassem como Ele nos amou. Havia, ainda, espaço para o Jesus orante, o Jesus que cura, o Jesus que ri.
Com minha boca, repetia sempre: “O Corpo de Cristo! O Corpo de Cristo!”. No coração, ora entregava o Menino, ora o Pregador, ora o Mestre, ora o Crucificado, especialmente quando percebia que a pessoa estava doente ou muito triste. Certa vez, contemplei-o ressuscitado ao levá-lo a um senhor com pancreatite na UTI. O médico não permitiu que ele comungasse e ficamos ali, uns dois minutinhos, orando, com a teca contendo o Ressuscitado entre as nossas mãos. No dia seguinte, inesperadamente, o enfermo saiu da UTI e passou a uma fase de inexplicável franca recuperação.
Quando não tive mais possibilidade de ser ministro da Eucaristia, e, assim, frequentei, diariamente, o outro lado da fila, passei a me colocar quase sempre como Maria. Procurando seguir o que recomenda São Luis Grignon de Montfort para os servos de Maria que comungam, havia iniciado, com uma certa inquietação inconfessa, o exercício de receber Jesus em Maria, revestida de Maria, no Paraíso que é Maria, para que Ele fosse acolhido em lugar digno e, depois, dizer a Maria: “Trago-te o teu Filho”. Talvez como prêmio por minha fidelidade a uma recomendação que me custava compreender, Deus me foi fazendo entender o que era receber Jesus como Maria.
No início, imaginava-me como um cálice muito feio revestido de ouro para receber Jesus. O ouro era Maria. Depois, imaginava receber Jesus no seu Paraíso que é Maria com suas virtudes. Foi somente em um mês de maio – mês em que renovo minha consagração como escrava de Maria – que “compreendi” a semelhança entre o anúncio do padre ou ministro “O Corpo de Cristo!” e a Anunciação do anjo a Maria. Passei, então, a recebê-lo não revestida dela como um cálice, mas revestida – o mais possível – das intenções dela: participar inteiramente da vida de Cristo, como Ele participa inteiramente da vida dela.
A partir daí, ao estender a mão para receber o Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Jesus, estendo também minha alma, meu corpo, meu espírito, minha história e circunstâncias pessoais para acolher como Corpo Místico, o Corpo da Cabeça. Com Ele e como Ele, disponho-me a entregar-me aos outros, grão de trigo morto, fruto de trigo pisado, transformado para ser comido, gastado, por amor. Com Ele e como Ele, disponho-me a estar presente, sabendo que amor é presença em qualquer circunstância. Com Ele e como Ele, desejo dispor-me a ser esquecida, a ser alvo de indiferença, perseguição, calúnia, morte e, finalmente, ressurreição. Como Maria, acolho o Corpo e nos transformamos um no outro, para o que der e vier, para o que for preciso, para a maior glória de Deus.
Muito mais que “força” ou “alimento”, encontro, então, compromisso, parceria, unidade de vida e o profundo sentido de comunhão. Muito mais que receber, sou chamada a dar, embora receba muito mais que dou. Recebo o Menino, como Maria; o Crucificado, como Maria; o Ressuscitado, como Maria. E torno-me, assim, um muito pequenino anúncio, um muito pequenino instrumento vivo, visível presença do Corpo que me habita. Meu “Amém”, então, se torna “Fiat” e isso faz imensa diferença.
Pense nisso em seu próximo “Amém!”
*Artigo originalmente publicado na Revista Shalom Maná em 2013
Maria Emmir Oquendo Nogueira
Cofundadora da Comunidade Católica Shalom
em “Entrelinhas” da Revista Shalom Maná
TT @emmiroquendo
Facebook/ mariaemmirnogueira
Coluna da Emmir – comshalom.org