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“Diga a ela que eu não sou ladrão, não”

“Bora, passa todo o dinheiro que tiver aí, rápido, rápido!!!”

comshalom
Foto: Unsplash

Certo dia, pela manhã, eu resolvi acordar mais cedo – coisa que, para mim, é bem penosa – determinada a ir à missa das 7h num mosteiro próximo a minha casa.

Naquele dia, eu estava particularmente inspirada a assistir àquela missa como se fosse a primeira grande experiência com a Santa Missa e a Eucaristia.

Estacionei quase em frente ao mosteiro e desci do carro. Logo veio atravessando a rua, em minha direção, um homem mal vestido, todo sujo, andar meio cambaleante e falando enrolado. Ele dizia algo e fazia gestos de tom imperativo. Suspeitei que fosse um vigia de carros, avisando que ia vigiar meu carro. Porém, meu coração acelerou quando percebi que ele se aproximava e era mais enfático: “passa tudo que tiver aí, agora!!”.

Compreendi que, de fato, era um assalto. Ele falava com dificuldade e exalava um terrível hálito de cachaça. Percebi que não estava consciente e não portava nenhum tipo de arma, e me aproveitei de sua suposta situação de fragilidade. Meu coração, de repente, se compadeceu daquele pobre homem desnorteado. Fiz-me de desentendida, falei que não compreendia nada do que ele estava me pedindo e ele começou a ficar confuso, talvez se perguntando se realmente estava falando coisa com coisa. Óbvio que ele tinha conhecimento de sua própria condição. De repente nos vimos os dois confusos, sem ação, e ele arriscou uma atitude mais enérgica. “Bora, passa todo o dinheiro que tiver aí, rápido, rápido!!!”. Nervosa e surpresa com tudo aquilo, fui sincera e falei: “Eu não tenho dinheiro, moço! Só tenho esse celular!”. Ele pegou, viu que se tratava de um Iphone e disse: “Isso aqui é bananinha, é rastreado, presta não!” E me devolveu ainda mais irritado e insistia para eu dar o dinheiro que eu não tinha. Falei com mais firmeza e já irritada: “Eu não tenho dinheiro, mas se você deixar eu vou em casa buscar!” Ele ficou estupefato com a minha audácia e disse “Na sua casa?! E onde você mora?” Respondi, quase esperançosa: “Aqui pertinho”. Ele me olhou, buscando sinceridade no meu olhar e minhas palavras. Pensei por alguns segundos que se ele deixasse, seria a oportunidade perfeita para eu sumir dali, me livrar daquela terrível situação. Sentia-me encurralada, mas tinha esse fio de esperança e me agarrei nele. O homem desatou a gritar comigo, como se sentisse ludibriado: “Tu pensa que eu não sei que tu quer trazer mais gente? Eu vou espocar tudinho!”. E fazia gestos ameaçadores com a arma imaginária na mão.

Eu experimentava um misto de terror e compaixão que jamais saberia descrever. Parecia um filme desses de tragicomédia. De repente senti vontade de perguntar seu nome, e o fiz. Ele respondeu em tom ameaçador: “O diabo!”. Nesse momento, eu o fitei nos olhos e um profundo silêncio se fez entre nós. Eu disse a ele, com muito amor, como se fala a uma criança: “Não é, não. E Jesus ama muito você e inclusive você tem até um anjo da guarda”. Não sei por que falei isso, mas foi isso que saiu naquele momento, o que pareceu tocar o coração dele. Ele tirou o olhar do meu, como que arrependido do que disse e confessou: “É Josué meu nome”.  Em seguida, atentei para o cântico de entrada da missa, fiquei aflita por estar perdendo e arrisquei: “Vamos assistir a missa comigo?” Falei em um tom de ‘esquece essa história boba de assalto’ e ele prontamente respondeu: “Não! Mas se você puder trazer pelo menos uma merenda pra mim…e vinte reais, já ajuda.” Naquele momento eu vi claramente que Deus o tinha feito desistir de tudo que vinha tentando fazer contra mim. Agarrei a oportunidade e sugeri: “Posso ir lá em casa buscar! Você confia em mim?” Ele retrucou: “E VOCÊ, confia em mim?” Eu disse “ Confio” e ele puxou meu celular, dizendo que ia ficar com ele até eu voltar, como uma espécie de garantia. Em seguida, ameaçou dizendo que se eu trouxesse mais alguém comigo que ia nos matar. “Vou espocar!”, repetia freneticamente. Parei, fitei-o novamente, desta vez querendo persuadi-lo e disse: “Josué, olhe pra mim!”. Ele olhou e eu falei: “Confie em mim”. Ele deu o sinal verde e fui.

