Em 22 de fevereiro de 2012, em meio à crise econômica e financeira mais dramática desde a Segunda Guerra Mundial, o então presidente do BCE, Mario Draghi, declarou: o modelo social europeu está ultrapassado. Palavras que tiveram grande ressonância na mídia europeia, representando o ponto de vista de um líder de autoridade das instituições econômicas.
Esta foi uma referência muito clara a uma emergência silenciosa, mas destinada a se manifestar na história das sociedades avançadas em todo o mundo e particularmente na Europa: como garantir os direitos sociais num contexto de envelhecimento progressivo da população e dos mercados de trabalho onde a crise deixou grandes grupos da sociedade sem emprego?
Em um momento histórico onde a sustentabilidade exigiria um pacto entre gerações e novas fórmulas de Welfare State, como repensar as políticas do Estado social? Como evitar o dramático trade-off entre prioridades econômicas e sociais? Em que perspectiva devem ser colocados os gastos sociais em uma transição para novos arranjos de governança econômica que prestem mais atenção aos valores das finanças públicas que são cada vez menos sensíveis às demandas sociais? Como podemos reconstruir novas garantias para a coesão social de nossas comunidades?
Citando novamente o próprio Draghi, desta vez a partir de uma contribuição que ele publicou em “L’Osservatore Romano” em 2009, assim, quando a crise que começou em 2008 estava em sua maior gravidade, podemos entender um dos dois problemas discutidos nestas páginas: a necessidade ética de trazer a economia de volta ao social, de reorientar a dinâmica econômica a serviço da pessoa.
Draghi escreveu: “O desenvolvimento em si não é garantido por forças impessoais e automáticas (o mercado pode fazer tudo), mas precisa de pessoas que o impulsione vivendo em suas consciências o chamado do bem comum. Toda decisão econômica tem consequências de caráter moral. Isto é ainda mais verdade na era da globalização, que enfraquece a ação nacional para governar a economia e, assim, mina a utilidade da distinção escolástica entre a produção de riqueza e sua redistribuição feita pela esfera pública por razões de justiça. É possível “internalizar” a dimensão ética já na fase de produção, como mostra a ampla gama de atividades econômicas que escapam de uma classificação mecânica em lucro e sem fins lucrativos e que também se estabelecem objetivos de natureza ética e de utilidade social.”[1]
O problema da ética na economia, hoje mais do que nunca, preocupa de forma predominante nossa visão da pessoa na economia e a coexistência de paradigmas diferentes, e às vezes conflitantes, sobre os objetivos e o funcionamento da mesma dinâmica econômica esvaziada de qualquer função social. Qual será a resposta das nossas sociedades às fragilidades que não podemos mais ignorar? Por onde começar a fim de revigorar a coesão social? Estas são questões urgentes em um mundo que terá que superar a nova crise provocada pela epidemia.
Uma das perspectivas úteis possíveis é aquela oferecida pela Doutrina Social da Igreja com a noção de subsidiariedade. Um conceito que se tornou multidimensional ao longo do tempo, afirmando-se em várias dimensões da vida humana. Tradicionalmente, inúmeras formas de subsidiariedade podem ser distinguidas: nas relações entre particulares, na relação entre cidadão e Estado e nas relações entre territórios.
A subsidiariedade, como princípio da ação humana e das escolhas sociais (individuais e públicas) está mais propriamente inserida no paradigma teórico desenvolvido pela Doutrina Social da Igreja em torno da ideia de desenvolvimento humano integral que orienta o progresso em direção ao bem-estar da pessoa, torna a economia coerente e compatível com as prioridades sociais e as exigências da condição humana. A economia precisa de ética e princípios como a subsidiariedade para florescer e não abandonar o último, condenando nossas sociedades contemporâneas à radicalização das desigualdades.
Nosso discurso não pode, portanto, omitir a contribuição do pensamento cristão e deve começar com a leitura chave que critica o desapego entre a ação econômica e social, entre economia e ética.
O primeiro passo que distanciou a ética da economia provém da divisão nos estudos (entre disciplinas), nas regras do mercado (entre objetivos de ação humana). Uma separação que ocorreu muito antes das críticas ao economicismo feitas por Antonio Rosmini em 1887.[2]
Segundo Rosmini, a economia abandonou a ética e se distanciou tanto que perdeu cada referência mínima com objetivos que não o lucro. Chegamos a um ponto na história em que a missão da dinâmica econômica acabou sendo orientada para objetivos completamente opostos ao serviço da pessoa.
Nesta condição, a economia do objeto prevalece sobre o assunto e sistemas econômicos inteiros não podem mais ser rastreados até um modelo de desenvolvimento equitativo do progresso universal dos povos.
Daquele distanciamento que deu origem a uma distância, que em pouco tempo se tornou antítese entre ética e economia, nascem teorias e modelos baseados na hipersimplificação do real, nos quais a pessoa não aparece em sua integridade, mas destaca aspectos relacionados com o papel desempenhado pela pessoa na economia em um reducionismo substancial.
