Formação

Maria, templo onde Deus e o homem se encontram

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Certa vez, li em um livro do Pe. Júlio Maria de Lombaerde, que Maria é o templo onde Deus e o homem se encontram. Esta frase, como tudo o que traz a verdade, atingiu-me com impacto avassalador. Deus e o homem se encontram na Igreja e seus sacramentos, naturalmente. No entanto, é em Maria que, física e misticamente homem e Deus se encontram, se amam, se conhecem.

Fico a pensar em Gênesis 3,15, quando, logo após o pecado original, Deus já pensou Maria como lugar de reencontro, de reconciliação entre Deus e o homem: “o pé da mulher esmagará a serpente”. Vem-me à mente Apocalipse 12 e sua descrição da guerra demoníaca contra a Mulher que traz no ventre o Filho de Deus e que o protege, vitoriosa.

Mais que em seu ventre, feito fecundo pelo Espírito, é em seu ser de mulher e de mãe, em seu espírito totalmente unido a Deus e a Ele rendido, que se dá o encontro entre Deus e o homem. Ventre e espírito, porém, neste caso, são inseparáveis. Antes de conceber em seu ventre, ensina-nos João Paulo II, repetindo os padres da Igreja, Maria concebeu o Cristo em seu coração. Ao concebê-lo em seu ventre, abriu nossa humanidade para o encontro, a nós impossível, entre Deus e o homem.

O Filho se faz homem e encontra a humanidade de modo totalmente novo no seio de Maria. Nele, e Nela, dá-se o encontro novo entre nossa humanidade e Deus. Como fruto deste encontro, não seremos mais apenas imagem e semelhança de Deus, mas, no e pelo templo que é Maria, também nós templos da Trindade que nos habita substancialmente. Não mais seremos encontrados por um Deus que passeia no jardim ao cair da tarde, como em Gênese, mas habitados pela Trindade que nos diviniza.

Maria é o templo onde se encontra Deus feito homem e o homem para que seja habitação de Deus e se torne semelhante a Ele pela graça e a vivência da caridade de Cristo. Como viver fora ou longe dela este milagre que nos sustenta a vida dia a dia e que a cada dia nos santifica?

Gosto de meditar sobre este encontro bendito que me envolve e sela para sempre – a mim e a cada um de nós – meditando no encontro entre Maria e Isabel e entre Jesus e João Batista. Este encontro aponta o encontro de Jesus e o Discípulo em Maria, aos pés da cruz e, de certa forma, o precede. O último dos profetas, em Maria, encontra o Messias. O primeiro dos discípulos, em Maria, acolhe a Cabeça da Igreja.

Entre os impactos da graça que nos vem por Maria, não posso deixar de narrar a impressão que me causou o ícone da Visitação de Maria, escrito por Nertan Braga. Nossa Senhora, vestida como uma rainha, desce para servir Isabel como uma escrava. Sai apressadamente como uma mensageira cujos passos não se deixam atrapalhar pela larga e longa túnica e mantos reais. Vê-se, na realidade, não a partir da realeza com que Deus a revestiu, mas a partir da humildade com que Ele a escondeu em um coração de serva e mensageira da paz.

Corre, descendo as escadas, quase descuidada do Filho que traz em si, mais preocupada em levá-lo que em mantê-lo, como que sabendo que levá-lo é a melhor forma de tê-lo. Vai servir a Isabel em sua gravidez e parto e servir ao Filho em seu anúncio e ministério da paz. Ao ouvir sua voz, Isabel fica cheia do Espírito Santo e João “rodopia”[1] de alegria no ventre da mãe, a festejar a alegria da salvação, purificado do pecado original ainda como feto. Em Maria, o Filho e o Precursor se encontram e ela revive, agora de forma visível, a experiência da anunciação, na qual é pela primeira vez templo onde Deus e o homem não só se encontram, mas se tornam uma só Pessoa em duas naturezas.

O encontro único e indescritível, inexplicável e inefável que se dá na Anunciação repete-se na Visitação, na Visita dos Pastores, nas Bodas de Caná, na declaração de Jesus sobre sua nova família, aos pés da cruz, em Pentecostes. Sim, todo encontro entre o homem e Deus se dá em Maria, Mãe da Igreja, Esposa do Espírito, Rainha da Paz.

