Um caminhão chamado Virtude da Fortaleza acabou de passar sobre mim. Sabe aquela sensação peculiar de ter vivido uma situação capaz de mudar a sua vida por inteiro? Um pedido recebido, um filme assistido, um encontro marcante ou uma partilha rasgada que nos desestabiliza ao mesmo tempo que nos desperta? Exatamente isso.
Nesse caso, um livro devorado em três horas. Ao pegá-lo na biblioteca, algo já me dizia que aquelas poucas páginas me marcariam fortemente. Eu só não esperava que ao lê-las, eu mesma seria lida.
Rafael Cifuentes reúne no livro Fortaleza, com uma sabedoria inexaurível, a vida que ainda não tenho, mas que eu quero, com todo o coração, com toda alma e com todo entendimento, ter. Uma vida nada fácil, mas cheia de sentido e alegria.
Poucas linhas que nos apresentam uma verdadeira vida. Uma vida de verdade. Apresentado não é exatamente a palavra, visto que, na verdade, o grande ‘’apresentador’’ dessa vida foi o próprio Cristo. Acredito que ‘’destrinchado’’ se encaixaria melhor nesse contexto.
Uma tapa na cara
As primeiras linhas do livro dizem:
‘’Já reparamos na diferença que existe entre o barro e a rocha? O barro, qualquer chuva o dilui. A rocha mantém-se firme em face das tempestades. Assim são os homens, fracos ou fortes, como barro e a rocha.’’
Um primeiro tapa na cara nos segundos iniciais de leitura. Apresentando-nos um conceito de Balmes que dizia que a personalidade autêntica depende de três fatores inseparáveis e interligados. Uma cabeça de gelo, um coração de fogo e braços de ferro.
Ideais que tomam corpo com uma consciência madura dos deveres, das respostas que devem ser dadas, da consequência dos atos. Um coração apaixonado que acredita nas ideias, que luta por elas, capaz de abrir mão de tudo para que sejam levadas a termo e que escolhe viver tudo isso com alegria e paixão.
E braços capazes de travar lutas diárias, constantes e violentas em nome delas. Como os atletas aos quais Paulo se referia na carta aos Coríntios. Homens dispostos a correr desenfreados em busca de coroas corruptíveis.
Por qual coroa tenho lutado?
Me pergunto por qual coroa tenho lutado com a fraqueza com que tenho guiado meus dias. Lembro-me dos tempos de adolescência. Criada somente pela minha mãe, viúva ainda no início da juventude e que escolheu cuidar de mim exclusivamente, não tive muitas condições financeiras de estudar nos melhores colégios da cidade.
Ao chegar no final da educação fundamental, me vi diante da escolha por uma escola de ensino médio que me desse melhores condições para o futuro que eu almejava. Escolhi estudar em um lugar que exigia do candidato à vaga um processo seletivo muito disputado e exigente para a época.
Sem que ninguém me pedisse aquele esforço, escolhi por ele. Queria a vaga naquela escola porque queria a possibilidade de um trabalho que me satisfizesse pessoal e financeiramente na vida adulta. E por essa escolha disse não a muito do que poderia ser importante para uma adolescente.
Em incontáveis noites, abria mão de dormir mais que duas horas. Escolhia comer o que dava, na hora que dava, para aproveitar os intervalos para estudar. Dispensava todos os convites dos amigos porque o cansaço me lembrava que eu precisava de mais tempo e com isso, de mais privações.
Até minha família reclamava minha atenção, preocupados. Com alegria eu respondia que na luta por um desejo forte, tudo valia a pena. O corpo estava sim exausto, mas o coração estava extremamente empolgado e decidido. E ao final de tudo, a alegria da aprovação. Eu tinha 14 anos. E consegui o que queria.
A luta começa aqui
Alguns anos se passaram, fui chamada a uma vida missionária e todo aquele esforço poderia ter sido perdido já que ao seguir a vida em missão, abri mão do sonho de me tornar uma profissional bem sucedida (o que motivava todos aqueles esforços). Mas não posso dizer que perdi aquele tempo. Aquelas exigências com o meu corpo e com a minha vontade até hoje deveriam gerar frutos em mim. E por que não geram?
