Pouca luz, o dia vai terminando, a noite se aproxima rapidamente, se faz necessário contar. Contam-se os feitos, os ganhos, os atos, os lucros. De um lado: um homem e seus quatro assistentes contam o apurado. Roupas finas, calçados caros, interesses de poder e aparentes amizades. Todos por perto, todos focados na meta a ser alcançada e com o desejo de possuir cada vez mais. A ordem é: “se for preciso roubem”. Quase sempre era preciso devido a urgência de se ter sempre mais…
Nesta cena comum do dia a dia observa-se: uma mesa, olhos fixos no dinheiro, impostos lucrativos e um coração insaciável.
Não era costume interromper este momento tão importante. Mas do outro lado alguém entra na sala. Alguém descalço, aparentando ser um homem comum, com roupas comuns, alguém possuidor de um olhar seguro como quem sabe por onde se deve caminhar. Este alguém de pé faz gestos simples com a mão, e que de tão simples pode ser imitado pelo seu companheiro de viagem bem ao seu lado. A mão que aponta não condena mas indica algo, como se sussurrasse um importante segredo: “Onde está o teu tesouro está também o teu coração”, por isso venha comigo. Venha depressa!
Esta obra prima de Caravaggio, datada de 1600, afora sua genialidade em mostrar o contraste entre a luz e a sobra, tão fiel as regras da perspectiva e da técnica, nos mostra, sobretudo, algo a mais. Esta obra possui segredos. Nos mostra Mateus à mesa… e nos faz uma primeira pergunta pertinente. Onde está a nossa segurança? No trabalho, nos bens, nos fatos, nas pessoas? Onde enterramos o nosso coração? Onde está o nosso precioso tesouro? Uma pergunta que só pode ser respondida quando compreendida a grande diferença entre ter e ser!
Toda obra de arte nos fala pelas entrelinhas. E o que impressiona neste quadro de Caravaggio é: primeiramente Jesus representado jovem, maduro, corajoso e de pé! Mas os pés voltados para o percurso contrário significando a conversão, como quem diz: “segue-me” e prontamente se colocando a caminho. E em segundo lugar, impressiona a sutileza do pintor em nos deixar escolher quem é Mateus nesta mesa. Pois existe, neste quadro, se percebermos com atenção, um terceiro personagem que direciona todo o entendimento: a luz que entra na sala em diagonal sobre a cabeça de Jesus e transpassa a cena a procura Mateus à mesa.
Mas quem é Mateus? O homem de barba olhando para Jesus ou o jovem focado em falsas seguranças sentado bem à frente do Senhor de pé que o chama? Mateus seria o homem de barba e chapéu que gesticula com a mão como se perguntasse “quem eu, você chama a mim?” Ou o jovem com as mãos ocupadas com um outro senhor chamado dinheiro?
Onde você enxerga Mateus? …
Para mim, Mateus é este jovem rico de roupas finas, submerso no desejo de ter mais, insaciável, pego em flagrante, porém fitado com um amor incondicional por Jesus que faz um convite: o de largar a escuridão das falsas seguranças para experimentar a beleza da verdadeira vida pela via da misericórdia. Enquanto ao senhor de barba sentado ao lado? Ele será um dia evangelizado pelo novo jovem Mateus alcançado pela luz que dissipa toda escuridão!
Eduardo Bezerra – Comunidade de Aliança