Esta breve referência à separação entre ética e economia é de importância essencial para a compreensão do tema da crise do Estado social. Em outras palavras, é por causa da ausência de uma perspectiva ética compartilhada sobre a economia que os princípios do Estado social e as próprias responsabilidades sociais que fazem parte das políticas públicas foram despojados de prioridades secundárias em relação aos critérios financeiros.
Uma deriva comum a muitas democracias onde os objetivos sociais das políticas públicas são percebidos como supérfluos, anacrônicos e, em alguns casos, apenas um fator de custo.
Durante o período de austeridade, as variáveis de estabilidade financeira se estabeleceram, enquanto a estabilidade social foi descrita como apenas uma fonte de custos insustentáveis, dada a recessão e o declínio de muitas economias entre 2008 e 2012.
Entre as poucas vozes fora do coro, que sempre deram um impulso ao valor da pessoa na economia e, portanto, dos objetivos sociais da ação pública (seja confiada a instituições, associações ou sujeitos do terceiro setor, ou mesmo a cidadãos privados), há a doutrina social da Igreja e o pensamento dos teóricos da economia civil.
Uma visão que considera o homem em sua totalidade e se torna uma alternativa à pesquisa sobre a pessoa que é apenas o consumidor, o poupador ou o produtor, etc. Isto já estava claro para o Papa Pio XI (1931), que, observando a primeira crise econômica real da história contemporânea, a Grande Depressão de 1929, falou de economia e moral, dedicando a encíclica Quadragesimo anno a este tema.
Da mesma forma, São Paulo VI (1971) escreveu quarenta anos depois na Carta Encíclica Octogesima adveniens: “embora a economia e a disciplina moral, cada uma em sua própria esfera, se baseiem em seus próprios princípios, seria um erro dizer que a ordem econômica e a ordem moral são tão díspares e estranhas uma à outra, que a primeira não depende, de forma alguma, da segunda.”[3]
Na consciência de que nem toda a realidade econômica passou por uma transformação definitiva, abandonando os princípios do Estado social e, de fato, continuando a levá-los adiante de uma nova maneira, pode-se referir à mensagem lançada por São Paulo VI com a Carta Encíclica Populorum Progressio (1967), e posteriormente desenvolvida pelo magistério de seus sucessores papas até o Papa Francisco, e pelas contribuições de especialistas do mundo católico (ver o pensamento de Stefano Zamagni e Luigino Bruni) e outros.
Em alguns casos, eles são vozes de especialistas e papas, em outros são vozes de santos. Mentes conscientes que propuseram uma reflexão sobre a alma social da ação econômica. Em particular, a ênfase é colocada na importância do desenvolvimento humano integral, como um conceito que combina a pluralidade de pressupostos éticos e indicações específicas para escolhas sociais, políticas e econômicas.
O conceito de desenvolvimento humano integral foi formulado por São Paulo VI a fim de sensibilizar a população para os riscos dos efeitos negativos da atividade econômica, que não considera a pessoa como um todo. Como o próprio Papa escreveu em 1967: O desenvolvimento não se reduz ao mero crescimento econômico. Para ser um desenvolvimento autêntico, deve ser integral, o que significa que deve visar a promoção de cada homem e de todo o homem.[4]
Nesta perspectiva, não há outra vida econômico-social que seja possível e sustentável, a não ser a que está a serviço da pessoa. Como reiterado na Carta Encíclica Caritas in Veritate do Papa Bento XVI (2009): Responder às necessidades morais mais profundas da pessoa também tem efeitos importantes e benéficos no nível econômico. A economia, de fato, precisa de ética para seu bom funcionamento; não apenas de qualquer ética, mas de uma ética que seja amiga da pessoa.[5] Em síntese extrema, os princípios que este exame propõe aprofundar são justamente aqueles que devem servir para redirecionar a economia para os objetivos definidos pela Doutrina Social da Igreja, para deter a tentativa de economizar a humanidade e gerar uma inversão da tendência que pode humanizar a economia. A busca dessas premissas éticas e das respectivas indicações sociais para as escolhas econômicas tem como objetivo pôr um fim à expansão da economia independente dos princípios sociais.
Desde suas origens, o status quaestionis relativo ao estudo da economia tem sido considerado como naturalmente atravessado por considerações e pesquisas que vão além dos limites de uma ciência puramente quantitativa ou de uma linguagem exclusivamente analítica. Estas são considerações que ancoram a economia a um conjunto de princípios anteriores, não apenas em sentido cronológico, à própria disciplina.
A linha de pensamento ideal que lançou as bases para compreender a relação entre ética e economia, criando novos laços entre autores antigos (por exemplo Aristóteles, como iniciador da ética da virtude), modernos (Paolo Mattia Doria, Antonio Genovesi, Cesare Beccaria, Adam Smith), e contemporâneos (Jacques Maritain).
