Desde o século XX faz-se possível perceber um movimento antropológico contrário, que vem invertendo o eixo firmado pelos vinte séculos anteriores, sobre o estudo do homem e da humanidade, em todas as suas dimensões.
Com efeito, apesar da disciplina antropologia ter sido estabelecida com o Iluminismo, tendo em vista o objeto e método que se firmaram na época, o registro do saber antropológico monta desde a Torah, desde o livro do Gênesis, quando o Autor Sagrado remeteu “As origens do mundo e da humanidade”; passando inquestionavelmente pela Antiguidade Clássica, quando Platão e Sócrates reverenciavam o assunto.
Certamente, na medida em que o ser humano pensou em si mesmo e se pôs em relação com o outro ser humano, pensou antropologicamente. Contudo, amparada na sociologia e em diversas teorias sobre a liberdade humana, uma visão antropológica moderna vem propondo a inversão de valores humanos concebidos desde o início dos tempos, ocasionando consequências dramáticas para a sociedade hodierna, com influência especial sobre os jovens. Temas relacionados a identidade do homem, vêm acendendo debates, notadamente no ambiente escolar.
Noutro pavimento, o mundo atual repleto de avanços tecnológicos e de um extremado teórico instigam o homem a um ambiente externo de si, promovendo distrações e dispersões não antes imaginadas. Não poucas vezes, os jovens, submersos em ambiente digital, acabam, sem mesmo perceber, por construir uma casa longe de si mesmo. Além disso, vêm revelando pequena resistência ao sofrimento e a dor, de modo que todo o imparável avanço na ordem intelectual não tem conseguido impulsioná-los para o seu interior, motivo pelo qual acabam por não perceber o sentido da sua vida.
Análise existencial do homem
Em pesquisa recente publicada pela ONU e transmitida pelo jornal O GLOBO, informou: “Em todo o mundo, uma pessoa tira a própria vida a cada 40 segundos, disse a Organização Mundial da Saúde (OMS) nesta segunda-feira. Um relatório da agência da ONU apontou ainda que esta foi a segunda principal causa de morte entre jovens com idades entre 15 e 29 anos, após acidentes de trânsito”.
Com efeito, a apatia em volta de uma análise existencial do homem também se deu pela expressiva influência da psicanálise no último século, corrente que vê o paciente através de mecanismos e o terapeuta como aquele que sabe trabalhar tais mecanismos, fragmentando o homem e deixando de lado suas motivações interiores.
Essa doutrina de expressiva influência na psicologia, apesar de registrar méritos, levou a uma coisificação paulatina do ser humano e foi proposta nos idos dos séculos XIX-XX, sob forte influência do associacionismo, trouxe duas características essenciais à ciência que trata dos estados e processos mentais, notadamente, o atomismo psicológico e a teoria da energia psíquica.
Na verdade, o homem não pode ser considerado atomisticamente, mas como um ser inteiro numa dinâmica de corpo-alma-espirito, e precisa ser observado sob uma ótica incindível. Por isso, a grave e evidente resistência à abordagem de Deus na Academia e até mesmo em trabalhos científicos é causa da erosão paulatina do encontro do homem consigo mesmo, o que vem prejudicando o desenvolvimento dos jovens. É o que se tem visto.
Caminho de retorno para Deus
Portanto, faz-se necessário à humanidade percorrer um caminho de retorno para Deus e Nele, para si mesmo, já que não é possível um estudo integral do homem sem recorrer ao Criador e olvidando o núcleo pessoal (kern) de cada pessoa, denominado por Edith Stein como alma da alma.
Na verdade, existe uma ponte capaz de levar o homem ao encontro consigo mesmo, ao encontro com o sentido último de sua existência e aos sentidos cotidianos da vida cronológica. Existe um ponto divino latente no coração do homem, a centelha da paz, capaz de retirar os olhos humanos da dor para fixá-los no sentido, no valor. A partir do encontro pessoal com Jesus Cristo e da vivência da experiência cristã diária, ao homem é dado aproximar-se do mistério de si, reflexo da verdade e do amor da Trindade.
