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Moysés Azevedo: hoje o Senhor quer ficar na tua casa

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O fundador da Comunidade Católica Shalom, Moysés Azevedo, pregou nesta quinta-feira (21), na Canção Nova, em Cachoeira Paulista. Confira pregação completa

Jesus está presente no meio de nós, mas não só no meio, Ele está dentro de nós, agindo por meio de nós. Esse é o mistério pascal. O Senhor está presente no rito da Eucaristia.

Qual a frase do sacerdote durante o rito? “Eis o mistério da fé”. Qual é o mistério? A resposta é que, por meio da Eucaristia, Deus Poderoso entra no nosso tempo e nos une à Paixão de Cristo, à Morte e Ressurreição de Jesus. Por isso, no momento da Eucaristia, Ele está tão vivo quanto quando estava na Galileia, quando se encontrou com Zaqueu. Naquele dia, o Senhor encontrou Zaqueu e esteve na casa dele. Retomemos essa passagem, que se encontra em Lucas 19,1-10:

“Jesus entrou em Jericó e ia atravessando a cidade. Havia aí um homem muito rico chamado Zaqueu, chefe dos recebedores de impostos. Ele procurava ver quem era Jesus, mas não o conseguia por causa da multidão, porque era de baixa estatura. Ele correu adiante, subiu a um sicômoro para o ver, quando ele passasse por ali. Chegando Jesus àquele lugar e levantando os olhos, viu-o e disse-lhe: ‘Zaqueu, desce depressa, porque é preciso que eu fique hoje em tua casa’. Ele desceu a toda a pressa e recebeu-o alegremente. Vendo isto, todos murmuravam e diziam: ‘Ele vai hospedar-se em casa de um pecador…’ Zaqueu, entretanto, de pé diante do Senhor, disse-lhe: ‘Senhor, vou dar a metade dos meus bens aos pobres e, se tiver defraudado alguém, restituirei o quádruplo’. Disse-lhe Jesus: ‘Hoje, entrou a salvação nesta casa, porquanto também este é filho de Abraão. Pois o Filho do Homem veio procurar e salvar o que estava perdido’.”

“Zaqueu desce depressa, hoje preciso ficar em tua casa.” Muito interessante essa passagem do Evangelho que trata da ida de Jesus a Jericó. Mas quem é Zaqueu? Segundo a leitura, vemos que ele era chefe dos cobradores de impostos, um pecador da pior espécie para os judeus, tido como ladrão e corrupto, um homem de pequena estatura. Evidência disso vemos no fato de que, para ver Jesus, teve de subir numa árvore. Seu povo não via nele valor, não via nele nada de bom, chamando-o de ladrão; mas Jesus o chama pelo nome. Essa atitude de Cristo reflete a atitude de Deus para conosco. As pessoas, muitas vezes, sabem dos nossos erros, dos nossos pecados, mas Deus conhece todas as coisas e vê mesmo nossos erros obscuros.

Ele sabe quem é você. Ele sabe quem nós somos. Ele sabe da nossa natureza frágil, débil e pecadora. Sim, porque eu sou pecador, você é pecador. Quem é pecador aqui diga eu! Quem é? Eu também. Todos nós somos pecadores, mas às vezes achamos: “É, eu sou pecador, mas não sou assim tão pecador. Eu sou pecador, mas não roubo, não mato. Não, eu não sou tão pecador”. São Francisco de Assis dizia uma coisa muito impressionante. Ele dizia: “Eu, sem um segundo da graça de Deus, sou capaz de cometer o pior pecado que eu abomino em outra pessoa”. Todos nós somos pecadores e somos capazes de realizar coisas muito piores do que podemos imaginar, porque é a nossa natureza ferida, é o nosso pecado.

