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Pe. Cristiano Pinheiro: investimos tudo o que temos e somos para acolher a Cristo?

Tendo encontrado o grande tesouro do Reino, que é Cristo, o homem se sente impelido a vender tudo o que tem, pois todo o seu ser “é” para o tesouro, tudo tende a ele! Tudo em nós “estava esperando” o tesouro e, ao encontrá-lo, não pode fazer outra coisa senão voltar-se para ele!

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Hoje continuamos a nossa contemplação da Palavra com outras três parábolas sobre o Reino. A primeira fala de uma surpresa: o Reino como um tesouro escondido que foi encontrado em um campo. A segunda, por sua vez, fala de um “ponto de chegada”: um “comerciante em busca de pérolas finas”, objetivo que já se desejava e esperava alcançar.

É iluminante ver que o livro do Eclesiástico (6,14-16) fala que “um amigo é um tesouro precioso”, ou seja, que o tesouro pode ser uma pessoa. Portanto, têm muita razão os antigos ‘Padres da Igreja’ ao afirmar que o próprio Jesus é um tesouro, ou melhor, “o tesouro”. Portanto, a vida por Cristo, com Cristo e em Cristo, “estar e viver com Ele” é o tesouro do Reino! Ele é a nossa grande riqueza, nosso sumo bem.

O Pai esconde o filho no campo da nossa vida

Também digno de nota é que, quando falamos de um “tesouro escondido no campo”, percebemos que alguém já o tinha recolhido, preparado e colocado ali. O Pai “preparou” esse tesouro, esse segredo, esse “mistério que esteve escondido por séculos e gerações, e que agora é revelado aos seus”, para dar-lhes a conhecer essa esplêndida riqueza: “Cristo para vós (em vós), esperança de glória”. (Cf. Col 1,26-27) O Pai envia e “esconde” o Filho no mundo, no campo da nossa vida, na “vida vivida na carne”, para que o encontremos e livremente o assumamos. Ao mesmo tempo que o “esconde” na carne humana, “revela” Nele e por meio Dele a incomparável bem-aventurança do Reino dos Céus.

Nos seus Cânticos Espirituais, São João da Cruz fala da inesgotável profundidade da vida em Cristo com o símbolo da “mina de ouro”: “Há muito a aprofundar em Cristo! Ele é como uma rica e insondável mina, cheia de tesouros, de riquezas sempre novas, que por mais que sejam desfrutadas, não será possível alcançar toda a sua profundidade ou ver o seu fim”. (Cf. Cântico Espiritual B, 37, n.4) São Paulo ainda dirá que em Cristo “se encerram todos os tesouros do saber e do conhecimento”. (Col 2,3)

Assim, enquanto o agricultor trabalha o campo, percorre o caminho da vida, tem a surpresa de encontrar esse tesouro, saindo imediatamente para vender tudo o que tem e poder comprar o campo. O tesouro provoca no homem uma bela e explosiva reação: faz emergir o sentido de tudo o que ele tem, de tudo o que ele viveu, de tudo o que ele é! O tesouro ‘ressignifica’ toda a existência daquele que o encontra. É exatamente esse o horizonte espiritual do salmista quando diz: “Vosso amor vale mais do que a vida!” (Sl 62,4) Esse Tesouro “vale mais” e dá pleno sentido à vida!

O homem poderá ter o tesouro se comprar o campo. Por conseguinte, para fazê-lo, é fundamental que ele coloque à luz “tudo aquilo que tem”, toda a sua história, todo o seu passado, toda a sua vida! Nada pode ser economizado nem desperdiçado, mas tudo o que ele tem, “tudo o que ele é” se orienta na direção daquele bem, tudo encontra sentido e valor quando aplicado a “comprar o campo com o tesouro”.

O coração humano é como a agulha de uma bússola, um ímã que vai na direção de um campo magnético. Tendo encontrado o grande tesouro do Reino, que é Cristo, o homem se sente impelido a vender tudo o que tem, pois todo o seu ser “é” para o tesouro, tudo tende a ele! Tudo em nós “estava esperando” o tesouro e, ao encontrá-lo, não pode fazer outra coisa senão voltar-se para ele!

O comprador de pérolas

A mesma verdade também se revela na segunda parábola, aquela do comerciante que vende tudo para comprar uma pérola. Um grande exemplo desse “pesquisador” em busca de pedras finas e preciosas era o apóstolo São Paulo. Quando ele encontra “a pérola”, não apenas “vende tudo”, mas até mesmo considera tudo como “lixo”, “tudo como perda”, diante do bem que encontrou. (Cf. Fp 3,8) “Cristo é meu e é tudo para mim”. (São João da Cruz)

Nesse sentido, fazemo-nos uma pergunta: a nossa fé, a nossa “vida com Cristo e em Cristo” tem sido a fibra essencial do nosso ser? Realmente investimos tudo o que temos, tudo o que pensamos e tudo o que somos para acolher a inesgotável riqueza de Cristo? Estamos orientados a Cristo? É Ele o “centro de gravidade” da minha vida? Encontramos Nele a direção e o sentido da nossa existência humana, deixando que Ele penetre e transforme tudo o que nós somos?

