INSATISFAÇÃO
Eu carrego em mim
Uma insatisfação
Que é como uma ferida
Que não sei ao certo
Quem a fez.
É como se tivesse sido
Arrancado algo
De dentro de mim
Deixando em mim
Uma falta tão grande
Que nada consegue
Saciar.
Sei que parece estranho
Mas o abismo atrai outro abismo
E a impressão que eu tenho
É que a única forma de me saciar
É ter de volta dentro de mim
Aquilo que me foi tirado.
Assim sou um ser varado
Que tem o peito aberto
De um lado ao outro
Um buraco
Incapaz de ser preenchido
Pelo que quer que seja.
Aqui eu acabo me enganando
Porque já tentei e tentarei de tudo
Mesmo sabendo que é em vão.
Que o melhor sabor
A maior alegria
O maior êxtase de gozo
O momento perfeito
A pessoa dos sonhos
A paixão em chamas
A correspondência esperada
As viagens sonhadas
Os bens e todas as riquezas da terra
Só servem para uma coisa:
Testemunhar pra mim
Que nada nem ninguém
Podem preencher esse vazio
E que quanto mais eu tentar preenchê-lo
Mais ele se tornará insaciável
Ele aumentará em meu peito.
Quando o eu inteiro
Se tornar vazio
Buraco, falta, ferida, anseio,
Insaciedade, resistência,
Desejo, busca, dependência,
Frustração…
Todas as coisas são boas
Mas elas só não bastam!
Assim eu sigo
Aprendendo a ser feliz insatisfeito
Sabendo desfrutar os prazeres de estar vivo
Sem esperar deles o que eles não podem dar
E ao mesmo tempo encontrando em tudo
Uma assinatura, uma marca,
Que me lembram
De para quem eu existo.
Pouco a pouco
A vida pede outra direção
E descubro uma beleza imensa.
Eu não posso preencher o meu vazio
Mas posso ajudar a preencher o vazio do outro.
E misteriosamente
Esse esquecer de mim
Me sacia mais
Do que qualquer coisa.
Talvez seja isso
Talvez a ferida tenha sido gerada
Por uma ausência
Que só o esquecimento de si
Em função do outro
É capaz de sanar.
Percebo, de alguma forma,
Que não sei explicar,
Que isso vai diminuindo o vazio
O buraco, como se
A origem dele fosse
O voltar para si
E o fim dele fosse
O voltar-se para o outro.
Assim toda busca de si
Está fadada ao fracasso
Pois mais cedo ou mais tarde
Se descobrirá
Que o único capaz de atribuir
Sentido a sua vida
É o outro.
Não uma busca de si
“No” outro
Mas um esquecimento de si
“Pelo” outro.
Parece-me que antes
Eu tinha o outro dentro de mim
E no instante que o egoísmo entrou
Ele arrancou o outro do seu lugar
Me deixando vazio.
Fazendo com que eu acreditasse
Que deveria ocupar o seu lugar
Colocando toda a minha vida e potências
Em função de mim.
Mas não funcionou
Só cresceu um sistema
Que, ao invés de me realizar,
Me frustrava.
Assim
Todas as coisas criadas
Perderam sua beleza
E o seu lugar
No instante que perderam
Seu sentido.
Com o outro em seu lugar
Eu não preciso mais viver
Nessa busca autodestrutiva
De mim mesmo.
Eu posso simplesmente folgar
Descansar e desfrutar
Do sentido de minha existência
Que não é ser amado…
Mas amar.
Onde eu
Me torno preenchido
Inteiro, presença, corpo,
Saciedade, descanso,
Encontro, independência,
Liberdade e realização…
Mesmo que nada disso
Importe mais.
Por Wilde Fábio
meu Deus Wilde Fábio, que poema!