Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz
A castidade relaciona-se com a transmissão da vida
Porque, embora o instinto alimentar seja relacionado com a vida, ele fica restrito à vida de um indivíduo. O instinto sexual (ou reprodutor) relaciona-se com a vida da espécie humana. Transmitir a vida a outro ente, comunicando-lhe a natureza humana, chama-se gerar. O instinto sexual está intimamente ligado à geração: à transmissão da vida.
Transmitir a vida a outrem é mais do que conservar a própria(1). Por isso a virtude da castidade, que regula o instinto reprodutor, é maior do que virtude da sobriedade, que regula o instinto alimentar.
A sacralidade da vida é entendida até pelos mais simples grupos humanos. Os nativos da Polinésia usam a palavra tabu para exprimir as coisas sagradas, intocáveis. Para os polinésios, tabu compreende a vida humana (que ninguém tem o direito de tocar), a geração da vida humana e a união sexual em que a vida humana é gerada. Tudo o que se refere à vida é tão sagrado quanto ela. A sexualidade, portanto, é sagrada.
A belíssima palavra tabu tem um significado positivo. Não se trata de uma proibição irracional. Trata-se de uma valorização de algo que supera o próprio homem: o poder de transmitir a vida. Trata-se do respeito e da veneração por algo que, embora confiado ao homem, não está sujeito aos seus caprichos: o poder de gerar, de procriar, de cooperar com Deus na criação de um outro ente humano. Lamentavelmente a palavra tabu chegou ao nosso idioma com o significado pejorativo que lhe atribuiu a ideologia de Freud.
É intuitivo que a vida é sagrada. Também é intuitivo que a família, em que ela é gerada e educada, deve ser sagrada(2). Da mesma forma deve ser sagrada a união sexual, que dá origem à vida. Sagrado deve ser também o matrimônio, em que o homem e a mulher constituem uma comunidade de amor própria para a transmissão da vida. Por fim, deve ser sagrado o namoro, em que o rapaz e a moça se preparam para assumirem esse compromisso perpétuo de amor, fidelidade e fecundidade.
A castidade, sinal de contradição
Compete à castidade zelar pela sacralidade das coisas que mais têm a ver com a vida: o namoro, o matrimônio, a atração entre os sexos, a união sexual. Por isso a castidade é apta a atrair, seja o fascínio dos que respeitam a vida, seja o escárnio dos que exaltam a morte.
É difícil permanecer neutro diante da castidade. Ela exige uma opção. E essa opção acaba por ser apaixonada. Os castos defendem a castidade com todas as fibras e não querem largá-la por nada deste mundo. Os mundanos odeiam a castidade com todas as suas forças e não se cansam enquanto não esmagarem o último casto que encontrarem pela frente. A castidade é, de fato, um sinal de contradição (Lc 2,34). Quem não está com ela, está contra ela (Mt 12,30).
A castidade, virtude sobrenatural
Note-se que, até agora falamos da castidade como virtude natural. Nenhum menção fizemos à graça sobrenatural, que Cristo conquistou para nós pelo preço de seu sangue (1Cor 6,20). Também não falamos do Espírito Santo que, como fruto da redenção de Cristo, passou a habitar em nosso corpo como em um templo (1Cor 6,19).
Se todo homem tem o dever de ser casto, pelo simples fato de ser racional, o cristão tem um motivo a mais para cultivar a castidade: ele é templo do Espírito Santo. Seus instintos devem ser governados, não apenas pela razão natural, mas pela graça sobrenatural.
“Se vivemos pelo Espírito, pelo Espírito pautemos também a nossa conduta” (Gl 5,25).
Para o cristão, a vida humana, que é sagrada por ser criada por Deus, é sagrada também por ter sido “recriada” por Cristo. Ele deu a sua vida por nós. Ele veio para que tivéssemos vida, e vida em abundância (Jo 10,10). E a vida que ele prometeu dar-nos é a mesma que recebeu do Pai: “Como o Pai que me enviou vive, e eu vivo pelo Pai, assim aquele que me come, viverá por mim” (Jo 6,57). Ele prometeu habitar naquele que cumpre sua palavra: “Se alguém me ama, guardará minha palavra, e meu Pai o amará. E viremos a ele, e nele faremos morada” (Jo 14,23). Aquele que foi batizado em Cristo, revestiu-se de Cristo (Gl 3,27). Pode dizer, com São Paulo: “Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim” (Gl 2,20).
Para nós, cristãos, a vida humana, elevada pela graça à participação com a vida divina (2Pd 1,4), tem um valor de eternidade. Assim, temos maior razão para respeitarmos a vida. E, em consequência, temos maior razão para valorizarmos a castidade.