Lado outro, cabe à família, “primeira escola dos valores humanos”, romper com esse padrão de entendimento frenético e fragmentado da pessoa humana, oferecendo aos filhos, desde a mais tenra infância, os singelos valores do humanismo encontrados no Evangelho, para que cresçam conscientes de que a ciência e a tecnologia não ditam o modo de ser humano e que, para além disso, experimentem dentro de si a habitação de Deus, sendo capacitados a entrar nesta sua casa que se chama meu interior.
Com efeito, lições que rompem com a cadeia da fragmentação humana nas crianças e nos jovens e fortalecem suas almas ao enfrentamento da vida com todas as circunstâncias adversas que lhes são inerentes, são as presenças firmes e amorosas dos pais, a educação na capacidade de esperar, a repetição dos valores, o uso cotidiano do diálogo e do limite, o estímulo do senso crítico e da autonomia, entre outros, mas especialmente, “a educação dos filhos deve estar marcada por um percurso de transmissão da fé, que se vê dificultado pelo estilo de vida atual, pelos horários de trabalho, pela complexidade do mundo atual, onde muitos tem um ritmo frenético para poder sobreviver”.
A dinâmica do amor na família
À família cabe introduzir seus filhos na dinâmica do amor, apresentando-os a Salvação como um belo e atraente convite e mostrando-lhes a realidade desse Amor, capaz de revelar a cada jovem quem ele é, suas necessidades, seus limites, sonhos… sua vida, vocação e missão. Essa responsabilidade é grave e se impõe como um dever irrenunciável aos pais.
Por isso, o Santo Padre o Papa Francisco convida a família a viver a sua fé em atos, mais do que com palavras, em vista da educação dos filhos. Ele diz: “É fundamental que os filhos vejam de maneira concreta que, para os seus pais, a oração é realmente importante. Por isso, os momentos de oração em família e as expressões da piedade popular podem ter mais força evangelizadora do que todas as catequeses e todos os discursos”.
Em outro contexto, o Papa Francisco realçou a relevância do referencial de família para os jovens que enfrentam os desafios da atualidade, quando disse: “a família continua sendo o principal ponto de referência para os jovens.” A educação que inicia dentro de casa se mostra veículo atual e eficaz para a imersão da pessoa na própria verdade e no mistério de ser pessoa. Com efeito, as consequências do vazio existencial decorrem também da maneira automatizada e fragmentada de tratar o jovem na atualidade.
Os padrões educacionais
Os padrões educacionais do século passado insertos também no âmbito familiar vêm deslocando a humanidade para a periferia de si mesma, fomentando sujeitos desagregados de si, dispersos, e, portanto, desprovidos de conhecimento próprio, meros repetidores de pensamentos pré-estabelecidos, alijados das potências essenciais do seu ser.
Ao invés, a autoconsciência gera na pessoa o salto da “tomada de posição” – auffassung para Edith Stein – e relaciona-se ao núcleo da personalidade, a alma da alma. Com isso, a pessoa humana, e também o jovem, no uso de sua liberdade, é protagonista diante da complexidade de sua totalidade e singularidade.
Romper com visões deterministas sociais e psíquicas cabe ao homem que se encontra dentro de si, consciente dos valores morais e de sua pessoa. Mas para isso faz-se necessariamente uma passagem, o transcender de si mesmo para Deus e Nele para os outros, atributo peculiar ao humano, lição a ser inaugurada no seio da própria família. De fato, a educação humana exige um trabalho constante, desde a mais tenra idade até o fim da vida.
BIBLIOGRAFIA
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São Joao Paulo II – Exortação Apostólica pós-sinodal Vita Consecrata, Paulinas, 2017.
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– Ser finito e ser eterno. Editora Forense Universitária. 2019. Versão digital Kindle.
Teixeira, Patrícia Espindola de Lima – A formação integral da pessoa em Edith Stein: perspectivas teológicas e pedagógicas – Dissertação de mestrado PUCRS. 2017.
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