Dom José Aparecido, bispo auxiliar de Brasília, celebrou a Missa do último dia do Renascer e refletiu sobre o evangelho de Mc 10,28-31, sobre o chamamento de Jesus e renúncia do Seu seguimento.
Acompanhe a íntegra:
Queridos irmãos e queridas irmãs, o começo do evangelho toca o fundo do coração uma pequena menção que é feita no texto. Na primeira lista deixamos casa, pais, filhos, irmãos, irmãs, projetos por causa do evangelho; a promessa é receber cem vezes mais agora durante a vida e, no futuro, a vida eterna. Mas diante dessas renúncias falta o olhar do Pai, porque pai é um só e é Deus, Jesus mostra na sua instituição da família a um só pai de todos. E por que isso é tão importante e toca nosso coração?
Eu tenho um amigo que é padre coreano. Voltou para a cidade dele há mais ou menos 20 anos, mas este é o seu ministério. Ele me contava que as mulheres coreanas quando se tornavam mães perdem o nome próprio e passam a ser mãe do fulaninho. Na passagem do antigo testamento para a nova aliança, acontece algo semelhante: Deus era chamado como pai para os judeus em Israel, porém mesmo reconhecendo o amor de Deus como paterno e materno, ninguém se atrevia a o chamar de pai. Esse costume também existia nos povos de cultura semita: a mãe muda o nome por causa do filho, Deus de Israel, Adonai, Deus deixou todos esses nomes para se tornar pai de Jesus, pai da cabeça da nossa humanidade para que sejamos santos imaculados diante dEle por amor; perceber-se que Deus até mudou de nome, perceber que ele não é mais o iluminável, não é mais o deus dos exércitos, ele conserva as mesmas características porém agora para ser chamado de Pai. A casa no evangelho de Marcos é sinônimo de Igreja, não somente de lar mas também da Igreja.
Irmãos e filhos, nossa relação agora mudou totalmente, não procuramos mais inimigos, agora procuramos ser irmãos no meio de todos. Por isso é doloroso ver irmãos nossos, batizados como nós católicos e ortodoxos na Rússia e na Ucrânia, ali envolvidos numa guerra por diferenças de alguns, ou muitos que seja, mas que são povos unidos pela mesma fé, pela mesma etnia, pelo amor de Deus que os separou para si, agora sofrendo a dureza da violência da guerra. Por isso o Papa Francisco chorou com as notícias da guerra, por isso um padre brasileiro que está lá, disse: ‘eu não vou sair daqui, enquanto houver famílias e pessoas na minha paróquia’.
Quem deixa tudo por causa do Senhor e do evangelho – e vejam é muito bonito ver quem segue o oficio dos passos de Jesus -, “porque é importante ouvir essa palavra de mim, não só por causa do evangelho, porque ninguém é capaz de deixar tudo, inclusive deixar de ter família – para viver o celibato, por exemplo – por causa de um projeto de vida, onde um plano político, ninguém é capaz, se for é louco, mais louco que nós padres, porque não é possível a pessoa dar a vida por causa de um projeto, mas fora ainda a opção do Reino dos Céus por Cristo e por seu evangelho a complicação é muito maior. Mas por causa de um grande amor nos podemos fazer loucuras, loucuras que nunca pensamos, o amor apaixonado por Cristo nos leva a escolher o matrimônio com uma só pessoa para a vida toda, viver nossa vida como consagração ao amor indiviso a Deus que sumamente amado pela razão da nossa existência na vida consagrada. Quanto coisa bela Deus pode fazer na nossa vida; nós receberemos 100 vezes mais por causa dele, um amor apaixonado por Cristo.