O Papa Francisco também, e é muito impressionante o Papa Francisco! Porque quando ele vai visitar os presídios e vai conversar com aquele preso, com aquele homem que cometeu delitos gravíssimos, e aquele homem então começa a contar a história dele, os delitos que ele cometeu, e diz o Papa Francisco: “Eu sempre fico olhando para ele e pensando comigo: porque não sou eu que estou aí no lugar dele? porque eu sou capaz até de pior. Sem a graça de Deus eu sou capaz de fazer pior do que este homem”. Sim, uma das coisas indispensáveis para a sadia vida cristã é reconhecer a fragilidade, a debilidade da nossa natureza humana e não nos sentirmos superiores a ninguém. Ninguém, ninguém! Porque somos capazes de fazer pior do que muitas vezes nos nossos juízos nós condenamos os outros. E Jesus tem essa capacidade de olhar para nós e não nos olhar a partir do nosso pecado, como Ele fez com Mateus. Ele não disse para Mateus: “Ei ladrão, Eu vou entrar na tua casa hoje”. Não, Jesus não fez isso. “Ei cobrador de impostos”, como às vezes fazemos, “aquela dali? Aquela dali é uma adultera uma prostituta. Aquele outro ali é um cachaceiro”. Vamos substituindo o nome das pessoas às vezes pela fragilidade e a fraqueza da pessoa, e às vezes até nós nos substituímos. Olhamos para nós mesmos e não conseguimos ver muitas vezes a não ser a nossa fragilidade e o nosso pecado e nos definimos assim, pela nossa fragilidade e pelo nosso pecado, mas Jesus não faz assim conosco! Jesus não nos olha e ao nos olhar já vê o nosso pecado. Não! Ele tem um olhar de amor e de misericórdia sobre nós.

Quando Jesus olha para você, a primeira coisa que Ele vê não é o seu pecado, como Ele fez com Mateus. Ele tem um olhar amoroso, misericordioso e de esperança sobre você. O olhar de Jesus é um olhar de salvação. Ele nos escolhe e nos ama gratuitamente, apesar de toda a nossa fraqueza, de todo o nosso pecado, de toda a nossa debilidade. Quando Jesus olha para você, Ele não coloca em você a etiqueta do seu pecado. Ele olha para você e diz o seu nome, e o diz amorosamente, ternamente, misericordiosamente. É assim que Jesus faz. Ele nos chama para Ele, independente da fraqueza, do pecado e da debilidade que nós carregamos. Ele nos chama para Ele porque Ele quer se encontrar conosco. Ele quer que a Sua misericórdia se derrame sobre a nossa miséria.

Nós estamos vivendo e o Papa proclamou um Ano Jubilar, um Jubileu da Misericórdia, e o que é a misericórdia a não ser, e sabemos bem, Deus coloca o Seu coração amoroso sobre as nossas misérias. Deus nos ama tanto, nos ama tanto, nos ama tanto, nos ama tanto, nos ama tanto que decide se misturar com a nossa fraqueza e com a nossa miséria para nos resgatar dela. Não foi isso o que Jesus fez? Jesus, o Filho de Deus, que era um com o Pai, não se apegou, diz Filipenses 2, com a igualdade divina, mas se fez homem, assumiu a nossa pobre natureza humana, e não só se fez homem! Na cruz Ele se fez pecado, Ele tomou sobre si a minha e a sua debilidade, a sua fraqueza, o seu pecado. Sabe aquele pecado? Exatamente esse que você está pensando? Esse que nós lutamos todos os dias e não conseguimos superar? Essa fraqueza que todo mundo nos rotula e diz: “Lá vai o”, “lá vai a”? E colocam o nosso pecado que muitas vezes jogam na nossa cara, que muitas vezes nós sofremos com ele, Jesus nos amou e tomou esse nosso pecado sobre a Sua natureza humana e na cruz tomou sobre o Seu corpo o nosso pecado e redimiu. Jesus veio para nos tirar, para se derramar sobre nós, entrar nas nossas feridas mais profundas, e veio para nos perdoar, nos transformar e para nos resgatar.

“Zaqueu, hoje Eu quero entrar na tua casa”. Como é o seu nome? Diga aí bem forte! Hoje Jesus deseja entrar na tua casa, deseja entrar no teu coração, deseja te transformar de dentro para fora. Hoje é o dia da salvação. Hoje a misericórdia de Deus deseja repousar sobre mim, sobre você e sobre cada um de nós, e a misericórdia de Deus deseja perdoar o nosso pecado, deseja apagar as nossas culpas. Você sabe o que significa isso? Deus perdoa, mas não só perdoa. Deus apaga. Deus apaga. É como se nós tivéssemos o livro da nossa vida. Tem páginas lindas no livro da nossa vida, não é verdade? Páginas lindas! Mas tem páginas… Ao menos no meu livro tem, não sei se no de vocês tem, sim ou não? E esse “sim” o dizemos um pouco mais baixo, porque temos vergonha. Tem páginas do livro da nossa vida que não queríamos ter escrito, mas escrevemos. Tem determinadas páginas do livro da nossa vida, quando você fez aquela besteira, aquele pecado que você depois diz: “Meu Deus! Como é que eu fiz isso?”, e você como que muitas vezes carrega essa culpa. Você olha e está lá, está lá! Mas atenção! Neste Ano Jubilar, neste Jubileu da Misericórdia, o Papa vem nos recordar essa verdade que é sempre perene na igreja. A misericórdia de Deus não só perdoa os nossos pecados, mas ela arranca do livro da nossa vida esta página. A misericórdia de Deus é capaz de apagar o nosso pecado e as consequências do nosso pecado na nossa vida e na nossa história, porque Deus tem o poder de fazer isso! Porque a misericórdia de Deus é mais forte, mais profunda, mais alta, ela é maior do que qualquer pecado humano. Não há um pecado humano maior do que a misericórdia de Deus. Eu não sei o que você escreveu neste livro ou nesta página triste da sua história, mas eu sei que Jesus Cristo na cruz lavou com o precioso sangue Dele esta página do livro da sua vida, e mais ainda! Ele rasgou e jogou fora! É isso o que o Papa insiste e persiste em dizer. Deus não se cansa de perdoar. Nós é que nos cansamos de pedir perdão a Deus.

