Formação

Inflamados pelo Espírito de Deus

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Emmir_120516

Alegres e ruidosos, na celebração de alegria da Festa da Messe, ou Colheita, reuniam-se em Jerusalém para apresentarem suas primícias e celebrar a gratidão pela providência de Deus, judeus e homens piedosos de todas as nações. Era, como todos os anos, festa de alegria, ação de graça, primícias e fartura. Tudo isto, no entanto, era mera pantomima em comparação com o que acontecia na “sala de cima”, no Cenáculo.

Lá, descia sobre os apóstolos a Promessa do Pai. Como no início da criação, o Sopro do Pai comunicava-lhes o Espírito, que que lhes fazia todo o ser arder em um batismo de fogo prometido por Jesus. Lá profetizavam como os hebreus em Num 11, eram ungidos como Josué, Davi, Elias e Eliseu, eram cheios de sabedoria como diz Sab 7,7 e Eclo 39,6 e como aconteceu a Jó (32,8ss). Lá, recebiam, como colaboradores do Rei Messiânico, o ministério e o poder para anunciar a Boa-Nova e estendia-se a eles a graça de Is 11. Lá eram ungidos com a graça da entrega e obediência que faria deles participantes do mistério do Servo de Javé, como em Is 42.

Na “sala de cima”, os apóstolos dançavam como loucos, assim como louco dançara Davi diante da Arca, assim como dançaram os profetas quando eram “tomados” pelo Espírito de Deus. Lá, derramavam seus corações diante de seu Deus como Ana, mãe de Samuel, como o salmista sedento de Deus, como os profetas que oravam e profetizavam “em línguas”, felizes pelo Espírito que lhes vinha em auxílio para expressarem o amor que lhes arrebentava o coração.

Naquele prédio, que aos olhos dos “homens piedosos” que olhavam de fora, era tomado por um terremoto, acontecia algo que ultrapassa em força e poder a Terra rachada ao meio: era comunicada aos apóstolos a Pessoa e o poder que lhes faria anunciar a Boa-Nova aos pobres, curar os quebrantados de coração, proclamar a liberdade aos cativos, a libertação aos que estão presos, consolar os enlutados e dar-lhes o óleo da alegria em lugar de luto, uma veste festiva em lugar de um espírito abalado (Is 61). O Senhor lhes falaria através de visões e sonhos proféticos, como prometera Joel (3) e como fizera a José esposo de Maria, lhes comunicaria sua vontade através de palavras de sabedoria como fizera a Natan, Davi, Ezequias, Salomão, lhes revelaria os segredos dos corações com palavras de ciência como fizera a Natan e Eli e lhes daria o discernimento de Sua Vontade como acontecera a Jeremias, Amos, Oséias, Davi, Maria, José. E, além da pregação com o poder, libertação, conselho, profecias, sabedoria, ciência, discernimento, ungia-os para a cura que lhes faria, em nome de Jesus, devolver a vida a Enéas, como Elias a devolvera ao filho da viúva síria, e lhes dava a fé como a de Moisés, de Abraão, de Jó, dos profetas.

Quem não estaria “bêbedo” de alegria? Quem não estaria embriagado deste mergulho no poder de Deus?

Isto, porém, não era tudo. A Pessoa do Espírito Santo, o “educador das almas” vinha em resposta à oração de Davi no Salmo 51 e criava neles “um coração puro”, renovava em seu peito “um espírito firme” e enchia-lhes do “júbilo da salvação”. Sustentava-lhes com um “espírito generoso” e “abria-Ihes os lábios” para anunciar o seu louvor, “aclamar sua justiça”, “ensinar seus caminhos”. Era o cumprimento de Ezequiel 36, e o Senhor lhes “arrancava do peito o coração de pedra”, “metia-lhes em seu íntimo seu Espírito” que os faria “andar segundo seus estatutos” e conhecê-lo como “seu Deus”, pessoalmente, intimamente.

Havia, porém, ainda mais, sim, ainda mais! Cumpria-se o que Deus dissera a Jeremias, naquele dia das Colheitas e celebração da Antiga Aliança. Uma nova, profunda aliança, conquistada na cruz, pelo sangue de Jesus e por sua ressurreição, era-lhes agora posta “no seu seio e escrita em seu coração”. Agora, aqueles loucos e “como embriagados”, tontos do Espírito de Deus, Nele e por Ele, “conheciam a lahweh”, a Porta e o Paráclito revelavam aos pescadores de homens a intimidade do coração de Deus. Estavam abertas as portas da oração profunda, íntima, contemplativa, onde o homem, extasiado diante da beleza de Seu Deus, pode exclamar “como és belo, meu amado, e que doçura!”, “A voz do meu amado! Ei-lo!”, “Sua mão está sobre minha cabeça e sua direita me abraça”, “seus braços são torneados em ouro, ele todo é uma delícia”, “sou do meu amado, e meu amado é meu” (Ct). Estavam abertas as portas onde o homem contemplaria em seu esplendor “o Primeiro e o Último, o Vivente, que tem as chaves da Morte e do Hades”, cujo peito é “cingido de ouro”, cujos olhos cheios de amor “são como uma chama de fogo” e cuja presença ilumina Sião que já não precisa da luz do sol (Ap).