Purificado do pecado original, o Batista põe-se a anunciar o Messias e preparar as Bodas do Esposo e o sacrifício do Cordeiro. Por Ele, derrama todos os seus perfumes, dá a vida como discípulo, como nova família, como a dará a Igreja cheia do Espírito na nuvem de mártires que se seguiram a Pentecostes. Em todos estes eventos, o encontro se dá em Maria.

“O esposo está entre nós, há vinho novo para novos odres. Há uma nova lei, a lei da caridade, da misericórdia, da partilha, da unidade”, diz Maria, em Cana, com duas breves frases: “Eles não têm mais vinho” e “Fazei tudo o que Ele vos disser”. Nela e por ela, mais uma vez, dá-se o encontro entre o Esposo do Vinho Novo e a esposa empobrecida por sua falta.

“Minha mãe e meus irmãos são meus discípulos, somos uma nova família”, como que diz Jesus ao apontar seus discípulos enquanto sua Mãe o aguarda à porta. Novamente, o encontro se dá em Maria e por Maria.

“Filho, eis a tua Mãe”, diz a João, fazendo Maria Mãe da Igreja. “Entre eles encontrava-se Maria, a Mãe de Jesus”, a prepará-los para o novo encontro com o Ressuscitado pela vinda do Espírito Santo. Maria, mais uma vez, é o templo, o lugar de encontro entre Jesus e os homens. Assim o fora com Jesus recém-concebido, com Jesus menino e os pastores, que encontraram o “menino com sua mãe”. Assim fora com Jesus adulto e Mestre, com Jesus desfigurado e agonizante. Assim o é com Jesus ressuscitado e também hoje, com o Esposo e a Igreja.

Em Maria, como, embora em ínfima proporção deveria ser em cada mulher e em cada filho de Deus, dá-se o encontro entre Deus e o homem. Este é seu serviço constante ao Filho e à humanidade, sua vocação, seu ministério, parte integrante de sua identidade: ser local de encontro entre Deus e o homem, entre o homem e Deus. Não é nela, em sua Ascensão, que o homem, enquanto criatura, encontra-se no céu com Deus?

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Ícone da “Mãe de Deus”, escrito por Nertan Braga

Mas voltemos ao ícone, a esta Rainha que se faz Escrava, a esta que recebeu a Boa Nova em seu ser e dela se faz mensageira. Voltemos à mulher vestida de rainha quase encoberta pelo Menino que traz no ventre e no coração e que desce apressada as escadas estreitas de sua casa, como a descer do céu à terra, da majestade ao escravo. Como não ver nela nossa Rainha da Paz? Como não traria esta Rainha as características de quem acolhe e acolhe para dar? Como não reconhecer a Rainha que se faz serva e acolhe o Senhor para em seguida, apressadamente, correr a doá-lo pela doação simultânea de si? Não entenderia ela que, ao ser lugar de encontro, é preciso doar-se para doa-lo? Não seria ela discípula e missionária da paz, do Príncipe da Paz, ao promover o encontro essencial entre Ele e o homem? Não seria ela uma verdadeira shalomita, a perfeita Sulamita que se doa inteiramente para que a humanidade e cada homem encontre, Nela, o Príncipe da Paz, o Ressuscitado que passou pela cruz?

Tomei um grande susto ao contemplar pela primeira vez o ícone do Nertan, ao perceber que este ícone da Anunciação reproduz, de forma quase idêntica, exceto pelas cores, a postura, a expressão e a pressa da Rainha da Paz que “vimos” em 85. É esta, discípula, missionária, lugar de encontro, nossa Rainha da Paz, que não hesita em fazer-se humilde escrava, serva escondida, para que brilhe o Rei e de sua glória, como diz nosso fundador, não seja roubado um milionésimo de milímetro sequer.

[1] É este o significado da palavra grega original.

 

Maria Emmir Oquendo Nogueira

Cofundadora da Comunidade Católica Shalom

em “Entrelinhas” da Revista Shalom Maná
TT @emmiroquendo
Facebook/ mariaemmirnogueira
Coluna da Emmir – comshalom.org


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