A misericórdia de Deus esquece. Deus se esquece dos nossos pecados. Você sabe disso? Aquele pecado confessado, com o coração arrependido e sincero, e a confissão tem esse milagre, tem este poder. Que grande poder Deus deu aos homens! Tem uma passagem do Evangelho em que um dia levaram um paralítico para Jesus [1]. Jesus olhou aquele homem paralisado numa cama e disse: “Teus pecados estão perdoados”. Os fariseus, para variar,  começaram a  dizer: “Como é? Só quem pode perdoar os pecados é Deus. Como é que este homem está aí dizendo que ele tem o poder de perdoar os pecados?”. Jesus olhou para aquele paralítico e disse: “Para que se saiba que o Filho do homem tem o poder de perdoar os pecados eu te digo: levanta-te e anda!”. Aquele homem se levantou, tomou a sua cama, sua padiola, e saiu, e a multidão disse: “Que grande poder Deus deu aos homens”. E qual é o grande poder que Deus deu aos homens? De fazer um paralitico andar? É um grande poder, mas não é esse. Há um maior que Deus deu à igreja através dos ministros ordenados, de perdoar os nossos pecados. Que grande poder! Um pecador chegar sob o peso, e quantas vezes nós fazemos essa experiência! Se você não fez, por favor, não deixe de fazê-la nesse tempo da misericórdia, de usufruir da bondade misericordiosa de Deus, da misericórdia de Deus que é infinita e busque o Sacramento da Reconciliação, o Sacramento da Confissão, e vá lá, abra o seu coração, não tenha medo! Exponha, exponha! Exponha as suas fraquezas mais profundas. Exponhas as suas feridas mais purulentas. Exponha as suas dores mais profundas. Exponha a verdade de quem você é, sem querer se justificar, porque esse é um dos grandes prejuízos nossos.

Às vezes vamos nos confessar e não confessamos o pecado, mas confessamos o pecado dos outros. A mulher vai se confessar e diz: “Olha padre, é porque o meu marido bebe, ele é muito difícil”. Ela confessa o pecado do marido dela e não os dela. “Os meus filhos…”, está confessando os pecados dos filhos, mas são os seus, os seus, são as suas feridas, suas fraquezas! Vamos nos confessar e dizemos: “Padre, eu fiz isso, mas é por que…”, e justificamos. Coitados! É como se fôssemos para um médico e disséssemos: “Doutor, eu estou aqui com uma dor, mas ela não tem problema não”, então não vá para o médico, se não precisa de cura! Quando vamos nos confessar estamos indo necessitados de cura, necessitados de perdão. Nós queremos que Jesus entre na nossa casa como entrou na casa de Zaqueu. Entre para nos transformar de dentro para fora e Ele tem o poder de fazer isso, Ele tem o poder de nos transformar com a Sua misericórdia de dentro para fora e de sermos novas criaturas.

Toda vida que vou me confessar, ao sair da confissão, para o irmão que está ao meu lado, olho para ele e a primeira coisa que digo é: “Olha, eu sou uma nova criatura”, sim, porque a misericórdia de Deus tem esse poder de nos recriar, de nos recriar! Nós estamos no tempo da misericórdia!