Eu gosto muito de São Pedro. Não sei vocês, mas ele dá muita bola fora, se parece muito comigo. Primeiro ele disse: “Senhor nós deixamos tudo e te seguimos, e Jesus entendeu ‘nós deixamos tudo e te seguimos, o que a gente ganha com isso?’ e recebeu a resposta. Em outra ocasião Pedro disse a Jesus quando estava fazendo uma pesquisa com os outros e perguntou aos seus discípulos: quem dizes vós que é o filho do home? Pedro respondeu: “Tu és o Cristo, filho de Deus vivo’’, mas aí a coisa piorou, mas se tivesse parado aqui Pedro teria saído muito bem nessa história, porém ele continuou. E quando Jesus começa a dizer a Pedro e aos discípulos que vai ser crucificado, Pedro começa a dizer: ‘não isso eu não vou permitir nunca’. Ele não conseguia conceber Jesus se entregando à cruz. Então Jesus diz “afasta-te de mim, satanás”. Mas a gente vê a grande paixão dele pelo seu mestre; ele não desiste de Jesus porque Jesus não desiste dele, mesmo depois da tríplice negação. Este homem cheio de defeitos e precipitações que foi, por assim dizer, o primeiro papa da Igreja Católica, o primeiro discípulo de Jesus, o primeiro princípio de líder na história da Igreja Católica. Se Pedro, com seus defeitos, se tornou santo, eu tenho meus acertos e meus defeitos, tenho lugar nos projetos de Deus, tem lugar para mim.
E se Pedro for escolhido e foi ungido pelo espírito santo em Pentecostes para ser escolhido o líder da Igreja, apontado pela leitura da carta de São Pedro, fala sobre as investigações e sobre o sofrimento de Cristo e após fala sobre o sofrimento de Jesus, e sobre a virtude do Espírito Santo no evangelho enviado do céu. Dons carismáticos e hierárquicos que juntos convocam para a edificação da Igreja, a edificação do povo de Deus na história. Para isso mostrar que a única certeza na vida deles é o evangelho. Mas não seria vão que na Igreja houvesse só pastores sem o dom carismático, que enriquecem e rejuvenescem a Santa Igreja? Nessa Igreja existem diversos dons que só Deus conhece, e muitos de nós aqui somos chamados para nos tornar pedra viva, um sinal vivo.
Nós somos artifícios da unidade da paz do mundo, nós somos protagonistas da paz, nós não somos pessoas que suplicam por uma paz que vem de fora. Esse tempo de Quaresma, que começa com um jejum pedido pelo Santo Padre Francisco, nós podemos pensar nisso: se nós nos convertemos radicalmente a Cristo, a comunhão que une todos os cristãos do mundo inteiro vai levar a paz que recebemos a todos os confins da Terra. O jejum que o Papa pede não é um jejum extraordinário, ele não só pede aos católicos como pede para os cristãos do mundo inteiro, que se unam a nós católicos no mesmo jejum de sempre.
E uma outra coisa que é importante lembrar é que nós devemos ser fatores de unidade, nós não precisamos fazer do espírito mundano as divisões por razões quaisquer que sejam elas, que levam ao que chamamos de polarização. Nós não devemos importar motivos de divisão entre nós. O nosso pecado já é bastante.
Queridos irmãos, nós vamos pedir a Deus a graça de sermos agora os primeiros a dobrar o joelho pela paz, o jejum de amanha é um jejum muito modesto: fazendo uma refeição completa e as outras pela metade. Não é tão a rejeição da comida mas sim a rejeição do pecado. Nós usamos a privação da comida diante do dia para mostrar o que a fome espiritual faz com a alma. É preciso que nós nos entreguemos a Deus, sermos amigos do Senhor, portanto o amigo de Deus. Jesus nos chama a ser amigos: aquele que rejeita o que Jesus rejeita e acolhe aquilo que Jesus acolhe, atentos à escuta da Palavra, atentos à oração. Vamos procurar estudar a escritura e abraçar a vontade dAquele que trocou de nome por nós. Vamos pedir a Deus a graça e a coragem de afastar do pecado, pelo menos a coragem de lutar por isso. Se nós tentamos com esse esforço cotidiano, Deus nos eleva como águia em voo para o céus. Que Deus nos ajude nesses dias, e que nesse dias de retiro, concluído nesta Santa Missa, encha nosso coração de graças. Louvado seja o Senhor Jesus Cristo!