Deus não morreu ! Diferentemente do que anunciou o filósofo alemão Friedrich Nietzsche em sua obra “Assim Falou Zaratustra” Berguer afirma logo no prefácio de seu mais recente livro que “a teoria da secularização baseada na ideia de que a modernidade acarreta necessariamente um declínio da religião […] não pode mais se sustentar diante da evidência empírica“. Mas, qual será esta evidência empírica?
Trata-se do evidente fato de que neste tempo de crise da modernidade o interesse das pessoas por Deus está num crescendo.
Mas as instituições religiosas, as grandes religiões do mundo, enfrentam sob a ótica do autor, atualmente, uma crise de aceitação e adesão. A sociedade vive um processo de desinstitucionalização profundo e Berguer aponta um motivo para isso: o pluralismo religioso, com consequente coexistência de diferentes discursos religiosos e formas de crer.
Um Deus misterioso e absoluto numa realidade relativizada
Rahner diz, no seu livro “Curso Fundamental da Fé”, que todo discurso sobre Deus só pode acontecer através de exemplificações, comparações, metáforas, símiles, alegorias e parábolas.
O Cristianismo apresenta Deus como um mistério que só podemos conhecer porque Ele teve a iniciativa de se autorevelar na história humana.
O teólogo jesuíta conclui que a alteridade de Deus não pode ser captada e explicada pelo campo cognitivo do homem, por isso não tem como provar sua existência a partir de critérios da razão materialista, nem fazer nenhum tipo de afirmação categórica sobre sua essência.
Essa verdade do Cristianismo, numa sociedade pluralista como a contemporânea, se depara com “uma situação social na qual pessoas de diferentes etnias, cosmovisões e moralidades vivem juntas pacificamente e interagem amigavelmente“.
Nesse sentido, para conviverem pacificamente com cosmovisões diferentes é preciso que se desencadeie na sociedade uma dinâmica de conversação constante. Essa convivência, entretanto, não acontece sem consequências: os indivíduos se influenciam mutuamente, gerando um relativismo prático. É ele quem possibilita o diálogo. Sem ele haveria apenas a via do confronto. Ou seja, as pessoas continuam a falar umas com as outras, a interagir, a se respeitar, independentemente de pensarem diferente sobre assuntos diversos em seu quotidiano e sofrem o que Berguer chama de “contaminação cognitiva” como uma condição/experiência permanente.
O perigo do relativismo e do fundamentalismo
Através das mídias, difunde-se uma cultura global, que atende aos interesses externos, massificando a população e tratando de elementos culturais comercialmente, organizados de acordo com interesses outros e potencialidades de consumo. Isso favorece a “contaminação cognitiva“, que citamos anteriormente, e pode gerar dois problemas distintos, mas igualmente nocivos: o relativismo e o fundamentalismo.
Quando o relativismo prevalece, a verdade é desconstruída e a liberdade acaba sendo compreendida enquanto aceitação de atitudes e comportamentos individuais, reduzindo a responsabilidade com o outro. Integração e participação comunitárias, bem como, responsabilidade pela sociedade tornam-se secundárias e também relativizadas. Além disso, cresce o sentimento de insegurança nos indivíduos, pois o rompimento das cosmovisões contradizem aquilo que se acreditava e se colocava como segurança, abrindo-se um leque para escolhas infinitas, que vai desde a escolha do que se é (identidade) até a escolha do que se acredita (fé).
Se vivemos num mundo em que nada é certo, no qual não há mais grandes estruturas confiáveis para dizer como se deve viver, o poder institucional sofre um grande abalo em seus alicerces. É de certa forma o que vivemos hoje com a desinstitucionalização e o fortalecimento das individualidades, que geram o individualismo.
Já o contrário do relativismo, mas tendência igualmente negativa, é o fundamentalismo, que balcaniza uma sociedade, levando-a a um conflito permanente ou à coerção totalitária. O fundamentalista é nocivo à sociedade, porque tenta ignorar a informação que lhe causa dissonância, negando a validade da informação recebida, busca eliminar de cena os portadores da informação diferente. Ele busca a conversão do outro, não o diálogo, podendo até matá-lo, se necessário for, para afirmar a sua verdade.
Encontrar o equilíbrio é o grande desafio. A partir do estudo de Berguer, sabe-se que a resposta a esse desafio se encontra numa dimensão kenótica, que levará ao diálogo a partir dos fundamentos da fé.
A Encarnação como caminho para comunicar Deus
A partir do encontro com o Cristo Vivo, o cristão traz em si a continuidade do plano de Deus, crescendo em objetividade, aprofundando sua capacidade de expressão e exercendo os múnus profético, sacerdotal e real.
Tendo a sua frente os “sinais dos tempos” apresentados pela história (conhecimento da dinâmica do mundo em que vivemos), vive no mundo a evangelizar e servir, numa “nova evangelização”, em que o serviço, o diálogo, o anúncio e o testemunho de comunhão são permanentes no processo de inculturação e diálogo inter-religioso.
Para Sobrino, a evangelização e o seguimento de Jesus estão intrinsecamente ligados: sem evangelização, não se pode afirmar que existe seguimento, pois este exige compromisso com o anúncio da Boa Notícia.