Vocês sabem que o Papa Francisco nos ensina a partir dos fundamentos bíblicos o que é a misericórdia. Vocês sabem que nas Sagradas Escrituras existem dois nomes para nos explicar o que é a misericórdia. O primeiro nome é Hesed, que é aquela certeza da fidelidade de Deus. Deus é sempre fiel. Nós é que muitas vezes não conseguimos acreditar nessa fidelidade de Deus, porque Ele perdoa sempre e perdoa para sempre. Deus é misericordioso. Ele sempre perdoa, sempre, sempre, sempre, sempre perdoa! Se nos aproximamos Dele com o coração arrependido, Ele pode nos perdoar e nos transformar, e perdoa para sempre. A outra é Rahamim, que é aquela misericórdia como qual é aquela do amor de entranhas. Deus ama como uma mãe, e uma mãe ama de uma maneira de entranhas. Ela abre um espaço dentro dela para acolher um novo ser, para sentir em seu ventre os sentimentos desse novo ser, sofrer com ele para gerar nele uma nova vida. Assim é Deus conosco. Deus me ama e te ama como uma mãe, e mais do que uma mãe. Como sabemos o profeta Isaías diz: “Pode uma mãe esquecer o filho que ela amamenta? Se por acaso ela esquecesse, eu nunca me esquecerei de ti” [2]. É assim que Deus nos ama, e Ele nos ama abrindo espaço dentro Dele. Sim, Deus abriu espaço dentro Dele! Quando Ele se encarnou, Ele assumiu a nossa natureza humana e nos trouxe para dentro Dele para sentir conosco, para sofrer as nossas dores. Seus sofrimentos não são ausentes do coração de Deus. Na Paixão de Cristo Deus sofre os teus sofrimentos, as tuas dores. Nenhum sofrimento da tua vida, da tua história, da tua família é indiferente a Deus, porque Deus nos ama de uma maneira de entranhas, visceral, e Ele não nos ama só assim não! Ele nos ama assim para nos transformar, para nos redimir, para nos dar uma vida nova. É assim a misericórdia de Deus.

Meus irmãos, neste tempo o céu está aberto e deus deseja que todos nós experimentemos a sua misericórdia. Quem quer experimentar a misericórdia de Deus diga eu! Sim, porque é necessário todos os dias experimentar de novo essa misericórdia, porque a misericórdia de Deus é um abismo infinito.

Uma coisa interessante: quando Jesus falou: “Zaqueu”, ele disse uma palavra logo em seguida: “Desce depressa, porque hoje Eu quero entrar na tua casa”. “Desce depressa”. Esse é um convite que hoje Jesus deseja fazer para mim e para você. Quem quer experimentar a misericórdia de Deus? Então ouça a palavra de Jesus! Ele está dizendo: “Desce depressa! Desce!”. Jesus chama e diz: “Desce depressa”. Jesus nos convida a um sair de nós mesmos para irmos ao encontro Dele. Ele quer nos banhar com a Sua misericórdia e Ele deseja que saíamos de nós mesmos e possamos ir ao encontro Dele para que Ele possa fazer com que a Sua misericórdia desça na nossa vida, na nossa história, nas nossas entranhas, cure as nossas feridas e nos faça de novo. “Desce depressa, sai de ti mesmo”, porque às vezes vivemos muito centralizados em nós mesmos, até na nossa dor, na nossa fraqueza, no nosso pecado, e não usufruímos da misericórdia. É preciso um movimento de sair de nós mesmos para irmos encontrar o Senhor, como Zaqueu fez. Às vezes ficamos no Sicômoro, lá na árvore, pendurados, centralizados em nós mesmos, e precisamos deixar que o olhar de Jesus nos alcance e ouvirmos a voz Dele dizendo: “Vem! Sai de ti mesmo! Vem, e vem me encontrar!”.

