A missa mal começou e já se ouve o primeiro celular tocando. Felizmente, era somente o bipe de uma mensagem (um som mais curto do que o de uma chamada). De qualquer forma, como que num ato ensaiado, boa parte dos devotos participantes procura o próprio aparelho: uns no bolso, outras na bolsa. O objetivo é piedosamente controlar se ele está no modo silencioso, já que os donos já estão. Ainda assim, no momento em que o sacerdote dava a absolvição, a temida chamada aconteceu. O destinatário discretamente saiu sussurrando seu “alô”, enquanto os penitentes cantavam escandalizados: “Senhor, piedade!”
Chegado o momento das leituras, algo novo acontece: vários participantes tomam novamente seus aparelhos, desta vez para acompanhar a liturgia. Inicia-se então uma batalha cruel entre o que está sendo lido no microfone e as notificações de mensagens que aparecem repetidamente. Algumas pessoas sucumbem pela curiosidade, outras por uma inexplicável implicância com mensagens não lidas. De qualquer forma, os dedos deslizam nas telas durante aquele raro momento em que os celulares voltam a ganhar a atenção de seus usuários.
O leitor diz: “Naquele tempo, Deus chamou Abraão…” Imediatamente, outro telefone toca. Não era Deus chamando Abraão, mas um senhor de barba que distraidamente esquecera de desligar seu celular. Este, porém, mais piedoso, olhou o remetente e não atendeu. Ainda assim, não pode deixar de enviar uma mensagem instantânea para avisar: “Estou ocupado, por isso não atendi sua chamada, mas logo que puder retorno, ok?” Poucos segundos depois, o mesmo senhor de barba, retoma o celular: era a resposta à mensagem.
Na homilia, enquanto o padre comentava o evangelho do dia, algumas pessoas retomavam seus aparelhos. Era o momento de responder às notificações que apareceram na primeira parte da missa. Quem não havia recebido nenhuma notificação, acabou também consultando seu aparelho a fim de verificar se o 3G estava ativo.
Nas missas, acontece algo surpreendente! Há uma estranha semelhança entre os celulares e as crianças: são nos momentos de silêncio absoluto da missa que eles resolvem fazer barulho. É o caso da consagração. Talvez aqueles que mais tem nossa atenção diária se sintam esquecidos durante o silêncio. Refiro-me aos celulares. As crianças, por sua vez, veem estes pequenos aparelhos de comunicação como um irmão caçula que merece mais a atenção dos pais.
Antes da bênção final, no momento dos avisos paroquiais, o padre tomou a palavra:
– Irmãos e irmãs, com alegria comunico que, a partir do próximo domingo, nossa Paróquia estará disponibilizando um sinal wifi.
Curiosamente, a atenção de todos voltou-se para o ambão. Até um adolescente que manipulava seu celular parou e, tirando seus óculos escuros, contemplou o sacerdote como quem via o próprio Cristo, enquanto o padre continuava:
– Será uma oportunidade para que todos sigam meu perfil no facebook e curtam minhas pobres postagens.
Alguns risos surgiram em meio aos comentários positivos (ou curtidas) dos futuros seguidores.
– Além disso, não sei se todos já sabem: o Facebook agora disponibiliza uma opção de streaming!
– Ohhhhh! – responde a assembleia em uníssono, iniciando um caloroso aplauso, impressionada com o conhecimento do padre e feliz com a boa nova.
– “Streaming”, para quem não sabe, são transmissões ao vivo. – esclarece o padre.
– Ahhhhh! – responderam algumas senhoras.
– Desta forma, gostaria que todos trouxessem seus aparelhos para a missa, pois nós a transmitiremos ao vivo!
Mais um aplauso irrompeu da assembleia já encantada com o que ouvia.
– Sabia que vocês iriam gostar! Agora sim, todos poderão acompanhar atentamente as leituras, a homilia e até mesmo marcar seus amigos presentes na celebração.
Um grande silêncio tomou conta da assembleia: haviam compreendido que aquela boa nova trazia responsabilidades comprometedoras. O padre concluiu:
– Desde já, todos os irmãos dizimistas poderão cadastrar seus aparelhos junto à Pastoral do Dízimo que se encontra na saída da igreja, próximo a pia batismal, e ter acesso a este abençoado serviço que alcançará também as almas mais distantes.
Inclinando-se, todos receberam aquela benção final mais piedosamente do que nunca. Naquele dia, a paróquia ganhou mais dizimistas do que em todo o ano anterior! O padre transformou seus paroquianos em seguidores e, através de seu perfil, duplicou o número de assinantes do livrinho da liturgia diária. Um motivo a menos para olhar o celular! 😉