Com uma média de 70 voluntários e 130 benfeitores, até o momento, o Projeto “Shalom Amigo dos Pobres” pode ser considerado a “nova lanchonete” da Comunidade, em São Paulo.
A avaliação é feita por Roberto Loyola, ex-coordenador do Ministério de Promoção Humana, no Shalom-SP, e um dos que estiveram à frente do projeto desde o seu início, em abril deste ano.
Apesar de parecer exagerada, para Roberto, a comparação tem sua razão de ser, já que, assim como aquela despretensiosa lanchonete ajudou a cativar jovens, engajando-os na evangelização, no início da Comunidade, em Fortaleza, o voluntariado do “Shalom Amigo dos Pobres”, na Capital Paulista, tem atraído a atenção de cada vez mais pessoas que antes não conheciam esse trabalho de evangelização.
Ao todo, desde o início de abril até o final do mês passado, foram 10.341 refeições, 5.938 garrafas de água e 3,5 toneladas de alimentos distribuídas. Nos meses de agosto e setembro, época do inverno e de muito frio nas ruas paulistanas, também foram entregues 238 cobertores.
Mas, apesar dos números, o foco do projeto não está em contabilizar as marmitas distribuídas, mas na quantidade de amigos que cada voluntário pode fazer entre aqueles que moram nas ruas. “Estamos vivendo um período tão sofrido, algo tão presente nas notícias e nas relações, que a partir do momento que podemos ir ao encontro do outro e passar um pouco de consolo e caridade, conseguimos expressar a nossa fé, como diz São Paulo”, explica.
O início do Projeto
O projeto teve início com o despertar sentido pelo coordenador apostólico da Comunidade Shalom, em São Paulo, Thiago Hummel, após assistir uma notícia na TV. No turbilhão de medo e isolamento que a sociedade se confinava, naquele início de quarentena devido à pandemia, o repórter televisivo ouvia e gravava a frase resignada de um morador de rua: “se eu morrer, ninguém vai sentir falta”.
Naquelas palavras, Thiago ouviu a voz do Cristo desamparado que, além de estar exposto ao risco de um vírus perigoso e inesperado, a partir daquele isolamento decretado, estava entregue ao abandono das ruas desertas e à espera de uma sociedade que superasse o próprio medo para lhe dar um prato de comida.
A confirmação desse impulso espiritual do projeto, o próprio Roberto pôde ouvir mais tarde, de forma simples, mas impactante, quando entregava uma marmita a um homem, debaixo de um viaduto, que faminto, lambia um resto ínfimo de alimento em um pedaço de papel. “Ao receber a marmita, ele me olhou e disse: ‘foi o Céu que trouxe essa comida pra mim’. Isso mexeu muito comigo”, conta.
A partir da inspiração de Thiago e com a adesão de outros membros da Comunidade e da Obra Shalom, o projeto teve início com o nome de “Fome Covid” e aconteceu, primeiramente, de forma isolada, com voluntários que arrecadavam mantimentos e produziam marmitas para distribuir aos irmãos de rua que estavam perto de suas casas.
Depois, a ação foi centralizada no Centro de Evangelização Perdizes, no bairro do mesmo nome, em SP. Desde agosto, no entanto, com a orientação da Coordenação Geral em Fortaleza, que já estava realizando um projeto semelhante, o nome foi unificado para “Shalom Amigo dos Pobres”.
Loyola conta ainda que, no início, eram distribuídas cerca de 300 marmitas por semana. Mas, aos poucos perceberam que, com essa quantidade, era necessário “correr” de um local para outro para poder distribuir tudo.
Então, reduziram a quantidade para 100 marmitas por semana e acabaram por limitar o local de atuação nas proximidades do metrô Marechal Deodoro, perto do Centro da cidade. Tudo para que houvesse maior tempo para o diálogo e aproximação. “A presença constante gera o contato, o vínculo, de ouvir, de ter proximidade. Com isso, essas pessoas vão se abrindo e há uma esperança de mudar de vida”, justifica.
Uma nova chance
Nesse contato mais próximo, de saber o nome e rezar por esses irmãos de rua é que alguns desabrigados acabaram reencontrando suas famílias. Um deles é um rapaz de nome Fernando, de São José do Rio Preto, que já havia sido preso e agora perambulava pela conhecida “Cracolândia”, no Centro de São Paulo.
Com a proximidade e o contato, ele manifestou o desejo de deixar o uso de drogas, sendo então encaminhado para a casa de triagem da missão Aliança de Misericórdia, em Rio das Pedras. “Depois, ele acabou voltando para a casa da mãe dele”, acrescenta Roberto.
Outro caso foi o de Fabiano. Há 17 anos, ele não via a mãe, que morava em Itaquaquecetuba. Com o contato, ele disse que gostaria de revê-la. “Levamos o Fabiano até lá e também uma cesta básica para a mãe dele. Ela disse que não acreditava na recuperação do filho, porque ele já havia passado mais de 30 vezes por clínicas de reabilitação. Depois viajaram para o Nordeste, onde mora o padrasto. De qualquer forma, ele teve uma nova chance retomada”, relata.
Roberto diz ser essa esperança de dignidade o verdadeiro sentido do projeto, pois o objetivo não é apenas dar comida aos outros, mas dar o próprio Deus. “E é com essa motivação que, mesmo com receio e insegurança, mas também com a percepção de que algo precisa ser feito, que você vai ao encontro desses irmãos”.
Para ele, toda essa ação poderia ser resumida nas palavras de Santa Teresa de Calcutá: “Você supõe que eu poderia praticar a caridade sem pedir a Jesus diariamente para infundir seu amor em mim. Sem Deus, somos muito pobres para ajudar os pobres”.