E onde encontramos Jesus? Uma coisa muito importante! Em primeiro lugar encontramos Jesus na Sua palavra. Jesus deseja comunicar a Sua misericórdia para nós através da Sua palavra. Na palavra e na oração. Meus irmãos, quando abrimos as Sagradas Escrituras, quando na missa, na Eucaristia nos é servido o Pão da palavra, porque vocês sabem que na Eucaristia o primeiro prato que é servido é Jesus palavra viva, é o Pão da palavra, para sairmos de nós mesmos e irmos encontrar Jesus na palavra. Alguns Padres da Igreja lembram uma coisa muito importante. Quando vamos comungar temos uma atenção muito grande para que nenhum fragmento da hóstia consagrada caia no chão. É o zelo. Mas às vezes, e quantas vezes nós deixamos o Pão da palavra cair no chão? Quem já fez essa experiência de ao terminar a 1° leitura uma pessoa olhar para você e perguntar: “Qual foi a 1° leitura mesmo?”, e você dizer: “Ah?”? Porque você estava disperso e o Pão da palavra caiu no chão. A semente da palavra não caiu no nosso coração, e palavra é Jesus querendo nos dar, derramar sobre nós a Sua misericórdia que nos cura, que nos transforma. Quando nos aproximamos no nosso Estudo bíblico da palavra, quando rezamos com a palavra, isso nos transforma. É a misericórdia agindo e nos transformando e nos recriando. A palavra tem o poder de nos recriar, porque ela foi que criou todas as coisas. “No início era a palavra e por ela tudo foi criado” [3], e Jesus é o Verbo Encarnado que faz novas todas as coisas, inclusive eu e você. Por isto esta palavra de Jesus para Zaqueu, “Zaqueu, desce daí e vem”, é um convite para irmos ao encontro de Jesus para na Sua palavra sermos lavados pela Sua misericórdia.

Como é forte quando fazemos experiências verdadeiras com a palavra. Vou dar um exemplo meu, particularmente. No início da comunidade, nós como até hoje fazemos a 1 hora de Lectio Divina, de rezando com a palavra de Deus, e lembro-me de que era um domingo e fiz minha Lectio com a passagem do Evangelho, a “Dai e dar-se-vos-à, uma medida bem maior e plena”[4]. Era o evangelho do domingo. Aí nós éramos uns três irmãos que morávamos numa casa comunitária, tínhamos tomado a decisão de viver da Providência de Deus, tínhamos pedido às nossas famílias para não nos ajudarem em nada economicamente porque queríamos fazer a experiência do Deus da Providência, e o que acontecia? O ofertório da missa do domingo serviria para a nossa alimentação durante a semana. Todas as pessoas que estavam ali sabiam disso, da partilha em vista da missão. Tinha um padre que estava celebrando conosco e ele era muito generoso. Celebrava todos os domingos conosco e iria fazer uma viagem para Roma e estávamos muito empenhados para comprarmos uma passagem aérea para que ele pudesse ir para essa viagem de renovação espiritual, essa peregrinação. Lembro-me de que na hora da missa, depois de rezar com essa palavra “Dai e dar-se-vos-à”, depois de ouvir o Evangelho, eu olhei para o padre antes do ofertório e pensei: “Oh Senhor, concede a graça desse padre fazer essa peregrinação. Nós já fizemos tudo Jesus, mas ainda não conseguimos comprar a passagem”, e aí Jesus colocou no meu coração assim: “Vocês ainda não fizeram tudo não”, “nós fizemos Jesus! Fizemos aquela campanha, vendemos coisas”, “não. Não fizeram tudo não. Dê o ofertório da missa para o padre para ajudar a comprar a passagem”, “Jesus, o ofertório é o alimento da nossa semana”, e Jesus disse: “Qual é a palavra do Evangelho de hoje mesmo Moysés? Dai e dar-se-vos-à. Está na hora de viver, não é? Confie”. E aquela palavra foi queimando no meu coração, “dai e dar-se-vos-à”, foi queimando. E na hora do ofertório eu me levantei e disse: “Meus queridos irmãos, sejam generosos hoje mais ainda do que vocês são, porque o ofertório de hoje vai para ajudar na compra da passagem do nosso padre que vai em peregrinação para Roma”, e os meus irmãos de casa que estavam assistindo a missa com os olhos “deste tamanho” para mim, não é? “O que ele está fazendo? Enlouqueceu! O que vamos comer na semana inteira?”. Eu me sentei e um deles chegou para mim e disse: “Moysés, você tem certeza?”, e aí eu disse: “Qual é o Evangelho de hoje? “Dai e dar-se-vos-à”, pois então vamos viver o Evangelho”, só que Deus sabe como eu estava por dentro. A coleta foi ótima, conseguimos comprar a passagem do padre, foi festa no domingo, mas na segunda-feira começava a semana.

