Preguiça… só essa palavra já dá vontade de nem terminar essa linha… mas, avante.
Este tema é algo que atinge a muitos, uns mais, outros menos, mas é uma realidade muito palpável, embora seja invisível. Mas essa invisibilidade é muito concreta porque age em nós, nos outros e na vida em comum.
A Igreja tem uma definição mais teológica, ligada à espiritualidade, ligada à presunção, ao orgulho, tornando-se um pecado capital, sendo nocivo à moral, ao bom cuidado consigo e com o próximo.
Eu quero me concentrar nesse aspecto prático da preguiça, que nos convence a não fazer aquilo que é necessário e útil para nós mesmos e para os outros que convivem conosco, ou dependem de nós de alguma maneira.
As várias faces de um mesmo pecado
A preguiça tem várias facetas, uma delas é mais ligada ao relacionamento com tudo que existe na minha vida, onde eu coloco o meu conforto, o meu “soninho gostoso” acima das obrigações com Cristo, e por consequência comigo mesmo e com meus irmãos.
Vai desde um encurtamento dos meus compromissos com o Senhor, a um atraso proposital, já que intencionalmente fiquei “me entretendo” com alguma coisa, até a uma atitude egoísta e irresponsável no que diz respeito à vida de outra pessoa.
A vontade atrofiada
Esse pecado atrofia a nossa vontade, matando toda a disposição de empreender, de ser solidário, de crescer, de aprender e também de amar. A grosso modo, é como se tivéssemos um carro superpotente, com o tanque cheio, mas o motor de arranque com problemas, ou pior ainda, o carro está ótimo, mas ninguém está disposto a dirigir… e por mais que o automóvel fosse bom, não serviria para nada, pois não consegue andar sozinho.
Isso ilustra um pouco o que a preguiça faz com nossas capacidades, nossos talentos e nosso corpo. Temos tudo para desenvolver, para multiplicar essas potências que trazemos em nós, como a inteligência, a sensibilidade artística, os dons diversos que cada um traz consigo, a própria forma física, e acima de tudo, nossa capacidade de amar.
Porém, se o proprietário de todas essas potências não as quiser usar, é como se elas não existissem, até porque estas só tem sentido se colocadas em prática.
A erva daninha do egoísmo
De que adianta eu ter a melhor voz do mundo se não me disponho a cantar? De que serve meu conhecimento em qualquer área, se eu não uso para o benefício de alguém? Se sou imagem e semelhança do Amor, onde me pareço com meu Criador se não me doar a Ele, e por Ele, ao próximo?
Agora vamos a um extremo: por mais individualista que alguém seja, a preguiça é tão venenosa, que ela consegue parar até muitos dos benefícios que essa pessoa poderia ter. Como?
Suponhamos, esquecendo um pouco a nossa bagagem cristã, que um(a) jovem que quisesse ganhar dinheiro para ter sua independência financeira, ter sua casa, comprar suas roupas, viajar… coisas normais e lícitas para qualquer pessoa. Não estou nem falando de ajudar ao próximo, ser caridoso, nada disso.
O sujeito em questão só quer ganhar dinheiro, encher o bolso e se divertir, fim de papo. É uma pessoa inteligente e hábil para muitas coisas, mas tem que se capacitar, melhorar seu currículo para entrar no mercado de trabalho ou receber uma promoção no seu emprego.
Contudo, para crescer profissionalmente vai ter que estudar mais, dormir menos, fazer atividades nos fins de semana, fora que vai deitar mais tarde e acordar mais cedo, e por aí vai… mas é o preço que se paga por uma remuneração melhor. Aí é onde mora o problema: ela quer pagar esse preço?
A colheita sem o sacrifício
A preguiça gera um conflito entre o desejo inicial de riqueza e uma paralisia disfarçada de prazer. Voltando ao exemplo do carro: o motorista não está disposto a dirigir, porque vê um esforço imenso onde não existe, ou pior, até vê que não é difícil, mas prefere o falso regozijo do não-fazer.
É como se um agricultor quisesse colher sem plantar… não nasce. Até parece uma piada, mas é assim a vida de um preguiçoso: quer resultado mas não quer sacrifício, quer ser alimentado mas não quer trabalhar (cf. 2Tes 3,10), quer ser mais saudável mas não se exercita, quer o bônus mas não quer o ônus…por mais que se fale, o vício impregna a vontade de um jeito que parece que a pessoa não consegue reagir, libertar-se dessa postura de letargia.
Daí vem o ditado nordestino (Brasil): “morto dentro das calças”.
Possibilidades barradas pelo pecado
Quantas pessoas altamente capazes nós conhecemos que poderiam ter uma vida melhor, poderiam ajudar muitas pessoas com seus dons, poderiam até salvar muitas vidas, desenvolver-se, crescer, até mesmo enriquecer, se simplesmente quisessem… digo quisessem porque elas tem tudo em si mesmas para construir uma vida diferente da que levam hoje, mas nunca dão um passo porque acham que “é trabalho demais”, e preferem ser um peso, para os pais muitas vezes, ou para outras pessoas que, por pena, sustentam essa debilidade voluntária.
