Se formos descrever Pedro, diremos que ele é um clássico homem de autoestima elevada, principalmente em relação a sua lealdade a nosso Senhor.
Era uma noite fria e já tendo decepcionado Jesus ao dormir no jardim, Pedro agora se aquecia diante de uma fogueira, enquanto seu mestre era cuspido e esbofeteado na casa do sumo sacerdote. Jesus o havia alertado: “vigiai e orai”, mas Pedro dormiu, não vigiou, nem orou, ao contrário, traiu, negou, substituiu a espiritualidade pelo ativismo e pela espada. Pedro queria seguir o Cristo no combate de armas, mas não estava disposto a vigiar no combate espiritual. Enquanto um buscava vencer pelo sofrimento, o outro aspirava vencer pela resistência. Pedro assim caiu em três grandes perigos que o espreitava: a autoconfiança, a falta de oração e a distância. Diante dos holofotes das chamas daquela fogueira que o aquecia, este discípulo realiza sua primeira negação: “Não sei o que dizes” (Mt 26,70).
Eu não conheço tal homem
Aquele que antes estava disposto a dar a vida pelo seu mestre, agora jurava não conhecê-lo
Sai então à procura da escuridão para esconder-se em seu pecado, como seus primeiros pais que se esconderam ao comer o fruto proibido. Na sua segunda negação faz o seguinte juramento: “Eu não conheço tal homem” (Mt 26,72). Aquele que antes estava disposto a dar a vida pelo seu mestre, agora jurava não conhecê-lo; aquele que chamava Jesus de “Filho do Deus vivo” agora o chama de “homem”.
Por causa da sua eloquência e do seu nervosismo, Pedro é reconhecido através do aparente sotaque provinciano da Galiléia e todos sabiam que a maioria dos seguidores de Jesus eram galileus. Logo, aos ouvintes e mexeriqueiros, Pedro se posiciona: “começou então a fazer imprecações, jurando que nem sequer conhecia tal homem” (Mt 26,74). O tão fiel seguidor volta ao seus dias de pescador, quando outrora contrariado, blasfemava enfurecido em alto mar. Quanto mais longe de seu mestre, mais negava, mais esquecia o homem a quem Jesus havia confiado a sua Igreja.
Lágrimas de filho
“(…) cantou o galo” (Mt 26,74). A noite avançava e o clarão do dia traria à luz cada uma das negações do frágil Pedro. Neste ponto, até mesmo a natureza protesta contra as negações. Mas, em contrapartida, um fato muda completamente o futuro deste pecador, separando-o do destino trágico de Judas. Mesmo tendo negado o seu mestre, Pedro ficou ali, exposto à sua vergonha e deu assim, a chance de, mais uma vez, ser olhado, ser “misericordiado”. “Voltando-se o Senhor, olhou para Pedro” (Lc 22,61)
Lágrimas que separam Pedro de Judas, lágrimas que fazem de Pedro um homem verdadeiro, dependente para sempre da graça
O olhar de um flagelado, humilhado… o que era a vergonha de Pedro diante daquele que assumiu toda a vergonha do mundo? Jesus, cansado e ferido, busca urgentemente os olhos do seu amigo para que este sinta a compaixão infinita do seu mestre. “Pedro podia negar o “homem”, mas Deus continuava a amar o “homem” Pedro”. O discípulo ferido e escandalizado pelo horror de seus pecados, estava prestes a sangrar como um cervo ferido até a morte, escondido e desesperado, mas o olhar do servo ferido arranca a flecha de dor do seu coração, deixando-lhe uma ferida de arrependimento. “(Pedro) saiu dali e chorou amargamente” (Lc 22,62). Lágrimas que banharam a sujeira da negação, lágrimas de filho, lágrimas que separam Pedro de Judas, lágrimas que fazem de Pedro um homem verdadeiro, dependente para sempre da graça.
Jesus em mística sabedoria, escolhe a Pedro, conhecedor do pecado, para ser a Rocha onde ele edificaria sua Igreja para que àqueles que a Ela pertencessem, ao olhar para a imensidade de seus pecados, pudessem enxergar Pedro e nunca perdessem a esperança.
Por Andreza Aires