Depois do último texto ter tido mais repercussão do que um dia poderia esperar, percebi duas coisas: existem vozes escondidas que queriam gritar ao mundo: “É possível viver plenamente, ser feliz, ancorando-se no Céu”. E que, a resposta para o tempo de hoje passa por identificar o momento de viver escondido e “pregar aos peixes”, como costumo brincar com meu Amigo Santo Antônio.
>> Clique aqui para seguir o canal da “Comunidade Católica Shalom” no Whatsapp
Sendo assim, hoje vou falar sobre um assunto que há tempos queria falar, mas, não me sentia pronta: os relacionamentos de amizade entre homens e mulheres. Temia porque me sinto exposta ao falar em tom de testemunho e partilha.
Afinal, existe amizade entre homens e mulheres?
Até eu que sou anos 90, não consigo mais lidar com isso…rs
Minha intenção aqui não é falar de comportamento, o que pode ou não pode. Quero, na realidade, te levar a refletir sobre a beleza de amizades estabelecidas na pureza e inteireza de quem reconhece a si mesmo e por se reconhecer, respeita e reconhece o Outro e os outros.
Eu já falei em vários momentos sobre minha timidez e que só Deus mesmo para realizar o milagre de me tirar dos meus casulos. Meus amigos são pessoas corajosas que furaram minhas bolhas e resolveram atravessar os muros que eu colocava à minha volta.
Como sou grata por cada um deles! Eu brinco que meus amigos são muito virtuosos porque me aturar não é para os fracos…kkkk
Eu tinha poucos amigos, mas ao mesmo tempo, trouxe algo da minha infância para a adolescência, juventude e vida adulta: nunca vi problema, muito menos malícia, ao ter amizades com os meninos, rapazes, homens.
Eu atribuo isso ao fato de minha família ser grande e sempre ter esse tom de espontaneidade e entrosamento entre homens e mulheres. Mas, nunca fiz questão de investigar a fundo. Fato é: eu sempre tive tanto amigas quanto amigos. E nem eram amizades coloridas, não. Era preto e branca, mesmo!
Sabe aquele burburinho em volta de uma moça e um rapaz que se aproximam? Lido com isso desde que me entendo por gente. E quem não? Na minha adolescência eu vivia tudo isso com muita naturalidade.
Os rapazes que me respeitavam e me tratavam com dignidade, eu admirava, e se tornaram meus amigos e vice-versa. Após a minha experiência de Deus aos 16 anos, a amizade ganhou ainda mais beleza. Comecei a ressignificar a forma de me relacionar com todos, a começar comigo mesma.
Um novo jeito de se relacionar
Me conhecer mais, entender meus pensamentos e sentimentos. Passei a olhar dentro de mim, e buscar não só a Aline, mas, Deus e em Deus, a Aline que Ele sonhou e criou.
Entende-se no senso comum que uma jovem ou um jovem que quer viver a radicalidade evangélica no meio de outros jovens que não tinham essa experiência poderia ser ridicularizada. Mas eu não fui. A timidez me preservou, e separou para mim só os melhores.
Meus amigos e amigas me respeitavam. E assim, da menina tímida me tornei uma jovem que aprendeu a se comunicar em vista da missão que Deus me confiava. Contudo, continuei e continuo com minhas inseguranças, faz parte da minha história e não posso negá-las.
Eu me relacionava com todos, mas reservava os ambientes privados para pouquíssimos. Primeiro pela timidez e hoje pelo reconhecimento que amizade é um laço de confiança que se reserva para poucos. E nesses poucos tinham amigas e também amigos.
Eu escutei muito das pessoas que era ingênua e até perdi as contas de quantas vezes fui mal interpretada por causa dessa “ingenuidade” na amizade com rapazes. Eu respondia: “prefiro viver minha ingenuidade do que ser maliciosa”.
Hoje entendo que é preciso “ser simples (pura) como as pombas e prudente como as serpentes”. Não que eu já seja, estou na luta rs.
A importância de se reconhecer os limites
Eu era ciente que ser amiga de rapazes tinha limites próprios, exigia mais cuidado em relação aos sentimentos meus e do outro. Mas não via nisso um problema. Pelo contrário, via com naturalidade, como até hoje vejo.
Na medida em que os anos passaram, Deus me pedia medidas novas de castidade. Ele me pedia mais. E eu respondia: “eu vou”. Morrendo de medo de parar em um convento rs.
Nessa busca por uma vida casta, nunca, nunquinha deixei de ter amizade com rapazes. Como eu disse, realmente nunca foi um problema. Porque eu os via como amigos.
Na minha realidade, não conseguia entender as amizades com duplicidades. Para mim, essas não podiam ser chamadas de amizades e ponto.
É por terem pessoas que chamam relacionamentos com base nas emoções egoístas e afetos imaturos de amizade, que se cria confusão sobre a real amizade entre moças e rapazes, homens e mulheres. É preciso dar nomes corretos a cada uma das situações.