Hoje, no seguimento mais próximo de Cristo, me questiono sobre as convicções que tenho. Aquela menina que desejava estudar na melhor escola da cidade hoje aspira viver a vida eterna contemplado o Senhor dos Senhores no céu. Ainda mais motivos tem para lutar. E essa luta começa aqui.
Começa na fé forte de que a missão de levar Cristo aos homens é real e verdadeira. Eu realmente acredito que todo homem precisa desse encontro para ser feliz. Essa luta passa por meu amor apaixonado e esponsal por Jesus que me faz ir até a loucura de abrir mão de tantos outros desejos menores, com o fogo que Jesus já queria que estivesse aceso no mundo.
Mas ela não será ganha se a cabeça cheia de ideias e ideais, movida pelo coração inflamado e convicto não mover um corpo preguiçoso marcado por uma geração que acredita que não precisa sofrer.
O que sou hoje
Infelizmente, aprendi ao longo da minha vida que eu poderia abrir mão de tudo que me gerasse desconforto. Deixei que deturpassem a estudante corajosa e apaixonada e a transformassem em uma missionária medrosa e fraca que escolhe sempre por mais cinco minutos depois do toque do despertador.
Sempre com um jeitinho de não se machucar, de não se ferir, de não enfrentar os medos, de se cansar menos. Sempre escolhendo fazer o que tem que ser feito do jeito mais rápido sem minuciosidade ou aumentando de mais os momentos de descanso, reclamando de coisas triviais e dando tanta importância a pequenas dores que diminuiriam ou sumiriam com o sentido da oferta.
Que bela cristã se pode ser continuando assim. Com discursos incríveis de amor a Jesus, com impulsos impetuosos e altos mas pouca escolha pelo que é diário e que deve ser vivido concretamente a cada dia.
‘’Se não nos é exigido morrermos mártires, pelo menos espera-se de nós a disposição de nadar contra a corrente, defendendo as nossas convicções com um mínimo de coerência.Pensar não basta. A verdade que está na cabeça, se for forte, tem a capacidade expansiva: invade o coração e no coração se aquece. Se queremos ser fortes, temos que nos acostumar a ‘’não dar confiança’’ aos pequenos e grandes incômodos. Quem pode falar de fortaleza quando é incapaz de se levantar na hora ou de tomar um banho frio?’’
Mas calma! Se você, como eu, tremeu nas bases com essa proposta, uma última porém imprescindível coisa precisa ser dita. A Fortaleza, virtude capaz de nos fazer homens e mulheres fortes, é uma graça recebida pelo Espírito em sacramento. Porém é recebida, se pedida. E pedir é também exercitar.
Graça
Somente um é o poderoso capaz de nos levantar da cama sem frescura ou de nos fazer enfrentar a possibilidade da morte com mansidão. E é assim porque ele mesmo assim o viveu. Ensanguentado e aparentemente fraco foi o único digno de ser apresentado como ‘’O Homem’’ diante da multidão em polvorosa que pedia sua crucifixão.
‘O Homem’ deseja fazer de nós verdadeiros homens. Não cristãos desencarnados com auréolas brilhantes, sem pisar os pés no chão e que não sentem dores ou que acham tudo perfeito e julgam até o seguimento a Cristo fácil de mais. Mas a graça que supõe a natureza e a supera deseja transpor em nós as barreiras de um corpo fraco e mole, nos dando a estatura de Cristo.
Se os homens deste mundo abrem mão de tudo para conseguir o que almejam, por onde anda nossa cabeça, nosso coração e nossos braços que não estão enxertados no corpo chagado e glorioso do nosso Senhor?
E se não conseguimos, hoje, derramar o sangue pela fé que professamos, comecemos saindo da cama no horário que devemos sair. Muito em nós já começará a ser feito ao deixarmos de nos tratar como crianças mimadas e começarmos a escolher o alimento sólido da cruz de cada segundo.
‘’Com a oração e o nosso esforço, podemos superar todas as nossas fraquezas.”
Por Adriane Sousa