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Frei Patrício: A vocação de ser pessoa

Não devemos ter medo de que, tentando ser bons com todos, lutando para chegar a ser santos, isto esvazie a nossa humanidade.

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Temos tido muito medo devido à pandemia do coronavírus. Mas por causa do mundo médico, as pessoas, depois de uma certa rebeldia, têm compreendido que é, sim, possível vencer esta doença. Ela ainda não está totalmente superada,  entretanto, com a solidariedade e com a responsabilidade coletiva, ela será.

Cada um é chamado a assumir a própria responsabilidade, sabendo que não somos donos da nossa vida, que ela depende de Deus, e que tampouco somos donos da vida dos outros, que também depende de Deus e, em parte, de nós.

Existem momentos que, para sermos livres, devemos deixar parte da nossa liberdade. A liberdade não é fazer o que pensamos que é melhor para nós, mas o que é melhor para toda a comunidade. É preciso limitar a liberdade para sermos mais livres. Existe uma consciência da qual nenhuma lei pode nos libertar nem obrigar. Uma liberdade que se constrói somente através da força do amor.

Dia de Edith Stein

Hoje, celebramos a festa de uma grande santa que pertence ao Carmelo, mas não só ao Carmelo: ela é propriedade da humanidade, porque com sua vida nos ensina a viver sem ter medo das leis injustas, nos ensina a ser capazes de uma sadia e forte rebeldia.

Santa Teresa Benedita da Cruz, mais conhecida como Edith Stein, judia que, tendo encontrado a beleza da doutrina da vida de Jesus, se preparou para o Batismo e começou a sua caminhada de identificação com Cristo Jesus. Dessa maneira, escolheu, aos 43 anos, ser carmelita descalça.

A sua vida é uma busca da verdade, ela mesma o diz: “por muito tempo, a minha única oração foi a busca da verdade”. Ela a buscava através da ciência da filosofia, no caminho da fé, até perceber que sua vida devia ser uma oferta total ao Senhor, não para fugir da perseguição da violência nazista, mas para ser a imitação de Jesus, que deu a Sua vida por todos, doando, assim, a sua vida em comunhão com Cristo, para a Salvação de toda a humanidade.

Edith Stein, entrando no Carmelo, deixou de lado o estudo da filosofia, além dos livros do seu mestre de fenomenologia, Edmund Husserl, seguindo, então, um outro mestre, o mestre da vida em plenitude: Jesus Cristo, tendo na sua frente o livro dos livros e o crucifixo.

Não foi por acaso que, tendo como mestre a João da Cruz, decidiu escrever um livro que podemos considerar a sua autobiografia: A ciência da cruz. É na cruz que encontramos a verdadeira ciência, que, por seu turno, não se encontra escondida nos livros humanos, mas no livro Jesus. Ele que é livro feito carne e que nos oferece a vida em plenitude.

Não podemos nem devemos nos deixar parar pelo medo do sofrimento, devemos, sim, correr para o abraço da cruz e do crucificado Jesus, fonte de toda nossa salvação e vida. Santa Edith Stein morreu no campo de concentração de Auschwitz. Ela não morre como uma pessoa desesperada, mas dizendo para a sua irmã Rosa: “vamos para o nosso povo”, fê-lo como Jesus, que subiu o Calvário para morrer pelo povo, dando assim a vida em plenitude. Nunca a vida e a morte dos santos são inúteis.

Deixe-se guiar pelo Espírito Santo

“Não tenhas medo de apontar para mais alto, de te deixares amar e libertar por Deus. Não tenhas medo de te deixares guiar pelo Espírito Santo. A santidade não te torna menos humano, porque é o encontro da tua fragilidade com a força da graça. No fundo, como dizia Léon Bloy, na vida ‘existe apenas uma tristeza: a de não ser santo’.” (GE, 34)

Não devemos ter medo de que, tentando ser bons com todos, lutando para chegar a ser santos, isto esvazie a nossa humanidade. O oposto acontece, pois melhores seremos ao fazê-lo, mais praticantes da Palavra de Deus e mais nos humanizaremos nas nossas palavras e gestos.