Cheios do Espírito, nele renascidos como Nicodemos não conseguira entender, cheios de seu Poder, com sua Santa Vontade gravada em seu novo coração, embriagados de amor íntimo expresso em palavras loucas, cânticos e danças, desvairados, os apóstolos transbordavam de alegria pascal. Mas, incrível, não era ainda tudo!

A Promessa do Pai estendia-se a mais, muito mais, e a outros, muitos, muitos outros, pois, também ali, cumpria-se o que Jeremias profetizara: porque e quando colocar minha lei em seu seio e escrevê-la em seu coração, “serei seu Deus e eles serão meu povo” (31), e “eles serão meu povo e eu serei o seu Deus. Eu lhes darei um coração único e um caminho único para que me temam, todos os dias, para o seu bem e o de seus filhos, depois deles…” e “não deixarei de segui-los para fazer-lhes o bem: colocarei o meu temor em seu coração, para que não se afastem mais de mim” (Jer 32). Sim! A Promessa do Pai, o Espírito Unificador, o espírito de Amor, de Concórdia, de Mansidão, Bondade e Paz, ia além do coração renovado e cheio de fé, fortaleza e temor de Deus; ultrapassava o novo coração apaixonado e cheio de sabedoria e inteligência: Ele formava, pela lei do amor que lhes queimava o coração, em atendimento à oração de Jesus para que todos fossem um, um povo novo, cheio do Espírito de Deus, que perseveraria na oração, na Palavra e na partilha do Pão e seria testemunho de amor, a Comunidade.

Não transbordariam os apóstolos de alegria pascal? Não seria, agora bem mais que no lago de Tiberíades a comer peixe com Jesus, não seria agora bem maior sua alegria? Deus, o Deus Vivo, o Pai revelado pelo Mestre, cumprira sua promessa milenar. Jesus, seu Rabbuni cumprira sua promessa e não os deixara sós. Estaria realmente com eles todos os dias até o final dos tempos. Revelava e revelaria o que agora seus corações estavam prontos para compreender. Agora, segundo Sua Palavra, conheciam e viam o Paráclito, o Espírito da Verdade que o mundo pode acolher, e Ele permanecia com eles para sempre. Sim! A Promessa os enchia, e eles não estavam órfãos, porque Jesus vive e os fez templos do Espírito. Agora compreendiam que Ele estava no Pai, eles em Jesus e Jesus neles, pois o Espírito que O fazia um com o Pai estava neles. Não havia o que temer, não havia como perturbar-se ou intimidar-se o coração dos apóstolos, e eles mergulharam, como em um abismo sem fim, no Amor do Pai e do Filho, e experimentaram a Paz!

Alegria pascal! Jesus Vivo em nós e entre nós, pelo Espírito em Pentecostes. Alegria pascal! Alegria de ser mergulhado em Deus e Nele, e por Ele, por Seu Espírito, poder amá-lo e amar. Alegria pascal que Pentecostes atualiza, realiza, concretiza. Alegria que faz testemunhas, que gera mártires, que converte, cura, ressuscita, consola, liberta, constrói, porque o Espírito que os enche testemunha que Jesus está vivo e é Senhor, e nos deu nosso Abba!

Como não sair à rua e gritar a todo aquele povo? Como não ficar fora de si como embriagados? Como não deixar todo o ser, o corpo, a alma, o espírito, expressarem esta alegria estonteante? Como não submergir, perdendo-se neste Deus que os refaz? Como não converteria Pedro com um discurso mais de três mil pessoas? Como não andariam os coxos? Como não enfrentariam o Sinédrio e todas as perseguições? Como não morreriam mártires, transbordando de alegria pascal porque Jesus vive? Como não expressar na vida, na oração, na liturgia, no serviço, o poder de Jesus Vivo, a alegria pascal?

Se você ouvisse Pedro agora, falando em bom português e embriagado pela presença Viva do Senhor, olhando em seus olhos a sorrir, segurando-o pelos braços, afetuoso, dizendo: “Você recebeu este mesmo Espírito em seu Batismo. Você é o templo onde Ele escolheu habitar. Ele deseja iluminar o seu ‘coração para que você saiba qual é a esperança que seu chamado encerra, qual é a riqueza da glória da sua herança entre os santos e qual é a extraordinária grandeza do seu poder (…) que fez operar na ressurreição de Cristo’ (Ef 1). Fez em você o que fez conosco e quer que você saiba e assuma esta realidade do seu Batismo”. Você exultaria, transbordaria de alegria pascal?

