O impacto da informação sobre a pandemia
O tema do dia, “a informação como bem público”, afirma o site da Unesco, “é de relevância urgente para todos os países do mundo”, pois é preciso reconhecer “a mudança que o sistema de comunicação está causando em nossa saúde, nos direitos humanos, nas democracias e no desenvolvimento sustentável”.
O jornalismo é a vacina contra a infodemia
“Em tempos da Covid-19 é mais claro do que nunca que o acesso a informações confiáveis pode ser uma questão de vida ou morte. No entanto, a crônica se tornou uma odisseia cotidiana. O jornalismo é a vacina contra a infodemia, (ou seja, a circulação de uma quantidade excessiva de informações, às vezes não cuidadosamente verificadas). “Vamos protegê-lo”, escreve o Serviço de Ação Externa da União Europeia num tuíte. O jornalismo é a “vacina principal” contra a desinformação, reitera o último relatório dos Repórteres sem Fronteiras, que mostra que em mais de 130 países a imprensa está “total ou parcialmente bloqueada”.
Todos nós somos responsáveis pelo que comunicamos
O prefeito do Dicastério para a Comunicação, Paolo Ruffini, falou sobre o tema “informação como bem público” como convidado do programa “Rádio Vaticano com você”. Confira um trecho da entrevista, abaixo:
Ruffini: Dizer que a informação é um bem público significa que nós somos o que comunicamos. Diz-se que a informação é poder, porque com base nas informações que recebemos e compartilhamos, formamos opiniões, e se as informações não são livres e não são controladas, o bem público de compartilhar a verdade se perde. É claro que não há verdade se não há liberdade e não há liberdade se não há responsabilidade. Dizer que a informação é um bem público significa que todos nós estamos de alguma forma envolvidos em garantir que haja informação plural, mas também que a informação se baseia na construção de um valor comum, de um bem comum, que é dado pela verdade das coisas que compartilhamos. Garantir a liberdade de imprensa significa garantir um sistema onde há liberdade. Claro que há também a liberdade de cometer erros, mas o que nos une é o desejo de compartilhar informações verdadeiras para o bem público.
Este ano, com a pandemia, percebemos o quanto a informação também está ligada à saúde pública, porque a informação correta sobre a pandemia também está intimamente ligada à assimilação de comportamentos que tivemos que adotar. Qual foi o papel da informação neste sentido este ano?
Ruffini: Vamos imaginar como teria sido este ano sem informação. Pensemos nos períodos de confinamento como teriam sido sem a possibilidade de comunicar; como as notícias descontroladas teriam circulado e como este aspecto relacional de compartilhar informações, que faz parte de nosso ser humano, teria faltado. Por outro lado, percebemos também a quantidade de informações falsas que circularam e também a dificuldade de orientar os processos de informação com relação ao desejo de cada um de nós de querer saber tudo e imediatamente, o que não é tão fácil, porque a informação para ser completa requer tempo. Como a informação pode nos ajudar a sair da pandemia? Volta ao conceito de antes. A saúde é um bem público. A informação é um bem público. Compartilhar informações precisas e falsificar informações falsas é um compromisso que deve envolver, na era digital, cada um de nós e não pensar que existe a possibilidade de delegar a outros. Normalmente, desta forma, caminhamos para regimes totalitários. Faz parte da responsabilidade dos jornalistas e também dos leitores. Na era digital compartilhamos informações que muitas vezes não nos damos ao trabalho de verificar e com isso somos talvez portadores “saudáveis” de um vírus diferente da Covid, que é o vírus da má informação. Pensar que isto pode ser delegado a um “controlador vigilante” da verdade ou da falsidade das notícias tem seus próprios riscos, que são os de limitar a liberdade de imprensa. Portanto, acredito que a pandemia nos ensina que, para combater a “pandemia da desinformação, todos nós devemos ser responsáveis“.
Também porque é necessário de certa forma “reaprender” a espera entre a notícia do evento e sua recepção. Costumávamos ler no jornal o que tinha acontecido no dia anterior e agora tudo é instantaneamente comentado, assimilado e partilhado em tempo real. Há cada vez menos tempo para esse papel de mediação, que é um dos principais papéis da imprensa.
Ruffini: Devemos sempre verificar o reflexo com a reflexão, isso vale tanto para a imprensa quanto à mídia profissional e eu insisto em dizer “todos nós”, porque somos todos, mesmo os não profissionais, protagonistas deste mundo digital da informação. Estamos acostumados a não querer esperar pelo tempo que serve, como se a vida fosse um “game on” o um “game over”, tudo muito rápido ou instantâneo, mas na realidade, além da velocidade das notícias, há também a necessidade de uma análise profunda, há a necessidade de verificação. É preciso estar ciente disso. No final, é necessário que todos aprendamos regras.
Há outro aspecto e aqui eu cito as palavras do Papa em sua última mensagem para o Dia das Comunicações Sociais a respeito da gestão da relação entre informação e pandemia. O Papa fala sobre a importância de ir ver as coisas, de estar presente. “Quem nos contará sobre a espera de cura nas aldeias mais pobres da Ásia, América Latina e África”, escreve ele, para enfatizar que existe o risco de um duplo nível de informação, o primeiro centrado nos países ricos nos quais é ainda mais fácil dar informação, deixando de fora o resto do mundo.
Ruffini: Há algo de paradoxal neste mundo globalizado no qual a pandemia tem mostrado como somos interdependentes uns dos outros, mesmo daqueles que nos parecem muito, muito distantes. Neste paradoxo, facilmente nos iludimos de que podemos delinear tudo em nossa história, na narração de nossas vidas e, portanto, que podemos contar a pandemia apenas para os países desenvolvidos ou que podemos falar da crise econômica apenas para nosso país, ou melhor, talvez para a nossa região de nosso país. Este não é o caso, e isto também faz parte da responsabilidade. Ainda a respeito da liberdade de imprensa, o teólogo Bonhoeffer disse que “liberdade e responsabilidade são conceitos correlativos” e, portanto, a responsabilidade, à qual o Papa nos convida com sua mensagem, é a de ir ver aonde ninguém quer ir, porque se não formos não entendemos e se não entendemos a história que contamos é falsa. No final, isso também é míope no que diz respeito às coisas que são mais importantes para nós, porque não podemos apenas cuidar de nós mesmos nos separando do outro, porque no final também nos machucamos.
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