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Saiba o que impulsionou um ex-morador de rua a mudar de vida

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Helder Marques   Foto: Wallace Freitas

Que a trajetória do mineiro Helder Marques, morador do Albergue São Francisco, em Fortaleza, é exemplo de determinação e superação está mais do que atestado. Sua história tem sido veiculada na grande mídia desde o início desta semana. Ex-morador das ruas da capital, ele acaba de passar em 4º lugar no Enem, para o curso de Economia da Universidade Federal do Ceará. Saiba mais sobre esta história e conheça o que o impulsionou a alcançar o objetivo.

O Albergue São Francisco acolhe moradores de rua e é mantido pela Comunidade Católica Shalom, em Fortaleza. O objetivo da instituição é evangelizá-los, oferecer-lhes alimento e abrigo, tratamento, profissionalização e reinserção social.

– Como foi a chegada na casa?

Quando eu ingressei, vinha de uma situação de rua, né? Estava com fome… Cheguei aqui, recebi alimentação, material de higiene, uma cama pra dormir. Mas o mais interessante é que todo o material que eu recebi não foi tão importante assim, mas foi o lado espiritual, porque eu estava afastado de Deus há muito tempo. Há muito tempo eu não fazia uma oração, não rezava e a casa me proporcionou ter esse resgate tanto da minha dignidade quanto da minha intimidade com Deus.
E hoje aqui, com meus irmãos, a gente tem os grupos de oração que vem aqui, são pessoas que fazem a evangelização. Eu trabalho também temporariamente no Shalom da Parangaba, em um ambiente onde vejo as pessoas mudarem. Com isso, eu me torno cada vez mais forte, quando eu vejo as pessoas ali em reunião, em oração, eu as vejo conquistando um tesouro lá no céu.

– Uma mudança espiritual é a mesma coisa que uma mudança humana?

A mudança humana vem junto com a mudança espiritual, porque quando você está em oração, quando você pede a Deus algo, um milagre na sua vida… Até então, quando eu estava lá fora, eu estava desesperado, preocupado com o que eu ia comer no dia seguinte. Deus faz com que você venha pra uma casa pra ser resgatado, não somente em se falando de coisas materiais. O material é importante, porque é o básico, mas o espiritual vai fazer com que você tenha força maior pra continuar a cada dia melhorando. Aí, você consegue superar todas as dificuldades com o Amor de Deus.

Na verdade, esse tempo de mudança deve ser constante, porque nós, seres humanos, necessitamos nos alimentar espiritualmente a cada momento. Nunca vamos conseguir ser cem por cento, porque somos falhos. Eu peço a Deus sabedoria e discernimento, que Ele que fosse guiando os meus caminhos. Então, o que tá acontecendo hoje, não fui eu quem quis somente, mas foi ali, no dia-a-dia, o que senti no coração que devia fazer: permanecer estudando, não olhar a dificuldade, o cansaço, a preguiça. E hoje eu estou vendo o resultado. Quando a gente planta, a gente vai colher. E eu sei que é só o começo.

– Quais são os seus planos? Você deseja sair do Albergue?

Na verdade é muito fácil falar do “eu quero”. Mas o “eu quero” vem em segundo plano. Hoje eu olho mais para os meus irmãos. Existe pessoas que tem tudo na vida, os melhores computadores, os melhores professores. A gente sente que é exemplo não para si mesmo, mas para pessoas que estão na mesma situação em que eu me encontrava. Aí, você acorda, passa um filme na sua cabeça de tudo o que aconteceu em 2013 e vê que valeu a pena tudo. Hoje eu vejo os meus irmãos aqui, falando de terminar o Ensino Médio, outro de aprender a ler. Infelizmente, a educação no Brasil não condiz com a riqueza que temos. Somos a 7ª economia do mundo, mas a gente vê governantes que não estão nem aí para o investimento, professores que não ganham suficientemente bem para exercer a profissão. Então, nós brasileiros, nós aqui do albergue, moradores ou estudantes, precisamos pensar não somente em nós mesmos, mas no povo.

Eu tenho a esperança de conseguir alojamento na universidade, entrar na vida acadêmica apoiado pelo Governo. Sem esse apoio se torna mais difícil de superar a dificuldade da área que vou estudar, que é Economia, o meu curso é integral. Eu pretendo fazer uma boa graduação, tornar-me monitor nessa área e fazer trabalhos na universidade, pra eu olhar e falar assim: não foi porque entrei por cota, mas porque eu mereci estar aqui e quero desenvolver esse trabalho de aprendizagem. Futuramente, não vou parar na graduação. Se eu puder fazer mestrado, vou fazer mestrado, depois doutorado. O ser humano é limitado, mas quando a gente coloca o Espírito Santo e pede a Deus, aí não há limites.

Eu pretendo, sim, sair do albergue. Mas o albergue não vai sair da minha vida, porque eu sempre vou ter o Shalom na minha vida e os benfeitores que sustentam essa casa.

– Você pretende continuar no grupo de oração?

Aqui no albergue a gente tem dois grupos de oração, na quinta e na sexta-feira. As missas acontecem de quinze em quinze dias. Eu pretendo continuar no grupo de oração daqui. Eu poderia ir para outro grupo, mas o grupo aqui é a essência da minha vida: são moradores de rua que necessitam de carinho, alguns estão muito longe da família. Então, eles aqui pra mim são a minha família e eu não quero ficar longe da minha família. Mesmo morando no alojamento universitário, mesmo estando longe, meu coração vai estar aqui. E presencialmente também quero estar aqui.

– Você já entrou em contato com seus familiares para falar sobre a aprovação?