No café da manhã tudo é bem mais fácil. No almoço pegamos as sobras e fizemos o prato famoso “que sobrou”. No jantar era aquela sopa do “que sobrou”. Eu estava tomando a sopa, via a despensa vazia, cada um olhava para mim, e eu dizia: “Meu Jesus! Dai e dar-se-vos-à. Eu confio na Tua palavra”. Eu estava tomando a sopa e um dos irmãos veio me chamar porque havia uma senhora querendo falar comigo. Eu, na minha arrogância: “Na hora do jantar? Ah meu Deus do céu”, e o irmão disse que ela tinha dito que era urgente. Era uma senhora que eu conhecia e ela disse: “Moysés, sou viúva e estava numa situação um pouco difícil. Meu marido deixou um terreno muito bom para mim e eu não conseguia vende-lo, e aí eu disse: ‘Jesus você diz nas Sagradas Escrituras que você é o defensor dos órfãos e das viúvas. Eu estou nessa situação, o terreno precisa ser vendido e já faz um ano que não consigo. Jesus, seja o meu corretor’. Quando eu disse isso para Jesus, Ele colocou no meu coração: ‘Tá certo, mas você vai dar uma percentagem desse terreno, da corretagem, para os meninos do Shalom’, e eu disse que estava certo. Moysés, eu vendi o terreno hoje”. Ela abriu a bolsa, tirou um bolo de dinheiro e disse: “Está aqui o que o Senhor mandou para vocês”. Eu, assustado, peguei o dinheiro, e ela ainda disse: “Ele mandou dizer que era para a alimentação, viu?”.

Não é história de carochinha não. É a verdade. Vocês acham que eu posso duvidar desta palavra de Deus para o resto da minha vida, sim ou não? Impossível! Porque a misericórdia de Deus veio em meu auxílio, da minha fraqueza, e essa palavra me transformou, e essa palavra transformou-se numa coisa fundamental, existencial para mim: “Dai e dar-se-vos-à!”, e me redimiu da minha avareza, da minha centralização em mim mesmo, me redimiu do meu egoísmo. Sim, a palavra de Deus tem esse poder de nos comunicar com a misericórdia de Deus e nos transformar.

Sair de si mesmo como Zaqueu e ir ao encontro de Jesus na palavra e ir ao encontro de Jesus na Eucaristia. O Sacramentum Caritatis[5]– Sacramento da Caridade, documento da igreja- diz: “A Eucaristia arrasta-nos no ato oblativo de Jesus. Não é só de modo estático que recebemos o Logos encarnado, mas ficamos envolvidos na dinâmica da sua doação. Ele arrasta-nos para dentro de Si. A conversão substancial do pão e do vinho no seu corpo e no seu sangue insere-nos numa espécie de “fissão nuclear””. Vocês sabem o que é fissão nuclear, aquela grande explosão? A Eucaristia é a presença viva de Jesus que nos arrasta para Ele, para nós entrarmos na força da Sua misericórdia e nos transformar. Na Eucaristia Jesus está vivo e nos atrai para Ele. Pela Adoração e pela comunhão Jesus entra e nos atrai, nos tira de nós mesmos e com a força da Sua misericórdia realiza uma coisa que é mais forte do que uma explosão nuclear dentro de nós, que com o fogo do amor divino é capaz de os transformar por inteiro. Quantos testemunhos fortes da ação da misericórdia de Deus que salva! Vou contar um!

Vocês sabem, e se não sabem nós da comunidade Shalom fazemos o Halleluya, que é um evento de evangelização missionário, e lá em Fortaleza esse evento é muito grande. É feito em um condomínio espiritual, em uma área da cidade aonde milhares e milhares de jovens vão para lá, cerca de 200.000 jovens/noite, e são jovens do mundo, que vem do mundo para fazer a sua experiência com Jesus. Os padres ficam confessando a noite e a madrugada inteira e muitos têm a sua experiência forte com Jesus. Aconteceu com um. O padre não era tão próximo da comunidade. Ele estacionou fora do lugar, porque já estava cheio o estacionamento, e este lugar ficava perto de uma favela. Quando ele desceu do carro, já vinha uma gangue de jovens saindo da favela, e aí o padre disse: “Vixe! Estou frito!”, mas ele disse que teve uma inspiração: “Antes que eles façam o mal comigo, eu vou fazer o bem”. Quando eles foram chegando o padre disse: “Boa noite! Vocês estão indo para o Halleluya? Eu vou leva-los para lá! O Halleluya é muito legal, uma festa jovem muito bonita. Ao chegar lá eu pago um sanduíche e um refrigerante para cada um de vocês”. Os jovens tomaram um susto e foram com o padre. Eles entraram, o padre os levou à lanchonete, comprou os lanches e os soltou no meio da multidão, “nossa! Livrei-me!”, e foi para a confissão. Ele estava lá confessando, e as filas são enormes! Quando era umas 2 horas da manhã, ao olhar para a fila da comunhão, ele viu o chefe da gangue, e ele disse: “Senhor, que ele não venha para mim”. O Senhor tem os Seus caminhos, não é? Quando chegou a vez do chefe da gangue, para onde é que ele foi? Para o padre. Sentou lá e disse: “Ah, o senhor é padre? Pois é padre, é porque eu acho que não preciso nem me explicar muito para o senhor. Naquela hora íamos assalta-lo, mas o senhor nos surpreendeu, nos trouxe para cá, e de repente perdemos o senhor de vista. Ficamos por ali e de repente alguém no microfone começou a dizer: ‘Jesus agora vai entrar no meio de nós’. Uma moça aproximou-se de mim e me perguntou se eu não queria ver Jesus. Ela me chamou e fui ver Jesus. Nessa hora começou a vir um carro e a menina disse: ‘Olha, é Jesus!’”.

