A experiência de ser profissional de saúde neste tempo tem sido bem desafiante, pois tenho experimentado, de fato, do que se fala tanto sobre “a permissão de Deus”. Na primeira onda, pude me ‘proteger’, ainda estava terminando a faculdade e não trabalhava na saúde, então, podia escolher estar em casa e com as proteções necessárias.
Havia passado em um processo seletivo do Hospital Regional do Cariri, e, em janeiro, fui convocada. Como aparentemente estava muito mais calmo, decidi assumir essa vaga e entrei ‘na aventura’. Os hospitais de campanhas começaram ser inutilizados, sinais que as coisas estavam melhorando.
Quando eu menos esperei, uma segunda onda, assim, as seguranças se foram, e agora não havia como voltar atrás. O desespero bateu inicialmente. Dentro de mim, questionamentos, medo de contaminar quem eu amo e de adoecer. Via agora a face do vírus. Não mais tinha uma face de idosos esquecidos, vi também nos jovens cheios de vida, pobres, ricos, obesos, atletas, parentes de amigos, profissionais de saúde e até irmãos de comunidade que moraram comigo quando estava em missão. Fora isso, existe um povo que trabalha e que convive comigo que perdeu pai e mãe para a COVID, pessoas cansadas e sem esperança. Foi aí que me veio um ‘estalo’: preciso ser sinal de esperança, pois acredito essa ser a marca dos que creem e tiveram experiência com Deus.
Chegou a quaresma, foi o tempo que decidi me unir a Jesus, já sem conseguir parar para rezar, pois o cansaço tem sido o protagonista dos meus dias, todos eles. Em cada rosto eu pedia a Deus pra amenizar o sofrimento, fico sufocada ao ver alguém querendo só respirar, tão simples isso, né?! Na Semana Santa, todos os dias assistia ao retiro e saia pra trabalhar, eram tantas vidas, pessoas, famílias sendo crucificadas ao mesmo tempo, mas era revigorada pela espera do Domingo de Páscoa.
Depois de viver tudo isso, tive uma experiência fantástica. Estava em um plantão de 12h no domingo da misericórdia, arrasada porque só conseguir assistir a missa ‘meia boca’ em meio aos afazeres do trabalho, na correria, no hospital, subindo e descendo entre as UTI’s COVID e a emergência.
Saí do plantão exausta e me deparo com o Padre da Comunidade Aliança de Misericórdia conduzindo uma adoração na entrada do Hospital. Desci correndo, me ajoelhei ligeiro aos pés do Senhor e pedia a Ele por aquele povo, pelas famílias, quando o padre proclamou: ‘E aos funcionários deste hospital eu digo, o Senhor luta conosco, estamos em uma batalha, vocês trabalhando, nós rezando, somos Igreja!’.
E ali toda a minha culpa de não conseguir rezar tanto, foi sendo justificada, e eu dizia a Deus, essa Senhor, é minha oferta de amor, e hoje mais que nunca, mesmo que cansada procuro ver Deus em todas as coisas dentro do hospital. É doído, mas é muito real, eu vejo muitos Lázaros, dentro do hospital, isso aumenta em mim a esperança.
Sou muito mais que feliz na forma que escolhi amar a Deus e ao próximo como a mim. Rezem por nós, somos sustentados por isso, acreditem.
Naira Hamony
Profissional da Saúde na Pandemia – Enfermeira