Não falo da indisposição causada por fatores orgânicos ou por outras causas, mas da inação desejada, querida, idolatrada.
O conforto, acima de tudo
O preguiçoso tem o seu conforto como um deus. Ele não assume responsabilidades, não deixa a sua comodidade por razão nenhuma, e ai daquele que quiser forçá-lo a se mexer… vira um leão, nem parece a mesma pessoa, e na sua autodefesa, usa acusações de incompreensão, de que está sendo explorado, de que ninguém reconhece que ele está dando o melhor de si.
Desculpa em cima de desculpa, só para justificar a sua necessidade de imobilidade, é quase um “não ser”. Se não fosse, não dava prejuízo. Todavia, ele é convicto de que nada de novo pode ser mais prazeroso do que a inércia que ele vive, e que ele escolheu o melhor caminho para si mesmo. Os outros apenas não enxergam o que ele vê (cf. Pv 26,16), pois se considera mais sábio que todos.
Justificativas
Quando a preguiça se instala na vida de alguém, ela cria até um estratagema para justificar a ociosidade para si e perante os outros. O ocioso julga-se muito certo do que está fazendo. Lembra-me um pouco a parábola dos Talentos (cf Mt 25, 14 -30), onde um homem confia a três empregados quantias de dinheiro para que administrem enquanto está fora, viajando, mas somente dois trabalham e fazem render o que lhes foi confiado.
O terceiro empregado apenas enterra o dinheiro, mas não somente isso, já programa a desculpa que dará ao seu patrão por não ter feito crescer o valor que lhe foi confiado.
Não levando em conta a atitude narrada no final da história, onde o servo preguiçoso é lançado fora pelos outros empregados, quero deter-me nessa falta de ação que impede o progresso de quem quer que seja. Os outros funcionários foram recompensados pelo seu trabalho, mas o preguiçoso foi punido.
Independente do sentido teológico da parábola, a nossa vida é assim: as coisas não caem do céu, precisam ser conquistadas, precisam ser cultivadas, trabalhadas, e ainda, de forma focada e com determinação.
Seja o conhecimento, o dinheiro, uma promoção justa, uma virtude, tudo isso exige um sacrifício prévio e a preguiça nos engana fazendo-nos crer que podemos conseguir vitórias sem ir para guerra contra os maus hábitos, nos seduz a ponto de nem querermos lutar, e nisso, nosso corpo e nossos dons, que deveriam ser canais do amor e da providência de Deus para as pessoas, tornam-se um fardo que outros têm que carregar… e acreditando cegamente que é obrigação deles.
Falta de comprometimento com a saúde física
A cegueira é tanta, que até a saúde fica comprometida pela ociosidade; muitas doenças poderiam ser prevenidas e tratadas se houvesse a disposição para exercícios físicos, mas a pessoa prefere a comodidade de encher-se de medicamentos, do que adquirir uma rotina mais saudável, comprometendo todo o seu corpo de forma grave, às vezes de forma irreversível.
Afinal, você ama?
Por fim, gostaria de voltar ao título deste ensaio: A vontade de não fazer, a vontade de não amar. Atualmente, a palavra mais desviada do seu significado verdadeiro é Amor. Não é mero sentimento, não é bem-estar, é decisão e ação. Nossa vida, nossa interação com o mundo, é algo ativo e exige de nós posturas e atitudes.
A preguiça age aí: a pessoa vê a necessidade/oportunidade à sua frente, mas prefere não agir, erroneamente convicta de que o melhor a fazer é não se mover. Quando é uma oportunidade, a pessoa deixa de ter algo para si; mas quando é uma necessidade, principalmente a de outrem, o egoísmo é tão grande, que encontram-se mil e uma razões para não ter ajudado, para ter faltado, para não ter socorrido, e não ir em auxílio de quem precisava de nós, como na parábola do Bom Samaritano (cf. Lc 10, 30 – 37).
Essas falsas desculpas simplesmente querem anestesiar a consciência daquele que sabe que não fez o que deveria ser feito, e vai consolidando esse padrão de pensamento até que o centro da vida do ocioso seja só a sua ociosidade, idolatrando o seu conforto, o seu bel-prazer, fazendo sofrer todos os que necessitariam da sua ajuda, dos seus dons, e sobrecarregando todos que tem que suportá-lo.
Isso é causa de muitas demoras em respostas que outros precisam, de procrastinação de ações e metas, de atitudes que atrasam e atrapalham a vida das pessoas que dependem do preguiçoso…é uma espera quase que sem fim, ou pode até ser que seja, infelizmente.
Uerlley Soares | Missionário da Comunidade de Vida Shalom
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