Chegando em casa, atordoada, me ajoelhei aos pés do Menino Jesus no presépio e supliquei que Ele e a Virgem Maria me dissessem o que fazer. Era perigoso demais eu voltar, mas senti compaixão de deixá-lo com fome, e de ter dado minha palavra a ele, o enganando. Por outro lado, me aterrorizava a hipótese de retornar lá. O que ele poderia fazer contra mim? E se tivesse levado outros para ajudá-lo. Em meio a isto, minha irmã acordou, contei tudo a ela, preparei uma sacola com alimentos, os 20 reais que Josué pediu e pedi: “Irmã, se em dez minutos eu não voltar, chame a polícia”. Ela estava sem ação. E eu fui, tomada de coragem, confiante de que Jesus, Nossa Senhora e meu Anjo da Guarda estavam comigo.

Chegando lá, nada de Josué, apenas um carro de polícia parado em frente ao mosteiro onde ele me surpreendera para o assalto. Senti alívio e pena. Fui até lá e perguntei se haviam prendido o rapaz. Eu queria entregar o que ele me pedira. Porém, os policiais estavam ali para avisar a uma pessoa que seu filho acabara de sofrer um terrível acidente de carro. O Tenente, preocupado, me deu seu telefone e pediu que eu rastreasse meu celular para ele ir buscá-lo comigo. Fui embora, frustrada e amedrontada. Teria Josué imaginado que eu chamara a polícia e fugiu? Não estará, agora, planejando uma vingança contra mim? De repente lembrei-me de minha oração aos pés do Menino Jesus e à Virgem Maria. Eles haviam me ouvido. Confiei a eles meus temores, fui pra casa e resolvi ligar para meu celular, ainda na esperança de Josué atender. Uma vozinha doce de mulher atendeu. Era uma freira. Ela disse que meu celular estava no mosteiro, que um rapaz passou lá ao final da missa, entregara o celular nas mãos de um ministro da eucaristia, dizendo que uma moça o deixou cair lá fora, e pediu para me dar um recado: “Diga a ela que eu não sou ladrão, não.” E foi embora.

Até hoje não sei o que pode ter acontecido. Se ele chegou sequer a ver a polícia ou fora embora arrependido. Uma coisa é certa: Deus tocou seu coração.

Por isso, devemos sempre deixar Deus agir em nosso lugar. Confiar nossa vida a Ele em total abandono, inclusive diante de situações que não podemos controlar. Deus está sempre conosco e ama a todos os seus filhos, mesmo quando um deles está assaltando e ameaçando os outros de morte. Ele quer manifestar o seu amor. Óbvio que não iremos sempre nos arriscar como me arrisquei. E nem sei até que ponto fui realmente eu a agir daquela forma ou o próprio Espírito Santo, mas Deus teve seus propósitos e não cabe a nós contestarmos.

Eu quis saber que fim teria esse propósito de Deus e se Ele conseguirá completá-lo. Portanto pedi à Virgem Maria que fizesse uma obra de conversão na vida daquele homem e que me desse a graça de topar com ele novamente para que ele possa testemunhar esta obra divina para mim. Até agora não obtive notícias de Josué. Mas, prometo no dia em que isto acontecer – e eu sei que vai – venho correndo contar a vocês para que possam testemunhar para a honra e glória de Nosso Senhor Jesus Cristo. Combinado?

“Por isso, a criação aguarda ansiosamente a manifestação dos filhos de Deus.” (Romanos 8,19)

Laura Machado


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