Saiba, muitos exultam. Muitos transbordam de alegria pascal porque desejaram de coração viver o seu Batismo e assumir e aceitar Jesus Vivo e Senhor, porque acreditaram na Palavra de Jesus e, em Seu Nome, clamaram ao Pai que enviasse sobre eles Seu Espírito e os fizesse renascer. E, claro, a Palavra se cumpriu e a Promessa desde o Antigo Testamento vem educando e dirigindo o Povo de Deus a partir de Pentecostes, enche e move não somente homens escolhidos como os profetas, e patriarcas, mas todo um povo, o povo da Nova Aliança que vive sob o Espírito e tem a Vontade de Deus gravada em seu coração.

Sim! Nesta “era do Espírito Santo” que hoje vivemos em resposta à oração de João XXIII ao abrir o Concílio Vaticano II, Deus forma um povo que sabe que, como Corpo, possui “a plenitude daquele que tudo plenifica”, Cristo Jesus Vivo (Ef 1). Deus forma um povo cheio do Espírito que aceita o desafio de mergulhar na intimidade de Seu Coração pela oração profunda, que ousa em seu nome curar os enfermos, louvá-lo em novas línguas, corrigir e consolar usando sua ciência, sabedoria e discernimento, libertar os cativos, pregar e testemunhar com poder e destemor, buscar a vida em comunidades cristãs que até o sangue buscam amar e servir.

Este povo, que experimenta a fartura da “Água viva” que brota, pelo Espírito Santo de seus corações, é o povo novo, pecador e infiel como o homem é, mas conta com novo poder para suplantar o pecado e a fraqueza, pois sabe que não luta com armas da carne, mas do Espírito.

Este povo, renovado em seu primeiro amor, anuncia Jesus Vivo e testemunha o transbordamento da alegria pascal em Pentecostes e hoje. Sim! Este povo vive não só um novo Pentecostes, pois este nunca envelheceu na Igreja em seus santos, mas vive uma “graça única na Igreja, um novo derramar do Espírito de Deus” que, pelo testemunho, por lutar loucamente a fim de não perder esta graça e não “entristecer ou extinguir o Espírito”, prepara a volta de Jesus.

Paulo afirma que a “criação espera ansiosamente a manifestação dos filhos de Deus” e que os filhos de Deus “são todos os que são conduzidos pelo Espírito de Deus” (Rm 8) e Pedro nos convida a “esperar e apressar a vinda do Dia de Deus” (2 Pd). Nesta graça única do derramamento do Espírito hoje como em Pentecostes, com seus carismas e fogo, o Senhor deseja que preparemos a sua Vinda com sinais e prodígios e não podemos e nem devemos temer, pois, filhos de Deus que somos, conduzidos pelo Espírito, não podemos “recair no temor”, pois é “o Espírito que se une ao nosso espírito para testemunhar que somos filhos de Deus” (Rm 8).

Manter viva a chama do Espírito que nos foi dada em Pentecostes, deixar-nos queimar pelo Poder do Espírito que nos foi dado no Batismo e na Crisma, suplicar o Espírito Santo em nossas vidas, exercer com destemor os carismas que nos foram dados, buscar a oração, o amor, a santidade, a caridade perfeita aos moldes de Coríntios, ouvir o Senhor que nos fala em profecia, em ciência, em sabedoria, ser dóceis ao Espírito que em nós clama “Abba” e “Jesus é Senhor”, estar dispostos ao sofrimento e perseguição pelo nome de Jesus, amá-lo corajosamente e acima de tudo, isto é transbordar, hoje, de alegria pascal.

Talvez nos acusem de embriaguez ou fanatismo, mas, que importa? Transbordemos, com nossa vida, com nossas línguas, com nossos corpos, a alegria pascal. Testemunhemos que Jesus está Vivo e age poderosamente. Preparemo-nos e deixemos que o Senhor nos utilize para obra que Ele hoje faz, derramando Seu Espírito sobre todo o povo. Sejamos, com júbilo, o “povo do Senhor”, e que Ele seja “o nosso Deus”, pessoal e comunitário íntimo e escatológico.

Sim! Exultemos, transbordemos hoje de alegria pascal, sem medo, porque Jesus está entre nós e cumpre hoje, de maneira especial e única, a promessa que o Pai fizera a todo um povo e derrama sem medida o Seu Espírito para que nós, tal noiva ansiosa espectante, com a alegria pascal que enchia os apóstolos enquanto aguardavam a Promessa do Pai, esperemos e anunciemos, preparemos e aguardemos, vigilantes, a volta do Noivo.

Sim! É assim que transbordamos de alegria pascal, enquanto esperamos e apressamos sua vinda! Maranata! Maranata! Vem, Jesus!

Maria Emmir Oquendo Nogueira

Cofundadora da Comunidade Católica Shalom

em “Entrelinhas” da Revista Shalom Maná
TT @emmiroquendo
Facebook/ mariaemmirnogueira
Coluna da Emmir – comshalom.org


Comentários

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  1. Fantástico! Que visão!

    Maranata! Vem, Senhor Jesus!

    Nosso coração rejubila de alegria e gratidão, porque olhastes para a pequenez de seus servos, e os engrandecestes com o dom de seu Espírito!