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A ‘feliz penitência pascal’: como resguardar o coração do homem novo

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Foto: Unplash

A Primeira Carta de São Pedro é considerada por muitos exegetas como uma espécie de “Homilia Batismal”, destinada aos Neófitos, a fim de recordá-los a respeito da responsabilidade do agir cristão no mundo.

Nos versículos introdutórios, o apóstolo exorta os cristãos sobre esta responsabilidade: “Bendito seja Deus, o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo! Na sua grande misericórdia ele nos fez renascer pela ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos, para uma viva esperança, para uma herança incorruptível, incontaminável, que não murcha, reservada para vós nos céus, para vós que sois guardados pelo poder de Deus, por causa da vossa fé, para a salvação que está pronta para se manifestar nos últimos tempos” (Cf. I Pd 1,3-5). Todos nós, batizados no Mistério Pascal de Cristo, fomos alcançados pela força de sua Cruz e Ressurreição e por essa razão devemos levar uma vida santa, irrepreensível, coerente e digna da graça que nos alcançou. Toda existência cristã deve transparecer a beleza deste grandioso mistério.

Na tarde da Quinta-feira Santa, concluímos o Tempo da Quaresma. Tempo este marcado pelo forte apelo de Cristo à conversão do nosso coração e da nossa mente a sua Palavra (Cf. Mc 1,14-15). Também fomos convidados pelo Senhor a vivenciar de maneira radical em nosso caminho de preparação para a Páscoa as práticas do jejum, da oração e da esmola (Cf. Mt 6,1-6.16-18). Todas essas santas práticas tem como finalidade a libertação do nosso coração dos excessos, a fim de que tendo lançado fora o fermento da maldade (cf. I Cor 5,7), possamos renovar com nosso interior purificado as promessas do nosso Batismo na noite da Vigília Pascal. Eis a finalidade e a pedagogia de toda Quaresma!

Neste caminho de configuração a Cristo é preciso suplicar ao Senhor uma graça: a de ter um coração dócil e atento a sua voz para que possamos não cair na tentação do reducionismo. O que isso significa? Se descuidarmos da vida de oração e se não resguardarmos o nosso coração, podemos achar que todo espírito de Penitência fortemente vivenciado na Quaresma não tem mais necessidade pelo fato de estarmos celebrando o tempo Pascal. Um perigo maior que pode rondar a nossa alma é acreditar que já não temos mais necessidades de mortificação e até mesmo de penitência só porque estamos celebrando a Páscoa.

Precisamos compreender que a penitência não é um castigo, mas sim um ato livre da nossa vontade que tem por finalidade a orientação de todos os nossos sentidos e afetos para o Bem Supremo que é Deus. Longe de ser um castigo, a Penitência é um remédio que nos ajuda em nosso processo de amadurecimento até alcançar a plena estatura de Cristo (Cf. Fl 4,13).

A Quaresma e a Páscoa, longe de serem realidades opostas, devem ser compreendidas como tempos litúrgicos que visam à maturidade cristã, à renovação da fé e ao renascimento da vida interior. Por isso o Apóstolo Pedro nos exorta: “Mas tende aquele ornato interior e oculto do coração, a pureza incorruptível de um espírito suave e pacífico, o que é tão precioso aos olhos de Deus” (1Pd 3,4). Esta pureza interior do coração que tanto suplicamos à Deus durante o Tempo da Quaresma deve ser mantida agora de modo mais especial em virtude da Páscoa.

Muitos cristãos católicos se questionam a respeito do jejum e da abstinência durante o tempo da Páscoa. Eis o que nos ensina o Código de Direito Canônico a respeito dos dias penitenciais: “Todos os fiéis, cada qual ao seu modo, estão obrigados por lei divina a fazer penitência; mas para que todos estejam mediante certa observância comum da penitência, são prescritos dias penitenciais, em que os fiéis se dediquem de modo especial à oração, façam obras de piedade e de caridade, renunciem a si mesmo, cumprindo ainda mais fielmente as próprias obrigações e observando principalmente o jejum e a abstinência”. (CIC. Cân. 1249). Desta forma, a Igreja deseja conduzir todos os batizados a uma experiência transformadora, conforme a própria Igreja reza durante a Quaresma: “pela penitência da Quaresma, corrigis nossos vícios, elevais nossos sentimentos, fortificais nosso espírito fraterno e nos garantis uma eterna recompensa” (Prefácio da Quaresma IV). A Igreja, portanto, estabelece como dias penitencias todas as sextas-feiras do Ano Litúrgico e do tempo da Quaresma, com exceções daquelas onde ocorre uma solenidade do Senhor conforme o Cânon 1250 do Código de Direito Canônico.