Vejam bem! O rapaz não sabia nem o que era Santíssimo Sacramento. O rapaz olhou e disse: “Isso daí é Jesus? Ele é assim?”, e aí a menina disse: “Não. Ele se tornou assim para vir para bem perto de ti. Baixe a sua cabeça, feche os seus olhos e fale com Ele”. E o rapaz disse: “Padre, nesse momento eu fechei meus olhos e pela primeira vez a minha vida passou como se fosse um filme diante de mim, e eu pude experimentar um amor, um amor que era maior do que tudo, um amor que eu não sabia nem explicar, mas que enchia o meu coração. Quando terminou aquele momento a menina disse: ‘Você quer se confessar?’, e eu disse: ‘Eu nunca me confessei na minha vida’, e ela começou a me explicar o que era o amor de Deus, o que era a misericórdia de Deus e o que era a confissão, e aí padre, eu estou aqui. Ajude-me padre a me confessar”. Vejam o que a presença Eucarística de Jesus pode fazer na vida de alguém! O padre só me contou essa história seis meses depois. O padre foi o ajudando a se confessar e no final disse: “Você meu filho quer mudar de vida mesmo?”, e o rapaz disse que sim, mas que não conseguia por ele mesmo, e o padre disse que iria ajuda-lo, e ele foi corajoso! Deu o endereço dele na Paróquia, mandou que ele o procurasse na segunda-feira para iniciar um caminho. O padre achava que ele não iria procura-lo, mas na segunda-feira, 07:30 hs da manhã, o menino estava lá. O padre disse que hoje ele é um dos líderes jovens da paróquia dele. Veja o que a misericórdia de deus pode fazer! Aonde abunda o pecado superabunda a graça de Deus[6]! Não há nenhuma situação na minha e na sua vida que não pode ser transformada pela graça de Deus!

O Papa Francisco insiste em dizer que a misericórdia de Deus é tão forte, tão grande que ela tem o poder! Exatamente esse poder de transformar as nossas escuridões mais profundas em uma aurora de luz, e é isso o que Jesus fez na vida de Zaqueu, e é isso que Jesus faz na Eucaristia cada vez que a Adoramos e cada vez que nós a recebemos. Jesus vem para entrar em nós e nos mudar, nos recriar, nos fazer novas criaturas. Eu e você podemos ser uma nova criatura. Deus não desiste nunca de nós, nunca! Deus nunca desistirá de você, nunca! Nunca! O olhar de Deus é de misericórdia e de esperança. Ele pode fazer o impossível na nossa vida!

Jesus vai entrar na Eucaristia daqui a pouco no meio de nós. É esta a misericórdia de Deus que é capaz de nos perdoar, de nos recriar, de nos transformar. Hoje ela quer agir no meu coração e no seu coração. Hoje é o dia da salvação, como Jesus disse para Zaqueu. Hoje, não ontem nem amanhã. Hoje, hoje, hoje é o dia da conversão! Não adie a sua conversão. Não adie porque a sua conversão não é fruto da sua força. A sua conversão não é fruto da sua capacidade. A sua conversão é fruto da graça de Deus. É a graça de Deus que transforma. Deus só deseja o nosso coração sedento, necessitado, humilde, que se humilha diante de Deus e diz: “Senhor eu sou fraco, sou pecador, sou miserável, mas Tu és grande, a Tua misericórdia é eterna! Vem visitar as minhas misérias, as minhas fraquezas, e faz o que eu não consigo fazer com as minhas próprias forças. Vem me perdoar e vem me converter, porque Tu podes, ah Tu podes! Tu podes fazer o que eu não posso!”. Ele pode!