A Igreja, para o autor, só evangeliza quando – como realidade histórica, fruto da livre iniciativa de Deus e da livre resposta dos homens para a vida na comunhão trinitária como filhos -, tem um seguimento radical de Cristo. Seus membros precisam estar inseridos no mundo, no seu tempo histórico, e participarem na vida da Igreja em corresponsabilidade com sua missão e nas diversas funções (sacerdotal, profética e régia).
Esta opção pelo seguimento radical de Jesus implica assumir seu amor preferencial pelos pobres, que traz como consequências o esquecimento de si e o esvaziamento por parte do evangelizador, assumindo as consequências do anúncio do Evangelho, que vai do serviço aos pobres até o martírio, em algumas circunstâncias.
Esse movimento precisa levar a uma prática pastoral que expresse a concretude da boa nova e seja transmitida ao seu destinatário com alegria e despojamento. O Espírito Santo une e diversifica os carismas, serviços e ministérios, de acordo com as necessidades do Corpo Eclesial. O amor ao próximo é testemunhado na solidariedade com o pobre e na vivência dos valores de liberdade, fraternidade, solidariedade e igualdade.
Num mundo sedento por testemunhos, a evangelização necessita de concretização, para que a verdade de Deus não fique num nível apenas de utopia, mas encontre ressonância na vida das pessoas e elas possam verdadeiramente fazer a experiência do amor incondicional de Deus.
Isso exige que o evangelizador ponha em sua vida a Boa Nova, através de suas opções práticas, e não apenas pela pregação, demonstrando com suas ações que o Evangelho é capaz de transformar o mundo. Assim, a Igreja toda missionária, tem sua identidade compreendida a partir de sua missão e opção pelo seguimento radical de Cristo.
Jesus Cristo, Deus que se humanizou, é o rosto que precisamos apresentar aos nossos contemporâneos neste cenário pluralista e secularizado. Ele nos revela o sentido da nossa humanidade. Por sua vida e pregação, gestos e opções, Jesus mostrou que para ele o sagrado era o próprio ser humano. E fez isso em diversas ocasiões em que não titubeou em relegar a segundo plano as normas religiosas em favor de um indivíduo que sofria, que necessitava ver elevada sua condição humana. Neste movimento, deslocou muitas vezes o lugar do sagrado da lógica religiosa (externa) para a vida cotidiana, real, humana (interna), veja-se o nobre exemplo da parábola do bom samaritano (Lc 10,25-37).
Nessa dinâmica, ele reconhece na carne do seu semelhante a transcendência divina: criado imagem e semelhança de Deus. Conclui-se, então, que o relacionamento com Deus não pode descartar o semelhante, o próximo, nem ignorar as suas condições de vida ou ser-lhe indiferente. O culto a Deus deve estar unido ao cuidado com o irmão.
Ao nos encontrarmos com Deus verdadeiramente, nos encontramos com o seu projeto de vida, ao qual podemos aderir livremente. Saímos do “mundo das ideias”, onde Deus não se encontra, para buscá-lo onde deseja ser encontrado: no ser humano. Desta forma poderemos nos libertar do círculo fechado que o modernismo tentou nos prender, (e de certa forma, em alguns segmentos, conseguiu) o círculo do egocentrismo, do individualismo e da indiferença.
A alteridade ressurge como um valor a ser cultivado. De fato, o próximo é um lugar privilegiado de encontro com o Deus revelado em Jesus Cristo. E se podemos afirmar que o verdadeiro cristianismo está identificado com o assumir o projeto de Cristo, que é o projeto de Deus para a humanidade, a saber, a instauração do Reino de Deus, podemos, da mesma forma, afirmar que aí também encontramos o verdadeiro humanismo: o cuidado com a vida humana, com o próximo; o compromisso com a justiça; a preocupação com as condições sociais para que permita o pleno desenvolvimento humano, do homem todo e de todo homem; a responsabilidade para com a casa comum, para que não falte a esta geração, nem a futura, os bens naturais necessários para sobrevivência digna e tudo mais que o Evangelho nos propõe.
Andréia Gripp
Doutoranda em Teologia Pastoral pela PUC-Rio, jornalista e Consagrada na Comunidade de Aliança Shalom.
Serviço:
Curso on-line de Cristologia “Por Cristo, Com Cristo, Em Cristo”
Lançamento: 10 de novembro de 2021
Inscrições: www.institutoparresia.org
Valor: R$119,90 (boleto, pix e cartão de crédito)
Sobre o Instituto Parresia
O Instituto Parresia tem a missão de contribuir com uma formação sistematizada e sólida, sendo um auxílio na construção da consciência, vivência e serviço dos católicos. Esse instituto da Comunidade Católica Shalom está organizado em três pilares: ensino, pesquisa e produção de conteúdo. Tem como objetivo a produção e difusão de conhecimentos sobre assuntos vitais para que se possa pensar a realidade de forma cristã e inovadora através de publicações eletrônicas e impressas.
Com a formação de caráter acadêmico, o conteúdo é oferecido principalmente de modo digital, no formato de videoaulas, podcasts, artigos, e-books e outros meios, em vista de alcançar um público, jovem e adulto, que sente necessidade de maior densidade reflexiva e embasamento teórico no seu processo de crescimento na fé aplicado às realidades temporais.
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