Por um lado, a “perplexidade devido à incerteza do trabalho”, por outro, o “medo causado pelos custos cada vez menos sustentáveis para a criação dos filhos” e a “tristeza” para as mulheres “que no trabalho são desencorajadas a terem filhos ou têm que esconder a barriga”. Tudo isso são “areias movediças que podem afundar uma sociedade” e contribuem para tornar ainda “mais frio e escuro” aquele inverno demográfico que agora é constante na Itália. O Papa Francisco abriu os trabalhos dos Estados Gerais da Natalidade, encontro promovido pelo Fórum das Associações Familiares no Auditório da Conciliação e dedicado ao destino demográfico da Itália e do mundo.
Presente o primeiro-ministro italiano, Mario Draghi
O Pontífice chegou pontualmente por volta das 9h ao Auditório de Santa Cecília situado a poucos passos da Praça São Pedro, seguido pelo primeiro-ministro, Mario Draghi. No palco estavam oito crianças que o acompanharam durante todo o encontro. Na primeira fila, a prefeita de Roma, Virginia Raggi, o presidente da Região do Lazio, Nicola Zingaretti, e o embaixador italiano junto à Santa Sé, Pietro Sebastiani. O presidente do Fórum das Associações Familiares, Gigi De Paolo, abriu o encontro e Draghi interveio imediatamente, iniciando a série de discursos dos convidados a três mesas temáticas: representantes de bancos, empresas, seguradoras, mídia e esporte, todos reunidos para um debate sobre o tema da natalidade num país que, em 2020, houve uma redução de 30% dos nascimentos.
Metade dos jovens acredita que terá apenas dois filhos
É precisamente esta tendência que precisa ser “revertida” para “colocar a Itália novamente em movimento a partir da vida, a partir do ser humano”, disse o Papa Francisco no início de seu discurso, no qual ele dirige seu pensamento sobretudo aos jovens cujos sonhos foram desfeitos no gelo deste inverno rigoroso, desanimados a tal ponto que “a metade acredita que conseguirá ter apenas dois filhos em sua vida”.
“A Itália está assim há anos com o menor número de nascimentos na Europa”, observou o Pontífice, “no que está se tornando o Velho Continente não mais por causa de sua história gloriosa, mas por causa de sua idade avançada”.
Todos os anos é como se uma cidade de mais de duzentos mil habitantes desaparecesse. Em 2020, houve o menor número de nascimentos desde a unidade nacional: não apenas por causa da Covid, mas por uma tendência contínua e progressiva de queda, um inverno cada vez mais rigoroso.
Pais divididos entre casa e trabalho, avós salva-vidas
O Papa citou o presidente da República Italiana, Sergio Mattarella, quando reiterou que “as famílias não são o tecido conjuntivo da Itália, as famílias são a Itália”. Ele então voltou seu olhar para a realidade das muitas famílias que nestes meses de pandemia “tiveram que trabalhar horas extras, dividindo a casa entre trabalho e escola, com pais agiram como professores, técnicos de informática, operários e psicólogos”. Sem esquecer os “sacrifícios” exigidos aos avós, “verdadeiros botes salva-vidas para as famílias”, bem como “memória que nos abre para o futuro”.
Triste ver mulheres obrigadas a esconderem a barriga no trabalho
Falando de paralisia, o Papa criticou a situação em que tantas mulheres se encontram no local de trabalho, com medo de que uma gravidez possa resultar em demissão, a ponto de chegar a esconder a barriga.
Como é possível que uma mulher se sinta envergonhada pelo presente mais bonito que a vida pode oferecer? Não a mulher, mas a sociedade deveria se envergonhar, porque uma sociedade que não acolhe a vida deixa de viver. Os filhos são a esperança que faz um povo renascer”!
Agradecimento pelo subsídio único
O Bispo de Roma agradeceu a aprovação do subsídio único para cada filho. A esperança é que “este subsídio vá ao encontro das necessidades concretas das famílias, que tantos sacrifícios fizeram e estão fazendo, e marque o início das reformas sociais que colocam os filhos e as famílias no centro”.
Se as famílias não estiverem no centro do presente, não haverá futuro; mas se as famílias recomeçam, tudo recomeça.
A primazia do dom
O cenário é difícil e o futuro incerto, mas o Papa Francisco vê uma “primavera” no horizonte. Para alcançá-la, ele oferece três “pensamentos”. Primeiramente, o “dom”:
“A falta de filhos, que causa o envelhecimento da população, afirma implicitamente que tudo termina conosco, que somente os nossos interesses individuais contam”. A “primazia do dom” tem sido esquecida, especialmente nas sociedades mais abastadas e consumistas. “Na verdade, vemos que onde há mais coisas, muitas vezes há mais indiferença e menos solidariedade, mais fechamento e menos generosidade”.