O fascínio da castidade
Por referir-se a algo sagrado, como a vida, a castidade tem algo de misterioso e fascinante. O rosto de um casto, longe de parecer deformado, mutilado, é um rosto irradiante. Seu brilho fascina, sua luz causa atração em muitos, ofusca e incomoda a outros.
Como uma casa onde não há sujeira não é uma casa incompleta,
Como o corpo onde não há doenças não é um corpo mutilado,
Como uma máquina onde não há movimentos descontrolados não é uma máquina defeituosa,
Assim o casto, em quem não há os desvios e excessos deste mundo, não é alguém frustrado. Não é pobre, mas rico. Não é triste, mas alegre. Não é vazio, mas cheio. Seus olhos indicam que ele vê e entende coisas que estão ocultas aos impuros. Ao contemplarmos os olhos de um casto, percebemos o que quis dizer Jesus ao afirmar:
“Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus” (Mt 5,8).
Os castos, que renunciam aos filmes imorais, que vigiam os olhos para não serem surpreendidos por uma imagem obscena em uma banca de jornais, conservam-se puros para verem Aquele que é.
E desde agora, embora ainda não o vejam, já o entendem de maneira imensamente mais profunda do que os outros.
Há uma co-naturalidade afetiva entre a castidade e o conhecimento de Deus, que levava Pascal a dizer: “Mostre-me um casto que negue a existência de Deus e eu acreditarei nele”(3).
Com isso, o filósofo francês dizia que o ateísmo é um privilégio dos impuros, assim como a visão de Deus será um privilégio dos puros.
Prova de amor
Os namorados, que se preparam para o casamento, podem e devem dar prova de amor um ao outro. Mas como o amor se prova? Prova-se pela castidade. Não é verdadeiro o amor que não é casto.
Durante o namoro, a castidade manifesta-se pelo tempo, pela distância e pelo sacrifício:
– pelo tempo: o verdadeiro amor sabe esperar;
– pela distância: o verdadeiro amor sabe separar os corpos, a fim de unir as almas;
– pelo sacrifício: o verdadeiro amor sabe abster-se de prazer por causa do outro.
Essas exigências da castidade, justamente por serem tão contrárias ao que prega e faz o mundo, apresentam-se aos jovens como um desafio, uma meta a ser atingida. E os jovens gostam de desafios. É próprio da juventude o repúdio à mediocridade e o desejo de fazer algo diferente.
Ao contrário do que poderia parecer à primeira vista, os jovens costumam ser muito receptivos a uma pregação sobre a castidade. Espantam-se com o que ouvem, mas sentem-se atraídos.
Ao entenderem que o motivo da castidade é o amor, os jovens encaram-na como algo positivo. Mais que isso:como algo precioso, belo, fascinante.
A fornicação (relação sexual entre solteiros) nada mais é do que um ato de egoísmo praticado a dois. A fornicação está para o amor como o não está para o sim. Justamente porque os fornicadores não sabem esperar, não sabem se distanciar e não sabem se sacrificar, eles em nada diferem dos animais na época do cio. A fornicação é a suprema prova de falta de amor. É o sinal mais seguro de que os dois não merecem um ao outro, não merecem o sacramento do matrimônio e estão totalmente despreparados para constituírem uma família.
A alegria da castidade
Se a castidade é positiva em seu motivo – o amor – também o é em seu efeito. O efeito da castidade foi dito pelo próprio Jesus: a visão de Deus. Esta visão chama-se beatífica porque traz a felicidade. Aqui na terra ainda não temos a felicidade, mas temos um antegozo dela, que se chama alegria.
A fornicação (relação sexual entre solteiros), o adultério (relação sexual entre uma pessoa casada e outra que não o seu cônjuge) e outros pecados contra a castidade são capazes de oferecer prazer, mas não alegria.
O prazer é corpóreo. A alegria é espiritual.
O prazer é efêmero, passageiro. A alegria é perene e aponta para a felicidade eterna.
O prazer deixa um sabor amargo, um vazio, um remorso. A alegria deixa uma paz, que o mundo é incapaz de dar.
Se os que buscam o prazer na impureza conhecessem a alegria da pureza, desejariam ser puros nem que fosse só por interesse. De fato, a alegria da pureza está acima do prazer da impureza como o céu está acima da terra.
Distinções
Castidade não se confunde com ingenuidade ou ignorância.
A castidade não é privilégio daqueles que nada sabem sobre o ato sexual, nem daqueles que são ingênuos demais para perceberem a malícia do mundo.