O que é ser amigo?
Amizade é cumplicidade, é laço de confiança, é entrega, é retidão, é pureza.
Não podemos chamar de amizade relacionamentos baseados em interesses, seja por uma aproximação cheia de insinuações e indiretas (algumas vergonhosas, até), seja por uma aproximação que reflete a carência e insegurança em si mesmo(a).
Não podemos chamar de amizade o que nosso fundador chama de “caça” em nossos Escritos. Precisamos ser claros, ter coragem de olhar para dentro de nós e darmos os devidos nomes ao que sentimos e a quem está nos governando.
Ajo segundo minha razão ou segundo minhas emoções, meus impulsos? Falo isso porque eu já vivi e vivo na Carne. Quantas vezes eu reconheci em mim carências e interesses egoístas e fui consolada e formada pelos livros espirituais? Quantas vezes eu me escondi no sacrário, e chorei aos pés de Jesus depositando ali minhas paixões e apaixonamentos?
Quantas vezes me arrependi por ter vivido segundo meus impulsos e emoções? E quantas vezes louvei a Deus pela Graça de freá-los em vista da Vontade Dele para mim?
Quantas vezes me vi me apaixonando por amigos e antes de qualquer coisa perguntei a Deus, qual era a Vontade Dele? Quantas vezes amigos se apaixonaram por mim e juntos trilhamos um caminho de decisão pelo o que era melhor para os dois?
Nós precisamos enfrentar quem somos, para sermos capazes de amar e sermos dignos de confiança, mesmo que isso doa. E, olha, por experiência própria, é melhor deixar doer para se conhecer do que você ficar perdendo tempo se debatendo em muros e decisões erradas.
Peçamos a Deus a Graça da Coragem, da Renúncia e da Disposição para viver o que Ele quer que vivamos.
Amizades Transfiguradas por Deus
Ainda na minha juventude, um dos livros que mais me marcou foi “Amizades Transfiguradas”, que fala sobre a vivência de um Instituto Religioso formado por homens e mulheres. Nele, não há romantismo, é vida. Homens e mulheres para serem amigos precisam antes assumir a postura de serem castos.
E ser castos meus irmãos, nada mais é do que amar o outro em sua integralidade. É simples, mesmo que seja exigente no início. Para além do momento e sentimentos, que passam, amizade é o olhar transfigurado na Eternidade que acolhe o outro em sua essência. E quanto mais vivo, mais me sinto livre para amizades sadias.
Quando partilho isso tenho medo de você me achar presunçosa. E achar que estou escrevendo porque “sou doutora e perfeitinha” no assunto. Não mesmo, viu? Pelo contrário!
Sei que se não viver meu cotidiano e minha vida em Deus, posso voltar ao início muito pior, como o ladrão que volta porque a casa não estava bem guardada. Até mesmo escrever esse texto para mim é uma humilhação, como me é difícil te deixar pensar o que quiser sobre mim!! Mas ainda assim, nessa humilhação, partilho porque todos nós precisamos crescer e amadurecer em relacionamentos fecundos em Deus, puros em Deus.
Me dói ver moças e rapazes já se relacionarem com intenções em relacionamentos “afetivos”, sem ao menos se darem a chance de criar um vínculo de conhecimento mútuo.
Me dói saber que muitos jovens, homens e mulheres, têm medo de se conhecerem e de criarem laços de amizade porque não querem ficar na “friendzone” ou seja lá qual a nomenclatura atual para isso.
Me dói, porque a pessoa que vive na superficialidade corre o risco de não experimentar a Graça de ter amizades autênticas e que buscam a santidade.Que buscam e “reconhecem-se” mutuamente porque ambos buscam Deus.
Como é rica a amizade dos santos, Santa Clara e São Francisco, Madre Teresa e São João Paulo II, Sant’Anna e São Joaquim, São José e Nossa Senhora, São Luís Martin e Santa Zélia.
Por que não? É das amizades que nascem namoros e matrimônios santos, também. Libertemo-nos do excesso de futuro. Libertemo-nos do imediatismo. Para que possamos viver o hoje, de forma pura, pobre e obediente, deixando que Deus nos forme em cada passo, em cada amizade, em cada relacionamento.
Na minha juventude, eu acabava conseguindo partilhar minha vida com meus amigos e amigas reconhecendo as graças e os limites de cada um, quase que intuitivamente. Nas amigas, consolo. Nos amigos, objetividade e exortação.Era e é cada puxão de orelha!
E cresci muito devido a essa complementaridade. É o que desejo aos jovens e adultos que vivem a busca e a alegria da radicalidade evangélica.
Vamos ser santos juntos!!!
Aline, muito obrigada pela linda partilha. Que Deus te abençoe. Me identifiquei com sua história em vários momentos. Testemunhar é um desafio, porque “cobra” de nós uma ação e reconhecimento. Mas observamos que tudo é graça de Deus.