Isto pode ser comprovado por meio da leitura da vida dos santos, que, à medida que avançavam na santidade, eram mais fraternos, mais capazes de viver o Evangelho e sabiam criar ao seu redor a presença de pessoas que buscavam neles não a ciência nem a ajuda material, mas a bondade.

Não devemos ter medo de ser santos. Devemos, em vez disso, nos deixar guiar pelo Espírito Santo, porque assim o caminho na nossa frente será sempre mais belo, cheio de alegria e de solidariedade com os que mais sofrem.

Sai e fica na presença do Senhor

É difícil falar da busca de Deus sem pensar no profeta Elias, que por toda a sua vida foge de Deus e O busca. O mesmo Senhor persegue este profeta e o escolhe para ser o defensor dos direitos de Deus e do ser humano. É, então, profeta da justiça, que, por amor a Deus, enfrenta o poder civil e todos os sacerdotes de Baal.

Este texto que hoje a liturgia nos apresenta é o coração da espiritualidade do profeta que é chamado a subir no monte, em cuja caverna o Senhor entra. Será neste ambiente onde vai encontrar o Senhor: no silêncio e na solidão. Deus o chama a sair do seu silêncio. Desse modo, o profeta O busca nos grandes fenômenos da natureza: no terremoto, no fogo, no vento, mas não o encontra, porque o Senhor sempre se esconde nas coisas pequenas, como na brisa leve.

É, pois, no silêncio que Deus fala forte ao nosso coração. É importante encontrar tempos de silêncio, de solidão, de deserto para poder entrar ainda mais em comunhão com nosso Senhor. O Salmo 84/85 nos convida a pedir a Deus por misericórdia e que Ele nos mostre a Sua face.

Qual é a maior dor de quem ama a Deus?

Eu venho dizendo muitas vezes aos leitores que acompanham as nossas reflexões dominicais no Pão da Vida que Paulo é um grande apaixonado por Jesus e que no seu coração reina o amor. Mas, qual é a maior dor que ele vive? É ver como os seus irmãos judeus rejeitam Jesus e não aceitam a Salvação que Ele veio trazer ao mundo. Assim como nos dói ver como também muitos cristãos vivem uma frieza quanto ao amor por Jesus e têm pouco entusiasmo no anúncio do Evangelho.

Por isso, ele chega a dizer algo que nos comove profundamente: “Tenho no coração uma grande tristeza e uma dor contínua, a ponto de desejar ser eu mesmo segregado por Cristo em favor de meus irmãos, os de minha raça”, para que eles aceitassem Jesus. Que coragem! Como ele ama o seu povo! Cada um de nós fica de cara no chão quando lê isto e constata o pouco amor que temos pela Igreja.

Somos homens de pouca fé Jesus, neste trecho do Evangelho, coloca à prova todos os Seus discípulos na pessoa de Pedro. Depois de ter multiplicado os pães, Cristo sobe no monte para rezar durante boa parte da noite. Em seguida, Ele vai caminhando sobre as águas, para encontrar os Apóstolos, que estão com medo, porque tinha muito vento, já que estava acontecendo uma tempestade.

O medo, então, aumenta, ao verem chegar Jesus caminhando sobre as águas, porque não conseguem compreender como o Senhor faz tal coisa. E não adianta que Ele os tente tranquilizar com palavras de confiança: “coragem, não tenhais medo. Sou eu”, porque eles desconfiam.

Pedro, ainda mais amedrontado, desafia Jesus, dizendo-Lhe: “se és tu, deixa-me ir ao teu encontro e que possa também caminhar sobre as águas” e Jesus o chama. O discípulo começa a afundar, e, no perigo, confia em Jesus: “salva-me”. O Senhor o salva, mas chama a sua atenção: “homem de pouca fé, por que duvidaste?” É esta mesma pergunta que Cristo faz hoje para nós: “Homem/ Mulher de pouca fé, por que duvidaste?”


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