Quando lemos os Evangelhos, não é raro nos depararmos com trechos que destacam que, Jesus em Sua vida pública, em Suas pregações e em Seus feitos gozava de uma autoridade singular, que o distinguia dos demais mestres da época: "Aconteceu que, ao terminar Jesus estas palavras, as multidões ficaram extasiadas com o seu ensino, porque as ensinava com autoridade e não como os escribas" (Mt 7,28-29).
Desde cedo, os primeiros discípulos compreenderam que a autoridade de Jesus não se fundamentava nas palavras e opiniões de rabinos eminentes, mas que sua autoridade estava ligada ao Pai e à Sua própria pessoa. Não foi à-toa que Pedro disse a Jesus, quando, juntamente com os outros apóstolos, foi interrogado sobre seu desejo de continuar seguindo o Mestre: "Senhor a quem iremos? Só tu tens palavras de vida eterna, e nós cremos e reconhecemos que és o Santo de Deus" (Jo, 6, 68-69).
Com a ajuda do grego, podemos compreender um pouco melhor o sentido da autoridade de Jesus: o termo grego utilizado é exousia (e ousia) que vem do verbo ex-eimi (e -eimi), que significa "ser originário de" ou " a partir do que se é".
Daí, vemos que, verdadeiramente a autoridade de Cristo , não lhe advinha de fora, mas radicava-se no Seu próprio ser. Suas palavras e sua conduta eram completamente coerentes, pois Ele era testemunho vivo de tudo quanto falava e fazia. Sua palavra e Sua pessoa se identificavam. Isso fazia com que muitos de seus adversários, que fundamentavam seus argumentos em figuras do passado, ou seja, em algo extrínseco a eles, se sentissem confusos quando debatiam com Jesus.
Outro aspecto de relevância é o fato de que a autoridade de Jesus não deve ser vista como algo que lhe foi presenteado pela pessoa do Pai, em determinado momento de Sua vida. Na verdade, Cristo a possui desde sempre e para sempre, pois, em tudo, Cristo é o Verbo de Deus (Jo 1,1-3), Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, que se fez homem por amor aos homens.
A missão de Cristo não difere de Seu ser, mas ela revela quem Ele é, ao mesmo tempo, que Ele se define por Sua missão.
Nos Santos Evangelhos, percebemos que Jesus, em um dado momento de Sua vida pública, quis, livremente, associar à Sua obra doze discípulos (aqueles que seguem), aos quais designou apóstolos (aqueles que são enviados). Referindo-se a eles, Jesus diz no Evangelho de Lucas: "Quem vos ouve, a mim ouve" (Lc 10,16ss e Lc 20). Percebemos nessa e em outras passagens, que Jesus confia aos doze Sua própria autoridade, não de uma forma meramente jurídica, mas de uma forma essencialmente doutrinária e fundada sobre o testemunho.
Por fim, convém citar outra passagem que ilustra, de modo claro, o fato de Jesus ter associado os doze apóstolos à Sua autoridade, para compreendermos melhor essa passagem, é preciso que lembremos que ela ocorre quando Cristo, já ressuscitado, vem ao encontro de Seus apóstolos: "Ele lhes disse de novo: ‘A paz esteja convosco! Como o Pai me enviou, também eu vos envio.’ Dizendo isto, soprou sobre eles e lhes disse: "Recebei o Espírito Santo. Aqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados; aqueles aos quais não perdoardes ser-lhes-ão retidos.’"
Mas, não podemos esquecer que, todos os cristãos foram associados à autoridade de Cristo, não somente aqueles que ocupam cargos de governo ou ministérios específicos em favor do povo de Deus: "Todo cristão no testemunho de Cristo recebe, pelo fato mesmo deste testemunho, a autoridade que advém do ser filho no Filho de Deus", como diz no evangelho: "… a todos que o receberam deu-lhes o poder ( exousia) de serem filhos de Deus" (Jo 1, 12).
Desde o início, a Igreja nascente intuía essa realidade e podemos citar o testemunho de São Clemente de Roma (terceiro sucessor de Pedro) e de Santo Inácio de Antioquia (110 d.C.), que figuram entre os maiores Padres da Igreja.
São Clemente de Roma, papa, escreveu uma carta aos Coríntios, onde fala da importância da autoridade no interior da Igreja de Cristo. Segundo ele, a Igreja não tem alicerces meramente temporais, mas inserida no tempo, ela é chamada a ser a manifestação histórica da vontade de Deus.
