Desconfio que seja em mim, representando a nós, que eu deva buscar entender por que o pobre não manifesta somente a pobreza da situação em que vive, mas denuncia a miséria da minha humanidade.
Há um homem na rua. A rua é sua casa, seu espaço, sua segurança e devaneios. Em um instante, miro seu rosto e sinto medo – usuário de crack? Alcoólatra? Foragido da polícia? Por que dorme nas ruas? Por que caminha descalço? Onde está sua família? Ele não tem amigos?
Há um homem na rua. Se não houvesse um sujeito, não haveria o significado. Não me indagaria sobre o que, afinal de contas, lhe aconteceu. Mas há, ali, um homem. E esse seu existir em meio ao nada causa conflito, gera mal estar – em mim. Ele parece à vontade.
Em boa parte das vezes, não o vejo. Exigiria o esforço de me justificar com histórias que, sei, não me convencem. Não o enxergo para que seus olhos não me desnudem ou desconstruam meus castelos de segurança, fazendo lembrar que, no fim, somos iguais.
Há um homem na rua. E seu nome é João. João ama a sua família. Durante toda a sua história, era ela o sentido da sua vida, o brilho dos olhos, a razão de existir. João nunca mais voltou para casa. Não depois que sua esposa e seus filhos sofreram aquele acidente de carro.
Há um homem que bebe. Há um homem que sofre. Há um homem que perdeu seu propósito.
A quem amar?
Por que causa lutar?
Todos nós somos potenciais alcoólatras.
Quando se caminha pelas ruas de São Paulo e se dispõe a escutar as ruas, enxergamos um mundo invisível. Há advogados entre os moradores de rua. Há engenheiro, contador, e, pasmem, tem psicólogos também. Tem aquele que vivia pela família, e perdeu a família. Ou quem vivia por um amor, e o amor morreu. Tem, ainda, os desempregados. Mas esses homens – que aqui denominamos “o pobre” – não está na rua porque perdeu um emprego. Está na rua, no vazio, no escuro, porque perdeu o sentido.
Quem colocava o sentido da vida em sua carreira profissional, agora está perdido não exatamente, ou não só, porque está sem trabalho, mas porque acreditou que seu valor, que sua dignidade, estava em sua atividade profissional. E quem é você, quando não está sendo o seu emprego?
Todos sentem fome – fome de gente. De humanidade. Proximidade e afetividade que levam a um porquê. Não é assim? Vez ou outra na vida a gente se depara com aquela fome de alguém que nos faça recordar quem somos quando nos esquecemos por aí.
Mas quem está disposto a escutar?
Recordo Clarice Lispector: “ …eu sou o outro…eu quero ser o outro. Essa justiça que vela meu sono, eu a repudio, humilhada por precisar dela. Enquanto isso durmo e falsamente me salvo. Nós, os sonsos essenciais.”
A gente se faz de sonso para não escutar as vozes que gritam. A gente se faz de sonso enquanto pensa ser livre, seguindo aprisionado dentro desse silêncio que ensurdece.
Dia Dos Pobres
Nesse domingo, dia 19, é celebrado o Dia dos Pobres e a Comunidade Católica Shalom, que tem como santo baluarte São Francisco de Assis e diferentes projetos sociais em todo o país, realiza na missão São Paulo a Semana do Pobre, dedicada à evangelização e ao acolhimento. No sábado, realiza um jantar especial aos irmãos que se encontram em necessidade, com solidariedade e ajuda concreta.
O Evangelho nos pede que “não amemos com palavras, mas com obras e com verdade”. É tempo de reflexão sobre o constrangimento da injustiça social e, sobretudo, da indiferença que invade nossas vidas falsamente protegidas. É tempo de recordar aos irmãos pobres quem eles são – quem somos nós – à luz de Deus. Através do Amor.