Papa Francisco disse aos jovens que a misericórdia exige coragem. Fiquei a matutar: qual coragem?
Há a coragem que vem da vaidade, aquela em que a gente faz coisas audaciosas e muito além dos nossos limites só para que os outros nos vejam e elogiem. Em minhas origens cearenses, diria a coragem “só para se amostrar”.
Há a coragem que vem do espírito esportivo, aquela em que o atleta supera os próprios limites, os próprios tempos, os próprios recordes estaduais, nacionais e mundiais, olímpicos e, talvez, em breve, galácticos.
Há a coragem que vem de um ato impensado, um reflexo irracional, aquela em que alguém se arrisca para salvar um objeto valioso que está sendo roubado, e isso faz a pessoa agredir o assaltante sem pensar nas consequências.
Há a coragem estoica, propagada por Cícero, Sêneca e seus seguidores, aquela em que a pessoa busca a felicidade apenas em si mesma e abraça o sofrimento como forma de vitória sobre os próprios vícios e limites; além disso, considera a morte como fim dos próprios infortúnios e limitações, isto é, a felicidade completa.
Há a coragem ideológica, aquela em que o indivíduo se torna cego e passa a mentir, roubar, enganar, matar, gastar a vida por uma ideia camuflada em ideal travestido de falsos conceitos de liberdade ou religião, ou seja, proposta “nova” para problemas antigos.
Poderia fazer uma lista imensa de situações em que as pessoas superam o medo; a coragem do suicida, por exemplo, é apenas uma.
Mas, matutava eu, qual seria, de fato, a coragem que Francisco recomenda aos jovens? E, por outro lado, qual seria a maior coragem ever?
Peço perdão pelo anglicismo. É que, às vezes, há formas mais práticas de dizer as coisas em outra língua. Se fosse utilizar nosso bom e belo português no título, colheria duas consequências. A primeira: não despertaria sua curiosidade, leitor, para o artigo. A segunda: teria que recorrer a um título quilométrico: “A maior coragem que uma pessoa jamais teve neste mundo e no outro, no tempo e na eternidade”. Usando a palavra ever, em inglês, atraio sua atenção para o artigo e economizo 15 palavras!
Francisco utiliza termos simples e exemplos do dia a dia. Podem parecer pequenas medidas, sem a atração do heroísmo. Ledo engano! Por trás de suas palavras simples, há exigências ever. A maior caridade ever, a maior paciência ever, a maior confiança ever, a maior fé ever, a maior esperança ever, a maior humildade ever, e por aí vai.
Quando o Papa ensina aos jovens que a misericórdia exige coragem, está, sem dúvida, falando da maior coragem ever. Aos jovens, não se pede pouco, pede-se tudo, como dizia São João Paulo II. Continuei a matutar. Qual seria, afinal, a maior coragem ever?
Como não me sobra espaço para conjecturas, vou direto às conclusões do meu matutar. A maior coragem ever precisa ter um sentido. Do contrário, a misericórdia não a exigiria. Podemos dizer, então, que o sentido da maior caridade ever é a misericórdia.
Uma coragem sem sentido ou com sentido em si mesma seria estoicismo, ideologia, egoísmo, vaidade, medo de continuar a sofrer. E nada disso combina com misericórdia. Dessa forma, a caridade exigida pela misericórdia tem como sentido último o ato concreto de saída de si para o outro. Sua fonte é a maior misericórdia ever. Matamos a charada.
A maior misericórdia ever, de todos os tempos, lugares, pessoas, civilizações, é a de quem ama. E ama tão perfeita e profundamente, tão comprometida e incondicionalmente, tão eterna e gratuitamente, que, após ser desprezado por milênios por quem mais amava, suportando a morte, mentira, traição, adultério, desobediência e todo tipo de tortura moral, resolve ser um com os ladrões, assassinos, traidores, mentirosos, adúlteros, desobedientes e torturadores. Vai viver com eles. Resolve ser um deles, sem vingar-se, sem condená-los nem desprezá-los e, especialmente, sem cometer seus erros.
Mesmo sendo um deles, continua a sofrer, por 36 anos*, as mesmas torturas que sofre há milênios, agora não somente morais, mas também corporais, até a morte. Não desiste do seu amor. Tem a coragem de amar sempre e perdoar sempre, sem a mínima condenação ou rejeição. Depois, ressuscita, volta ao Pai e, lá, continua a sofrer as mesmas coisas, e ainda piores, pois agora sofre como Deus e como homem, na sua própria carne que levou consigo ao céu.
O nome da misericórdia é Jesus Cristo, Misericórdia do Pai. Esse é também o nome da maior coragem ever. Aquela que não se deixa vencer em amor, nem em generosidade, nem em perdão, por maior que seja a ofensa ou pecado. Perdoa sempre, sofre sempre, ama sempre.
Não admira que Francisco tenha dito aos jovens que a misericórdia para com os irmãos exige coragem. Na verdade, exige a maior coragem ever, exige a coragem que vem do amor e que não está à venda, nem se encontra em bibliotecas, nem está disponível na natureza.
A maior coragem ever tem sua origem no Amor. É aquela que se esquece de si por causa da necessidade do outro e se arrisca a tudo, a tudo mesmo, para salvá-lo e fazê-lo feliz. Pode ser encontrada no Pai, no Filho, no Espírito Santo, os quais estão na Palavra, na oração, na Igreja, em cada pessoa. Longe de ser uma ideia, porém, esse amor é ato. Como a Misericórdia do Pai, Jesus Cristo, é “amor em ato”, sempre.
Sim. A maior coragem ever, aquela que é condição sine qua non para a misericórdia para com o irmão, é a coragem que nasce e é sustentada pela maior caridade ever. A maior coragem ever nasce do maior amor ever e tem o mais belo Rosto ever: o de Jesus Cristo.
* A maior parte dos estudiosos hoje sustenta que Jesus faleceu aos 36 e não aos 33 anos.
Maria Emmir Oquendo Nogueira
Cofundadora da Comunidade Católica Shalom
em “Entrelinhas” da Revista Shalom Maná
TT @emmiroquendo
Facebook/ mariaemmirnogueira
Coluna da Emmir – comshalom.org