A Igreja está unida a Deus de modo inequívoco, desta união, nasce a necessidade da realização da vontade de Deus, necessidade que se dirige a cada um e a todos que compõem a Igreja. De modo que ninguém possa se considerar dono da comunidade, pois, na comunidade, a autoridade surge como uma exigência do próprio Deus em vista do bem de todos os membros da comunidade, pois é a autoridade que exorta os irmãos a buscarem, com todas as suas forças, a santidade (vontade de Deus).
Na vida da Igreja existem certas funções (ministérios) que são essenciais; estas funções são expressões da autoridade de Cristo, enquanto radicadas no testemunho de Jesus e concretizadas no serviço aos irmãos. É importante notar que, tais funções não esgotam a autoridade, pois ela está presente, como já mencionamos, em todos os membros da Igreja.
Entre as funções mencionadas por Clemente, destaca-se a dos epíscopos (bispos) e presbíteros (padres). A função-ministério sacerdotal foi transmitida por Cristo aos apóstolos (Lc 22.19-20), os apóstolos por sua vez estabeleceram seus sucessores, de modo que, após a morte deles, outros homens os sucedessem em seu ministério (Cf. CAT 861).
A Igreja necessita, sem dúvida alguma, dessas funções que nasceram e perduram por vontade divina, mas, ao mesmo tempo, Clemente deixa antever o perigo de se reduzir a autoridade na igreja a estas funções, de modo a se personificar a autoridade na pessoa de seus representantes, que como tais merecem todo o respeito e reverência, mas não se constituem a autoridade em si mesmos, mas a representam e a exercem oficialmente.
Vejamos agora o que Santo Inácio de Antioquia nos diz sobre esse mesmo assunto: para ele, a Igreja se caracteriza pela unidade e pela caridade.
Nesse contexto o bispo deve ser sinal e instrumento desta unidade na caridade a frente da igreja particular que lhe foi confiada e mesmo no contexto do conjunto da Igreja Católica de todo o mundo.
As Igrejas particulares não gozam de uma igualdade fundamentada apenas em estruturas e formulações doutrinárias, mas são iguais no sentido de que participam igualmente no Mistério de Deus revelado por Cristo, do qual tanto a estrutura quanto as formulações doutrinárias são sinais invocativos. O bispo, segundo Inácio, é aquele que lê em tudo isso a riqueza gratuita e inesgotável de Deus convocando a Igreja a celebrar a liberdade da verdade em Cristo Jesus.
A autoridade do bispo se funda no Mistério de Deus e se ordena à edificação da Igreja. Sua autoridade só existe enquanto guardar esta relação de dependência com Deus e sua vontade, que se exprime no amor e seviço aos irmãos.
Como podemos ver, desde os santos padres, a Igreja percebeu que ela, portanto, todos os seus membros gozavam de uma única autoridade, a autoridade de Cristo. Mas, que para o bem dessa mesma Igreja, o próprio Deus despertava no interior da Igreja vocações específicas em vista do serviço a Deus e aos demais irmãos. Os vocacionados para as funções de serviço no interior da Igreja, são portanto irmão que recebem o múnus de expressar de modo específico a mesma autoridade de Cristo, compartilhada por todos os demais fiéis.
Vejamos o que D. Fernando Figueiredo, atual bispo da diocese de Santo Amaro (São Paulo) escreve em um de seus livros: "O poder concerne à autoridade só enquanto ele se orienta a fazer aparecer a verdade do crescimento: ele é então servir. E o conceito de obediência se revela não como mero cumprimento de ordens, mas como o estar à escuta (ob-audire) desta liberdade do encontro. Obediência, em definitivo, é a atitude de ser todo ouvidos na acolhida de Deus na comunidade e na pessoa do irmão. Donde a asserção: Só obedece quem tem autoridade e só tem autoridade quem obedece. E começa-se a compreender então o que seja a liberdade dos filhos de Deus".
Percebemos nesta afirmação de D. Fernando o quanto a autoridade no interior da Igreja deve ser visto como um verdadeiro dom de Deus, pois se trata da própria autoridade de Cristo, e, o quanto a obediência não diminui quem obedece, muito pelo contrário, revela que aquele que obedece reconhece em seu irmão a expressão da autoridade de Cristo e ao mesmo tempo participa desta mesma autoridade.
Como diria Santa Teresa D’Ávila, a Obediência é o caminho da perfeição e da verdadeira liberdade de se relacionar com Deus e com os irmãos em Cristo.