Já entrei em contato em dias anteriores e hoje novamente. Eles não sabiam da minha dificuldade em Fortaleza, pensavam que eu estaria aí pagando o meu aluguel, trabalhando. Eles ficaram surpresos. A minha família é um pouco espalhada. Liguei para um primo meu e pedi pra ele falar com minha mãe. Sou de família humilde, minha mãe não tem telefone em casa.

– Você passou quanto tempo morando na rua?

Fiquei quase uma semana. Eu vim a Fortaleza pra trabalhar com vendas e já estava aqui fazia oito meses. Ganhava por produção, mas chegou um momento que eu parei de ter rendimento. E tinha gasto: alimentação, aluguel, transporte. Eu me vi sem dinheiro pra alimentação básica. O aluguel venceu e eu tive de sair de casa. Quando você tá em uma cidade grande, pra tudo precisa de dinheiro. Eu não conhecia ninguém. Às vezes nós somos orgulhosos de procurar ajuda, e aí acabou que eu fiquei na rua, na Praça do Ferreira (Centro de Fortaleza).

Pra quem não é acostumado de ficar na rua dá uma vergonha. E eu não sei pedir, mas às vezes a fome batia e eu tinha de pedir, sim, alimentação. E hoje eu sei o que é um cidadão passar dificuldade na rua. Tem muita gente que ajuda, mas nem sempre você tem higiene e alimentação.

Eu fui encaminhado pra cá em 24 de outubro de 2012. Eu pensei que sim, que eu podia realizar esse sonho que está acontecendo agora, neste momento, e pedi força a Deus e aconteceu.

– E o trabalho no Shalom da Parangaba?

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Albergue São Francisco é mantido através de doações de benfeitores e da venda de vassouras fabricadas pelos moradores        Foto: Eleylson Campelo

O Shalom da Parangaba foi um divisor de águas pra minha aprovação. Eu fiquei aqui no albergue, que oferece cinco refeições por dia e a laboraterapia, que é a fábrica de vassouras, que traz parte do sustento pra casa. Eu estava sem recursos, mas tinha alimentação, cama, biblioteca. Quando deram a oportunidade para trabalhar no Shalom da Parangaba, que é um centro de evangelização, eu pude sair, conhecer pessoas novas. Lá eu conheci pessoas que me ajudaram nessa parte de conseguir livros e até um notebook com acesso à internet. A prova do Enem tem muitas atualidades e a gente tem livros aqui com dez anos de defasagem. A coordenadora do Shalom da Parangaba via que eu estudava e simplesmente trouxe um notebook: “É um presente pra você”. Com o notebook, eu passei a acessar as atualidades pra poder fazer a redação. Um monitor aqui da casa viu a necessidade também de material atualizado. Pegou os livros da filha dele e trouxe pra cá. As pessoas trazem por ver a necessidade. Graças a Deus, eu consegui esse êxito.

– Por que você escolheu cursar Economia?

Economia é um curso que condiz com a minha vida. Porque Deus escolhe as coisas loucas desse mundo pra confundir as sábias. Um jovem que não tem muito controle financeiro, porque apesar de ter ganho algum dinheiro, eu não soube controlar e passei essa dificuldade toda até ingressar aqui na casa… Então, o curso de Economia vai me ajudar a desenvolver competências pra entender situações neste mundo globalizado em que uma crise acontece lá nos Estados Unidos, estoura uma bolha lá e afeta aqui o Brasil. Então, a universidade vai me viabilizar adquirir essas competências e habilidades pra poder visualizar um cenário econômico ou ser um consultor financeiro nos próximos anos. Sempre esse testemunho de superação eu quero dar, sim, porque a aprovação agora foi uma superação, o meu curso vai ser outra superação, e assim em diante. Deus vai guiando a minha vida.

– Qual foi a experiência do amor de Deus que mais marcou você?

O que me marcou mais foi o Seminário de Vida no Espírito Santo realizado aqui na casa. A partir do seminário, eu senti no coração – não era nada humano, mas foi coisa divina – que naquele momento eu deveria mudar de vida. Eu deveria estudar mais, estudar melhor, eu deveria aprender mais sobre a palavra de Deus. Depois, veio o Renascer, o Halleluya (eventos realizados pela Comunidade Shalom durante o carnaval e férias, respectivamente) em que eu me fortaleci. Nós, moradores da casa, servimos nesses eventos e fazemos parte dessa caminhada.

– O que mudou?

Eu, Helder, mudei cem por cento. Mudei em termos espirituais, em termos de relacionamento. Aprendi a conviver com meus irmãos, os menos favorecidos. Aprendi a conviver com pessoas que erraram há algum tempo atrás e estão se redimindo. Aprendi a conviver com pessoas que nunca tinham ouvido falar na Palavra de Deus e eu, como morador da casa, pude até evangelizá-los, falando do Amor de Deus. E hoje, mais ainda, essa aprovação veio confirmar o meu esforço durante o ano. Não somente o meu esforço, mas o esforço das pessoas da Comunidade. Foi um time jogando a favor. Tanto com o ganho do notebook, quanto com o ganho dos livros, os conselhos, o Seminário, Renascer, Halleluya, pessoas que querem ver a mudança na vida da gente.

Emanuele Sales

(entrevista em tom coloquial)

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Doação

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A casa também está aberta a visitação para quaisquer esclarecimentos.

Contato

Albergue São Francisco
Rua Conselheiro Tristão,138, Centro, Fortaleza – CE.
Email: jesusmeuabrigo@comshalom.org
Telefone: (85) 3252 3530


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