Ele pode nos converter do ressentimento que trazemos dentro do nosso coração e darmos livre curso à misericórdia de Deus, porque todos nós queremos a misericórdia de Deus. Diz um Padre da Igreja, Santo Efrém: “Diante de Deus nós suplicamos ‘misericórdia, Senhor!’, mas diante dos irmãos nós dizemos ‘justiça, Senhor!’”. Usufruindo da misericórdia de Deus, Ele deseja que possamos dar livre curso à misericórdia de Deus para os outros, perdoando os outros, amando os outros, saindo de nós mesmos para servir aos outros.

O Evangelho de hoje está ligado a Jesus que lava os pés dos discípulos. Se nós experimentamos a misericórdia de Deus outra coisa nós não podemos fazer a não ser ofertar, dar a nossa vida para que os outros também possam experimentar essa misericórdia, e este é o caminho da felicidade. Quem quer ser feliz aqui diga eu! Eu também, pois a felicidade é este caminho da misericórdia que nos perdoa, que nos transforma e nos faz instrumentos do perdão e da misericórdia para os outros, doando as nossas vidas para o outro. Você quer ser feliz? Pois não viva para você mesmo. Não viva centralizado sobre você mesmo. Não busque a sua felicidade a qualquer custo. Você quer ser feliz? Pois viva voltado para Deus, recebendo a misericórdia Dele, e viva doado aos outros, dando essa misericórdia para os outros. Jesus disse: “Se compreenderdes isto, sob a condição de praticardes, sereis felizes” [7]. Que nós compreendamos isso, que experimentemos isso, que vivamos isso e sejamos verdadeiramente felizes.

Vamos pedir essa graça a Nosso Senhor? Quem quer viver assim, não viver mais para si mesmo, mas viver para Deus, viver para os outros, nesse caminho de vida ofertada de felicidade? De misericórdia recebida e misericórdia dada? Quem quer viver isso diga eu! Vamos pedir esta graça ao Senhor cantando e rezando juntos:

 

Deus Vai Além

Marcio Todeschini

 

Tantos erros… ainda é tempo de voltar!

Tantas marcas… não se prenda ao que passou!

Há um Deus que te espera, Ele te ama muito além!

 

Além dos teus erros, dos erros dos outros!

Além das escolhas tão erradas…

Além dos limites, dos desequilíbrios,

Muito além de ti, além das diferenças!

 

Deus vai além! Deus vai além! (2x)

 

 

Oração Moysés:

 

Eu sinto que o Senhor deseja hoje nos visitar com a Sua misericórdia através da Eucaristia. Hoje Jesus deseja entrar na nossa casa, ou seja, na nossa intimidade mais profunda, e que nós não tenhamos medo de nos expor a Ele. Sem justificativas de expor as nossas feridas, as nossas dores, os nossos pecados, para usufruirmos da infinitude da Sua misericórdia que cura, que salva e que nos coloca no movimento da Sua misericórdia, que nos faz ter uma espiritualidade Eucarística, espiritualidade de oferta, de doação de vida, porque a vida quando a damos, ela cresce. A misericórdia quando a comunicamos para os outros, ela cresce em nós. Senhor, dai-nos a graça de entrarmos nessa dinâmica Eucarística da misericórdia.

E que na Tua casa Senhor, quem está na porta da Tua casa sempre é a Tua Mãe. Ela é a porteira, e é Ela, Mãe das Misericórdias, Ela mulher Eucarística, Ela que nos ensina a vivermos, a respirarmos e a comunicarmos a Tua misericórdia. Mãe querida, Mãe de misericórdia, cobre-nos com o Teu manto e Nele acolhe todos aqueles que trazemos conosco para que sob o Teu manto nós sejamos transformados em homens e mulheres de misericórdia, misericordiosos como o Pai. Por isso nós juntos rezamos: Ave-Maria…

[1] Marcos 2, 1-12

[2] Isaías 49, 15

[3] João 1,1

[4] Lucas 6, 37-38: “Não julgueis e não sereis julgados; não condeneis e não sereis condenados; perdoai e sereis perdoados; dai, e dar-se-vos-á; boa medida, recalcada, sacudida, transbordante, generosamente vos darão; porque com a medida com que tiverdes medido vos medirão também.”

[5] Parágrafo 11 da Exortação apostólica Pós-Sinodal Sacramentum Caritatis, de sua santidade Bento XVI ao episcopado, ao clero, às pessoas consagradas e aos fiéis leigos sobre a Eucaristia, fonte e ápice da vida e da missão da igreja.

[6] Romanos 5, 5

[7] João 13, 17


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