Gustavo Corção nasceu no finalzinho do século XIX, no Rio de Janeiro, era engenheiro, professor e jornalista. Após sua conversão ao catolicismo, aos 41 anos, passou a se dedicar ao estudo da Doutrina, dos Padres da Igreja e da vida dos santos. Desse modo, já maduro e bem formado, surgiu a inspiração de se tornar escritor. Seu primeiro livro se chama A descoberta do outro e foi publicado quando Corção já estava com 48 anos, em 1944. Seis anos depois, em 1950, publicou uma ficção, que trazemos como dica de leitura de hoje, chamada Lições de Abismo. Essas duas obras renderam-lhe o seguinte elogio do escritor e dramaturgo Oswald de Andrade: “Nas lições de Abismo como também na descoberta do outro não vejo concessões. O que vejo é uma extraordinária e lúcida natureza de criador, ou melhor, de restituidor, pois que arte é restituição. Depois de Machado de Assis aparece agora um mestre do romance brasileiro”.
Sobre o Lições de Abismo, Rachel de Queiroz disse o seguinte: “Livro belo, estranho, magistralmente escrito e realizado”. A narrativa se desenvolve a partir da figura de José Maria, um professor de filosofia que descobre que lhe restam apenas três ou quatro meses de vida, pois foi diagnosticado com um tipo de leucemia incurável. A partir dessa notícia, decidiu recolher-se em seu quarto para meditar sobre sua vida, sobre a existência humana e sobre Deus. Como resultado de seu diálogo íntimo consigo mesmo e com o Criador, começa a escrever suas memórias, as quais são compartilhadas com os leitores por meio desse livro, em forma de diário.
Essa é uma obra, como bem disse Rachel de Queiroz, estranha e magistral. Possui uma beleza e uma profundidade que, por si só, já valem a leitura, no entanto, as reflexões realizadas pelo protagonista são uma espécie de testamento espiritual que nos levam a pensar como estamos vivendo a nossa própria existência, os nossos relacionamentos e o sentido que damos à nossa vida.
O livro é também cheio de referências a outras obras literárias, personagens de óperas e peças de teatro, o que enriquece sobremaneira o texto e leva o leitor a desejar mergulhar um pouco mais nesse universo cultural no qual o autor esteve imerso durante sua vida. Tolstoi, Wagner, Gertrud von le Fort e Machado de Assis são alguns dos convidados de Gustavo Corção para povoar a sua trama, além de Júlio Verne, autor preferido do protagonista quando criança e que acaba por se tornar o condutor da história, inclusive, inspirando o seu título: Lições de Abismo é o nome que o líder da expedição de Viagem ao centro da Terra dá ao exercício que propôs ao seu sobrinho, de subir em uma torre de Igreja para perder o seu medo de altura. No caso, o recolhimento, a oração e a reflexão foram os exercícios que José Maria utilizou para perder o seu medo da morte.
Resumindo, Lições de Abismo é uma obra que vale muito a pena ser lida, talvez a joia mais preciosa do grande tesouro que Gustavo Corção nos deixou como legado de vida e espiritualidade.
Boa leitura!