Casto é aquele que, entendendo o desígnio de Deus sobre a transmissão da vida, recusa-se a admitir que ela se dê fora de um ato de autêntico amor. Casto é aquele que, precavendo-se das artimanhas do Maligno, sabe prudentemente evitar as ocasiões próximas de pecar.
O casto é um forte, um herói, cuja fortaleza e heroísmo provocam inveja dos impuros, que nada mais são do que fracos e covardes.
O casto é o vencedor cuja vitória irrita o impuro, que é derrotado pelos próprios instintos.
Virgem Prudentíssima
Quando perguntaram a Santa Bernardete se Nossa Senhora é bonita, a vidente respondeu espantada: “Se Nossa Senhora é bonita? Se você a visse, seu único desejo seria morrer para vê-la eternamente”.
Irmã Lúcia de Fátima, ao referir-se à Virgem Maria, disse: “Era uma senhora mais brilhante que o sol”(4).
Maria Santíssima brilha, não porque tenha luz própria, mas porque nunca pôs obstáculo à luz de Deus.
Se os castos brilham, e brilham tanto, não irradiam a própria luz, mas a de Deus, que neles penetra sem empecilho.
Para entendermos o brilho da castidade, olhemos para os olhos de uma criança. Que há neles que os diferencie dos olhos dos adultos? São olhos sinceros ( = “sem cera”), transparentes. O olhar de um bebê é algo misterioso. É um olhar que nos interpela. A criança ainda não aprendeu a usar máscaras, não criou crostas de sujeira em seus olhos. Ao olhar-nos ela se revela tal como é. E parece que enxerga algo que não enxergamos. Assim são os castos(5).
Na idade adulta, a castidade precisa ser mantida por uma constante vigilância.
“Vigiai e orai para não cairdes em tentação. Pois o espírito está pronto, mas a carne é fraca” (Mt 26,41).
Em matéria de castidade – diz a Madre Maria Helena Cavalcanti – não há fortes nem fracos. Há prudentes e imprudentes.
Prudentes são os que, reconhecendo a própria fraqueza, fogem das ocasiões de pecar e agradecem aqueles que os auxiliam com conselhos e exortações.
Imprudentes são os loucos que, embora fracos, insistem em pensar que são fortes, que não cometerão o que os outros já cometeram, que rejeitam as recomendações dos pais e a vigilância de terceiros.
A castidade só se conserva pela prudência. Não é à toa que a Ladainha de Nossa Senhora chama-a de “Virgem prudentíssima”. O imprudente, ainda que ore, ainda que ore muito, acabará por cair, e grande será sua queda.
Para a conservação da castidade, dificilmente seremos exagerados em matéria de prudência. Os jovens que, por imprudência perderam a virgindade, e reconheceram tarde demais que eram fracos, sabem que não é exagero exigir
que os namorados nunca fiquem sozinhos;
que sempre haja a presença de uma terceira pessoa;
que sempre namorem em um lugar claro e iluminado;
que evitem qualquer contato físico que possa causar excitação, seja em si seja no outro.
Convém lembrar – nunca será demais insistir – que a castidade é um tesouro: “um homem o acha e o torna a esconder e, na sua alegria, vai, vende tudo o que possui e compra aquele campo” (Mt 13,44).
Reconhecer e fazer descobrir a beleza fascinante da castidade
Não costumam ter sucesso as receitas para emagrecer que se concentram nas privações e proibições alimentares. É preciso algo para substituir, com vantagem, os alimentos proibidos aos obesos.
Também Jesus, em seu jejum, não embora se privasse de pão e sentisse fome, resistiu ao demônio dizendo: “Não só de pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus” (Mt 4,4).
Assim, uma pregação sobre a castidade precisa ser acompanhada de tudo o que ela tem de positivo, em compensação às privações que ela requer: o amor verdadeiro, a visão de Deus, o conhecimento de Deus, a alegria.
Nunca devemos esquecer esta bem-aventurança fundamental reservada aos castos: “Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus” (Mt 5,8).
1)”Há mais felicidade em dar que em receber” (At 20,35).
2) A família, santuário da vida (Encíclica Evangelium Vitae, n. 92).
3) Citação de Pe. Welington Leone Ceva, no retiro do clero da Diocese de Anápolis, ocorrido de 10 a 14 de dezembro de 2001.
4) cf. Ap 12
5) “Se não vos converterdes, e não vos tornardes como as crianças, de modo algum entrareis no Reino dos Ceús” (Mt 18,2).
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