O debate ao qual se faz referência, até os desenvolvimentos mais recentes, teóricos e não teóricos, inclui as contribuições e pesquisas de:
- Amartya Sen, segundo o qual a economia contemporânea sofre de um estreitamento da perspectiva em comparação com a ampla visão smithiana[6] em um empobrecimento intimamente ligado ao afastamento da economia da ética.[7]
- Os economistas teóricos da felicidade que explicaram como a felicidade é uma condição que vai muito além do bem-estar econômico, por causa da importância dos fatores relacionais e éticos. Após as primeiras tentativas de Hadley Cantril (1965) para medir a percepção da felicidade, a teoria econômica passou por uma fase de grande inovação conceitual que hoje nos permite entender por que os objetivos perseguidos pelo homem para sua felicidade estão além da economia. Daniel Kahneman, ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 2002, aprofundou tudo isso, falando sobre os efeitos da esteira (ou efeito do tambor de laço), como um mecanismo de adaptação ao progresso de suas condições de vida, para o qual, apesar do nível de bem-estar (felicidade objetiva) aumentar, o nível de aspiração ou percepção do próprio bem-estar (felicidade subjetiva) continuará a ser constante. Isto acontece porque a pessoa encontra sua felicidade em outras áreas relacionadas com “os componentes afetivos das relações sociais, avaliados em si mesmos (e não instrumentalmente) como meios para outros fins.”[8] Esta é a definição de bens relacionais oferecida por Robert Sugden em 2002 e fortemente inspirada pela Teoria dos Sentimentos Morais de Smith. Ele conseguiu descrever cientificamente a relevância dos fatores “não econômicos” na realização da existência humana (por exemplo, fatores “relacionais”). Finalmente, Richard Easterlin (1974) e Tibor Scitovsky (1976) sobre o “paradoxo da felicidade” merecem ser mencionados”.[9]
- Outro grupo de autores ao qual vale a pena se referir é o das críticas ao capitalismo baseadas na mensagem cristã. As críticas ao paradigma capitalista foram formuladas por muitos especialistas em contextos histórico-políticos e geográficos muito diferentes, mas nesta pesquisa será dada mais ênfase aos escritos de alguns teóricos americanos contemporâneos para nós. Entre outras, serão consideradas as reflexões de Daniel M. Bell (2012) contra o acúmulo, de riqueza, a satisfação dos desejos; o ponto de vista de William T. Cavanaugh (2008) sobre a atenção às práticas econômicas cristãs, à transformação (não oposição tout court) ao mercado livre como instrumento de justiça social, ao conceito de liberdade do indivíduo em continuidade com o pensamento teológico de Santo Agostinho e São Tomás de Aquino.[10]
- os teóricos da economia civil: Stefano Zamagni (1997, 2004, 2007) e Luigino Bruni (2009) por terem esclarecido quais alternativas ao modelo neoliberal, além de terem identificado uma função importante para a sociedade civil e o bem comum.[11] A contribuição desses dois especialistas também é essencial para compreender a condição de sujeição das ordens políticas à dinâmica econômica e, em particular, como as democracias deixaram o Estado social indefeso diante dos paradoxos do mercado. A Stefano Zamagni e Luigino Bruni devemos muita pesquisa sobre o chamado terceiro setor, ou seja, organizações e empresas sem fins lucrativos, além daquele segmento do tecido econômico, que eles chamam de “civil” agindo nem como eticamente neutro (ou asocial) nem anti-social. Como Bruni e Zamagni escrevem, os sujeitos da economia civil são capazes de uma ética que cria não apenas reuniões civilizadas, mas também civilizadoras que buscam a felicidade pública.
Em um contexto histórico como o atual, onde as políticas sociais são obrigadas a um mínimo ou completamente apagadas pelos Estados em crise, vale a pena perguntar como contribuir para a coesão social e lidar com emergências. A subsidiariedade aponta o caminho para além dos governos.
Matteo Laruffa, PhD em Política na Alumnus Harvard University
Biografia:
[1] Draghi Mario, Non c’è vero sviluppo senza etica, L’osservatore romano, 9 luglio 2009.
[2] Rosmini Antonio, Della naturale Costituzione della società civile, Filosofia della politica, 1887.
[3] Paolo VI, Lettera enciclica Octogesima adveniens, 1971, n. 42.
[4] Paolo VI, Lettera enciclica Populorum progressio, 1967, n. 14.
[5] Benedetto XVI, Lettera enciclica Caritas in veritate, 2009, n. 45.
[6] Sen Amartya, Etica ed economia, Laterza, 2009, p. 37.
[7] Ibidem.
[8] Sugden Robert, Beyond sympathy and empathy: Adam Smith’s concept of fellow-feeling, Economics and Philosophy, Cambridge University Press, vol. 18(01), 2002, p. 71.
[9] Easterlin Richard, Does economic growth improve human lot? Some empirical evidence, Nation and Households in economic growth: Essays in honor of Moses Abromowitz (a cura di P.A. Davis e M.W. Reder), Academic Press, 1974.
[10] Cavanaugh William, Being Consumed: Economics and Christian Desire, Grand Rapids, MI: Eerdmans Publishing, 2008.
[11] Per maggiori informazioni, si invita alla consultazione di: Zamagni Stefano, Bruni Luigino, Dizionario di economia civile, Roma: Città Nuova, 2009. Zamagni Stefano, L’economia del bene comune, Roma: Città Nuova, 2007.
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