O Concílio Vaticano II (1962-1965) convocado pelo papa João XXIII e realizado por Paulo VI, convidou a Igreja a refletir sobre a sua própria missão no mundo atual e trouxe grandes novidades para a Igreja e ainda hoje vivemos e descobrimos novos efeitos da sua eclesiologia. Uma das principais novidades é o fato da Igreja compreender a si mesma como Povo de Deus e ela encontra a sua origem e o seu modelo no Deus Uno e Trino, na comunhão perfeita das Pessoas Divinas, que no tempo se tornou visível no Antigo Israel, o Povo da primeira aliança a quem Deus por primeiro se revelou, e que através da Encarnação do Filho e da sua missão salvífica se constitui Igreja de Cristo, sacramento de salvação para os homens.
A Constituição Dogmática Lumen Gentium ao número 09, afirma, referindo-se primeiramente ao povo de Israel e depois a Igreja da qual Cristo é Cabeça, que “aprouve a Deus salvar e santificar os homens, não individualmente, excluída qualquer ligação entre eles, mas constituindo-os em povo que O conhecesse na verdade e O servisse santamente”, isso significa que à Igreja foi dada a missão de participar do mistério da salvação sendo este lugar onde os homens encontram Deus através dos sacramentos: onde Deus se comunica por meio da Palavra que ilumina, a Eucaristia que une perfeitamente a Cristo, o perdão dos pecados, o batismo que nos constitui filhos de Deus. Em um mundo ferido pelo pecado e marcado pelo individualismo, esta afirmação adquire força ainda maior, porque Deus não nos deixa sozinhos, não nos deixa lutar com nossas próprias forças para conquistar a salvação, mas nos constitui Nele um só povo na caridade, na verdade e na liberdade.
A essência sacramental da Igreja se articula em três atos fundamentais que se referem ao tríplice ministério de Cristo qual sacerdote, rei e profeta:
1- Ministério sacerdotal de Cristo na liturgia da Igreja
O termo grego Leitourghia na sua origem significa serviço público, ou seja, um ato realizado em favor de um povo ou de uma comunidade, com o passar do tempo adquiriu um significado religioso, usado para todos os atos de culto divino de um povo.
A Igreja continua a obra de salvação de Cristo no mundo através da liturgia e dos sacramentos onde Ele se faz presente em cada ato litúrgico para que os homens sejam santificados e salvos, “está presente no sacrifício da Missa, quer na pessoa do ministro – «O que se oferece agora pelo ministério sacerdotal é o mesmo que se ofereceu na Cruz» -quer e sobretudo sob as espécies eucarísticas. Está presente com o seu dinamismo nos Sacramentos, de modo que, quando alguém batiza, é o próprio Cristo que batiza. Está presente na sua palavra, pois é Ele que fala ao ser lida na Igreja a Sagrada Escritura. Está presente, enfim, quando a Igreja reza e canta, Ele que prometeu: «Onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, Eu estou no meio deles» (Mt. 18,20) […]. Com razão se considera a Liturgia como o exercício da função sacerdotal de Cristo. Nela, os sinais sensíveis significam e, cada um à sua maneira, realizam a santificação dos homens; nela, o Corpo Místico de Jesus Cristo – cabeça e membros – presta a Deus o culto público integral. (SC 7). Assim, a liturgia pode ser compreendida como os atos litúrgicos de culto público e, na unidade da Igreja, todos os seus membros leigos e ministros ordenados, os primeiros no sacerdócio comum, e estes, no sacerdócio ordenado, participam dos mistérios da redenção de Cristo.
2- Ministério real de Cristo na diaconia da Igreja
Cristo é Senhor e Soberano sobre todo o universo, sobre toda a criação e a Igreja, como corpo visível, está a serviço do Reino de Deus e com fé e perseverança espera ansiosa a realização universal da vontade de Deus, que atingirá a sua plenitude no final dos tempos.
Mas como a Igreja realiza a sua missão de servir ao Reino? Não poderia ser de outra forma senão seguindo o exemplo de Cristo, o servo por excelência. Servindo o gênero humano em todas as áreas da sua existência, a Igreja colabora no progresso humano e cultural através da educação cristã e social; constrói uma doutrina social fundamentada na justiça, na dignidade, na promoção da vida, no valor inalienável da sua liberdade de consciência e de expressão, no homem enquanto ser criado à imagem de Deus; através das incontáveis obras de caridade para com os mais necessitados do pão espiritual, do conhecimento de Deus, da consolação no sofrimento, da vida de fé e também do pão material, que salva o homem nas suas necessidades básicas de sobrevivência, formando uma sociedade a partir dos valores evangélicos e sendo testemunha fiel do amor misericordioso de Deus.
Deve ser o amor livre e desinteressado pela humanidade a mover cada singular ação de diaconia da Igreja para que essa possa livremente acolher a salvação dada por Cristo.
3- Ministério profético de Cristo na martyria da Igreja
O povo de Deus, ou seja, a Igreja é consciente que recebeu, no batismo a inseparável e privilegiada missão de seguir Cristo por onde quer que Ele vá, em todos os tempos da história, em todas as épocas nas quais está inserida a humanidade e em todos os desafios humanos que esta possa enfrentar. Tal missão se concretiza em um anúncio radical do Evangelho, no testemunho de uma vida configurada aos valores cristãos. Em toda a sua história, a Igreja sempre sofreu os mais diferentes tipos de perseguição, do martírio de sangue na época das primeiras comunidades cristãs ao atual martírio da indiferença e até mesmo da total negação da existência de Deus, devendo permanecer firme em Cristo, renunciando as compensações efêmeras do mundo, unida a sua cruz para colher os frutos da ressurreição.
Hoje em dia o maior testemunho que a Igreja pode dar aos homens é a fidelidade e a radicalidade de uma vida consagrada, que por um lado é inteiramente separada para Deus na doação integral de si, mas, por outro, existe exatamente para servir e estar no mundo, ao lado de cada homem que espera a salvação porque, como nos ensina São João Paulo II, “é necessário transmitir ao mundo este fogo da misericórdia. Na misericórdia de Deus o mundo encontrará a paz, e o homem a felicidade!”
Rayana Soares de Sousa
Teóloga pela Facoltà di Teologia di Lugano
BIBLIOGRAFIA
Constituição Conciliar Sacrosanctum Concilium
Constituição Dogmática Lumen Gentium
Hans Christian Schmidbaur, apostila do Curso de Eclesiologia da Facoltà di Teologia di Lugano, 2017/2018
João Paulo II, homilia por ocasião da consagração do Santuário da Misericórdia de Łagiewniki, Cracóvia – Polônia em 17 de agosto de 2002
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