Sustentabilidade geracional
O segundo pensamento é a sustentabilidade. A sustentabilidade econômica, tecnológica e ambiental, é claro, mas também a “sustentabilidade geracional”. “Não poderemos alimentar a produção e proteger o meio ambiente se não estivermos atentos às famílias e aos filhos. O crescimento sustentável vem daqui”, disse o Papa Francisco, mas é sobretudo a história que nos ensina isto com a reconstrução do pós-guerra. “Não houve reinício sem uma explosão de nascimentos”. E ainda hoje, na “situação de reinício” em que nos encontramos por causa da pandemia, “não podemos seguir modelos de crescimento míopes, como se para nos prepararmos para o amanhã fossem necessários apenas alguns ajustes apressados”. Não, os números dramáticos dos nascimentos e os números assustadores da pandemia exigem mudança e responsabilidade”.
Na escola amadurecem “rostos”, não “notas”
O Papa questionou a escola que “não pode ser uma fábrica de noções a serem derramadas sobre indivíduos”, mas sim “um momento privilegiado de encontro e crescimento humano”. Na escola, não são apenas “notas”, mas “rostos” que amadurecem, porque “para os jovens é essencial entrar em contato com modelos elevados, que formam tanto corações quanto mentes”.
É triste ver modelos que só se preocupam em aparecer, sempre bonitos, jovens e em forma. Os jovens não crescem graças aos fogos de artifício da aparência, eles amadurecem se atraídos por aqueles que têm a coragem de perseguir grandes sonhos, de sacrificar-se pelos outros, de fazer o bem ao mundo em que vivemos. E manter-se jovem não vem de fazer selfie e retoques, mas de ser capaz de refletir-se um dia nos olhos dos filhos.
De fato, às vezes, “se passa a mensagem de que realizar-se significa ganhar dinheiro e ter sucesso, enquanto os filhos parecem quase uma distração, que não deve dificultar as aspirações pessoais”. Esta mentalidade é, segundo Francisco, “uma gangrena para a sociedade e torna o futuro insustentável”.
Solidariedade estrutural
A terceira palavra é “solidariedade”. Uma solidariedade “estrutural”, ou seja, não ligada à emergência, mas estável para as estruturas de apoio às famílias e de ajuda aos nascimentos.
Em primeiro lugar, são necessárias políticas familiares abrangentes e clarividentes: não baseadas na busca de consenso imediato, mas no crescimento do bem comum a longo prazo. Aqui está a diferença entre administrar os assuntos públicos e ser bons políticos. É urgente oferecer aos jovens garantia de emprego suficientemente estável, segurança para a casa e incentivo para não deixar o país.
Economia, empresas que promovem vidas e não apenas lucros
Esta tarefa também diz respeito à economia: “Como seria bonito ver um aumento no número de empresários e empresas que, além de produzir lucros, promovem vidas, que estão atentos a nunca explorar as pessoas com condições e horários insustentáveis, que chegam ao ponto de distribuir parte dos lucros aos trabalhadores, na ótica de contribuir para um desenvolvimento impagável, o das famílias”, exclamou o Papa. “É um desafio não só para a Itália, mas para tantos países, muitas vezes ricos em recursos, mas pobres em esperança”.
Formar informando: uma informação “formato família”
A solidariedade também é declinada no campo da informação, especialmente hoje, quando “as últimas tendências e palavras fortes estão na moda”. Por outro lado, o critério “para formar informando não é a audiência, não a polêmica, mas o crescimento humano”. Em outras palavras, o que é necessário é “uma informação em formato família”, onde se fala dos outros “com respeito e delicadeza, como se fossem seus próprios parentes”, mas que, ao mesmo tempo, “traz à tona os interesses e tramas que prejudicam o bem comum, as manobras que giram em torno do dinheiro, sacrificando famílias e as pessoas”.
“Sem natalidade não há futuro”
Em conclusão, uma palavra simples e sincera: “Obrigado”. “Obrigado a cada um de vocês e a todos aqueles que acreditam na vida humana e no futuro.” Às vezes vocês terão a sensação de gritar no deserto, de lutar contra moinhos de vento. Mas vão em frente, não desistam, porque é bonito sonhar o bem e construir o futuro. E sem natalidade não há futuro”.