As duas parábolas não são direcionadas a evidenciar o peso da renúncia ao que se tem, mas a alegria encontrada quando se é totalmente livre para abraçar e assumir o tesouro. Portanto, quando falamos de “investir tudo o que se tem” não nos referimos expressamente à renúncia e ao sofrimento… na verdade, isso “não é nada”! Aplicar toda a vida, todos os bens, todo o ser ao “Tesouro” é o caminho para possuí-lo plenamente. Essa é a promessa do Evangelho; essa é a via que comporta e traz tanto júbilo, paz sem fim!

Encontrar Jesus Cristo significa entrar em um novo “modo de existência”: tudo passa a ser considerado na perspectiva do Tesouro, “porque onde está o teu tesouro, estará também o teu coração” (Cf. Lc 12,34). Um Amor Grande, “mais precioso que o ouro, mesmo o ouro mais fino” (Sl 118,12) nos faz relativizar tantos ídolos – inclusive e sobretudo o ídolo que nós nos tornamos para nós mesmos – vaidades e ilusões que eram banhadas de “ouro barato” e falso, que outrora nos escravizavam e tornavam nossa vida amarga, tristemente insaciável. O Tesouro-Cristo se torna o novo e feliz critério da nossa existência.

Na rede do Reino de Deus, o que é estragado não ficará

A terceira parábola fala de uma rede cheia de peixes de toda espécie, “quando está cheia, puxam-na para a margem, sentam-se, reúnem os bons em cestas e jogam fora os que não prestam”. (Mt 13,48) Lembramo-nos do “joio” do qual falava o evangelho da semana passada que, quando amadurece, escurece, apaga e se torna tóxico, venenoso. Se o separamos do trigo enquanto este cresce, podemos estragar o próprio trigo, mas ao mesmo tempo, se não separamos o joio antes de o trigo ser moído, corremos o risco de acabar preparando um “pão tóxico”.

Mas o pão é destinado a tornar-se o Corpo de Cristo, este Corpo do qual nos alimentamos, que nós nos tornamos, que nós somos! E nada de venenoso ou tóxico pode se misturar a este Corpo Santo. Por isso, o joio deve ser queimado.

Da mesma forma os peixes: os bons se corrompem quando entram em contato com os estragados. Na rede do Reino, o que é estragado não ficará, não poderá permanecer. A boa notícia desta parábola é que seremos purificados. O que não é belo em nós será queimado (não por nós, mas pelo Espírito), e a beleza do nosso ser – “imagem de Deus” – será evidenciada. O Espírito Santo recuperará em nós a “semelhança” perdida com o pecado, com o joio, com os enganos do demônio.

Tudo passará pela prova do Fogo

O ‘Santificador’, Fogo do Céu, Espírito de Santidade, queimará o mal e a corrupção (o que não faz parte do Reino) e redesenhará em nós os traços belos de Cristo, antecipando na nossa carne a futura glória da dourada “Jerusalém do Alto”. O Pai nos predestinou para nos tornarmos “conformes à imagem do Seu Filho”. (Cf. Rm 8,29)

De fato, as parábolas do capítulo 13 de Mateus se concluem com a forte imagem do “fogo”, que nos faz imediatamente lembrar da fornalha ardente do famoso terceiro capítulo do livro do profeta Daniel. Ali eram queimados aqueles que não se prostravam para adorar a estátua, o ídolo construído por Nabucodonosor. A postura do rei da Babilônia nos revela como se configura a vida humana quando, cheia de vãos tesouros, cheia de si, não encontra o Verdadeiro e Único Bem. Essa é presa a si mesma, portanto não se encaminha rumo ao Pai, não adere à ação do Espírito que transfigura a nossa humanidade na vida filial de Cristo.

De fato, uma vida humana idolátrica, que se “agarra aos próprios e falsos tesouros” não adere e não converge à obra de Deus em si, acaba se expondo a um outro tipo de poder, prostrando-se diante do falso deus de uma “vontade própria”, das enganadoras riquezas do orgulho, da vanglória, da auto-referencialidade e do dinheiro. Nesse “deus-de-si-mesmo” se concentram todas as forças destruidoras do nosso ser.

Lembramos mais uma vez que uma vida plena, vivida à luz da fé, é aquela de quem vive e orienta a própria natureza humana “para o alto”, segundo o sopro do Espírito, como “filho no Filho”. “Sabemos que todas as coisas contribuem para o bem daqueles que amam a Deus” (Rm 8,28), que têm o coração voltado para Ele!

Apropriando-nos da belíssima oração do rei Salomão, voltemo-nos com confiança àquele “Outro”, que é divino, Todo-Poderoso, o Deus que nos ama, que pode e quer revitalizar o campo da nossa vida, escondendo nele o Tesouro imperecível do Céu: “Dá, pois, ao teu servo, um coração compreensivo, capaz de discernir entre o bem e o mal.” (Cf. 1Rs 3,9) Com Teu Fogo Purificador, dissipa as ervas daninhas e tudo aquilo que é nocivo em nós; com Teu Sol Esplendoroso, faz germinar e crescer em nós, Senhor, a bela semente do Reino, a célula da Jerusalém Celeste!

Pe. Cristiano Pinheiro
Comunidade Católica Shalom


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