A morte desde o princípio foi discutida como um tema de inúmeras indagações, impasses e angústias envoltas de enigmas, resistências, curiosidade, e diferentes repercussões, e por mais que se tente evitá-la, em algum momento, ela chega e faz presença. Sendo assim, a morte é um acontecimento natural, embora em muitos momentos, de difícil aceitação. Com isso, o enlutado em certas circunstâncias encontra-se vivenciando seu processo de luto de modo isolado ou impelido a abandonar antes de sua elaboração (Sousa, 2016).
No entanto, pensar na morte, e enfrentá-la é pensar na vida e vivenciá-la. Por este ângulo, a morte desperta para a compreensão da finitude e da limitação existencial, acenando para profundas indagações ontológicas. Para tanto, a morte é algo inerente à existência humana, logo é essencial refletir e enfrentar as aversões sobre ela, uma vez que pode ser concebida de modo aceitável ou tratá-la como inimiga a ser combatida (Kovacs, 2010). Nos dias atuais, a sociedade tecnológica moderna desencadeou a tendência de negar a morte, distanciando dos processos de luto e dificultando, assim, a adaptação à perda. Diante disso, com os avanços médicos, vem-se comprometendo o processo do luto, desviando a morte da realidade do cotidiano e, ao mesmo tempo, confrontando as famílias com decisões sem precedentes para prolongar ou terminar a vida (Walsh, 2005). Neste aspecto, o morrer e o modo de como é vivenciado carecem ser reconhecidos como objeto ou processo de trabalho em saúde (Santos & Moreira, 2013).
Como reforça Kovács (2014), a morte é parte fundamental da existência humana. Não obstante, seja um fato complexo na história de qualquer pessoa, e da família propriamente dita, entende-se como um episódio doloroso de ser experimentado. Sendo assim, a morte se tornou um evento distante, asséptico, silencioso e solitário, sem espaço para a expressão do sofrimento e para seus rituais.
Com a evolução técnica no campo da saúde instituiu-se um ambiente desumano, num contexto que as tecnologias avançadas ganham mais espaços que outras dimensões, por exemplo, no âmbito emocional. Como consequência a dignidade humana ficar em segundo plano, a desapropriação da morte na era moderna faz com que as pessoas distanciem em seu processo de morrer, dificultando a elaboração do luto, devido à sua perda de autonomia e consciência (Kovács, 2014).
Percebe-se que, atualmente, a morte em muitos momentos é assimilada como um tabu. Todavia, é interpretada singularmente por civilizações distintas, pois para cada realidade envolve culturas, religiões, rituais e crenças diferentes. Portanto, a finitude possui valores e características bem peculiares que precisam ser compreendidos especificamente (Basso & Wainer, 2011). Algumas culturas já exercitam a elaboração do luto, vindo a ser oferecidos suportes às famílias enlutadas em prol de readquirir a administração das emoções e minimizar a dor da perda (Walsh, 2005).
Nicholas (2015) afirma que o episódio da morte no sistema familiar é afetado nos aspectos biopsicossociais que, por sua vez, torna-se evidente a necessidade de seus membros serem assistidos e incluídos na unidade de cuidados. Consequentemente, as famílias que enfrentam o luto são definidas como pacientes de segunda ordem. Nisto, as mesmas também passam por modificações, sejam na dimensão emocional e na vida social, sejam nas práticas realizadas e nas experiências compartilhadas.
Assim, a perda de uma pessoa significativa na maioria dos casos provoca nos familiares uma tristeza de tal ordem que requer um período de expiação vivenciado por cada integrante da família de modo muito particular. Portanto, a ausência do membro familiar por imposição da morte é exclusiva, pessoal, singular e nela comporta uma complexidade de sentimentos, pensamentos e interpretações, vindo a desencadear sentimentos negativos variados. Diante disto, se faz fundamental que haja a elaboração desta perda.
Nesse aspecto, o luto é um conjunto de reações diante de uma perda, relacionado ao processo vivenciado e não um estado do momento. Assim, o luto é um processo natural e faz parte do ciclo vital da existência humana, e para isso, cabe um tempo para sua elaboração. Neste aspecto, o termo luto encontra-se relacionado aos processos psicológicos e psicossociais provocados pela perda de uma pessoa significativa, vivido tanto individualmente como no contexto familiar (Souza, 2016).
Cristina Maria Brilhante da Silva
Possui Graduação e Pós-graduação em Psicologia e é Doutora em Psicologia na PUC-GOIÁS, na linha de pesquisa Psicologia da Saúde
Retirado da Tese: Morte e Câncer de Pulmão: Um estudo de resiliência em famílias enlutadas
REFERÊNCIAS
SOUSA, L. E. E. M. (2016). O processo de luto na abordagem gestáltica: contato e afastamento, destruição e assimilação. Revista IGT na Rede, v. 13, nº 25, p. 253 – 272. Disponível em http://www.igt.psc.br/ojs ISSN: 1807-2526.
KOVÁCS, M. J. (2010). A morte no contexto escolar: desafio na formação de educadores. Em M. H. P. Franco (Org.), Formação e rompimento de vínculos: O dilema das perdas na atualidade (pp. 145-168). São Paulo, Summus.
WALSH, F. (2005). Fortalecendo a resiliência familiar. São Paulo: Roca.
SANTOS, S. M. R.; LACHARITÉ, C.; ARRUDA, S. P.; LERCH, L. V.; LUNARDI, F. W.D.(2009). Processos que sustentam a resiliência familiar: um estudo de caso. Texto & Contexto Enfermagem, vol.18, núm.1, enero-marzo, pp.92-99.
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