E sobre a abstinência e o jejum na Páscoa?

 É muito claro o que legisla o Código no Cânon 1251: “Observe-se a abstinência de carne ou de outro alimento, segundo as prescrições da Conferência dos Bispos, em todas as sextas-feiras do ano, a não ser que coincidam com algum dia enumerado entre as solenidades; observem-se a abstinência e o jejum na Quarta-feira de Cinzas e na Sexta-feira da Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo”. Segundo a Tradição da Igreja esses dois dias são dias de abstinência e jejum. As sextas-feiras em que se celebra solenidade não se faz penitência (nem jejum, nem abstinência de carne).

O Legislador Canônico deixa a critério das Conferências Episcopais, a respeito da decisão sobre o tipo de abstinência e do jejum. Sendo assim a CNBB permitiu que os fiéis em todas as sextas-feiras do ano, substituam a abstinência de carne por outras práticas penitenciais ou exercícios piedosos como por exemplo, a participação da Santa Missa, a recitação das Laudes e Vésperas da Liturgia das Horas, a realização de obras de caridade, de ações piedosas e exercícios devocionais, tais como, a Via Sacra, Adoração ao Santíssimo, a recitação do Santo Rosário ou tempo dedicado a oração e meditação prolongada da Sagrada Escritura. Desta forma, a penitência, o jejum, a abstinência, deixam de ser meros preceitos e passam a ser ações espirituais que tem por finalidade o aumento da graça em nossos corações.

Insenção do jejum e abstinência

A Mãe Igreja nos ensina que a Páscoa é o coração de todo o Ano Litúrgico. Desta forma, “os 50 dias que se prolongam desde o domingo da Ressurreição até ao domingo do Pentecostes celebram-se na alegria e exultação como um único dia de festa, melhor, como um grande Domingo. Os oito primeiros dias do Tempo Pascal constituem a Oitava da Páscoa e celebram-se como solenidades do Senhor” (Normas Gerais do Ano Litúrgico e do Calendário Nº 10 e 11). Assim, nos dias da Oitava de Páscoa estamos isentos da prática do jejum e da abstinência.

Podemos durante o Tempo Pascal, substituir a abstinência de carne por outros exercícios de piedade. Nós, enquanto Carisma Shalom, Carisma este reconhecido oficialmente pela Igreja como um caminho que conduz a santidade e que tem sua fundamentação teológica na experiência do Ressuscitado que passou pela Cruz, temos desde os primórdios o costume de no tempo pascal não se servir da abstinência de carne nas sextas-feiras do Tempo Pascal.

Com isso queremos de certa forma prolongar a alegria da Páscoa, vivendo os 50 dias deste Sacratíssimo Tempo como um verdadeiro e Grande Domingo. É claro, se este costume não estiver enraizado em um profundo espírito de oração, poderá transformar-se em um grande “farisaísmo”. Que os textos bíblicos de Isaías 58,1-10 e Mateus 25 31-46 possam nos servir de inspiração para nossa “penitência pascal” recordando-nos sempre que o culto que verdadeiramente agrada a Deus é o que brota do interior do nosso coração e não de práticas meramente exteriores. Essas práticas certamente irão resguardar o nosso coração de todo vício e pecado que tentam a todo custo nos desviar de nosso fim último.

Devemos agora encontrar aquela “feliz penitência pascal” que irá nos ajudar a resguardar o nosso coração de toda influência e ataque do demônio. Peçamos ao Espírito que nos inspire uma “feliz penitência” que volte cada vez mais o nosso coração para o céu onde se encontra Cristo. Supliquemos ao Bom Deus “feliz penitência” um simples ato que demonstre o nosso amor a Deus e aos irmãos. Que no término e nossa caminhada pascal possamos exclamar a semelhança de São Pedro de Alcântara: “Feliz penitência! Oh! sim, feliz penitência que me alcançou tamanha glória!” Não nos esqueçamos nunca de que a prática da ascese penitencial é o caminho que nos leva a superar a duplicidade do nosso coração que tem por finalidade reconduzir nossa vida interior a sua primitiva origem.

Repletos da esperança que o Ressuscitado nos concede, peçamos a Virgem Maria à graça de não perder de vista as sementes que semeamos na Quaresma. Que cada grão possa ser fecundado na alegria Pascal a fim de que em Pentecostes possamos colher seus frutos e que esses sejam frutos que permaneçam.

Jonas Ferreira
Missão Rio de Janeiro

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Comentários

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  1. Mas para a comunidade ficar isenta da abstinência de carne, não precisaria de uma autorização do Vaticano? Até onde eu sei, um carisma é confirmado pela Igreja naquilo que está nos seus Estatutos. Essa prática é estatutária?