Formação

A beleza do ministério sacerdotal

comshalom

Prezados irmãos no ministério sacerdotal,

Amados irmãos e irmãs,

 O Ano Sacerdotal que celebrámos 150 anos depois da morte doSanto Cura d’Ars, modelo do ministério sacerdotal no nosso mundo, está paraterminar. Deixámo-nos guiar pelo Cura d’Ars, para voltarmos a compreender agrandeza e a beleza do ministério sacerdotal. O sacerdote não é simplesmente odetentor de um ofício, como aqueles de que toda a sociedade tem necessidadepara nela se realizarem certas funções. É que o sacerdote faz algo que nenhumser humano, por si mesmo, pode fazer: pronuncia em nome de Cristo a palavra daabsolvição dos nossos pecados e assim, a partir de Deus, muda a situação danossa vida. Pronuncia sobre as ofertas do pão e do vinho as palavras deagradecimento de Cristo que são palavras de transubstanciação – palavras que Otornam presente a Ele mesmo, o Ressuscitado, o seu Corpo e o seu Sangue, eassim transformam os elementos do mundo: palavras que abrem de par em par omundo a Deus e o unem a Ele. Por conseguinte, o sacerdócio não é simplesmente«ofício», mas sacramento: Deus serve-Se de um pobre homem a fim de, atravésdele, estar presente para os homens e agir em seu favor. Esta audácia de Deus –que a Si mesmo Se confia a seres humanos; que, apesar de conhecer as nossasfraquezas, considera os homens capazes de agir e estar presentes em seu nome –esta audácia de Deus é o que de verdadeiramente grande se esconde na palavra«sacerdócio». Que Deus nos considere capazes disto; que deste modo Ele chamehomens para o seu serviço e Se prenda assim, a partir de dentro, a eles: isto éo que, neste ano, queríamos voltar a considerar e compreender. Queríamosdespertar a alegria por termos Deus assim tão perto, e a gratidão pelo facto deEle Se confiar à nossa fraqueza, de Ele nos conduzir e sustentar dia após dia.E queríamos assim voltar a mostrar aos jovens que esta vocação, esta comunhãode serviço a Deus e com Deus, existe; antes, Deus está à espera do nosso «sim».Juntos com a Igreja, queríamos novamente assinalar que esta vocação devemospedi-la a Deus. Pedimos operários para a messe de Deus, mas este pedido a Deusé simultaneamente Deus que bate à porta do coração de jovens que se consideremcapazes daquilo de que Deus os considera capazes. Era de esperar que este novoresplendor do sacerdócio não fosse visto com agrado pelo «inimigo»; este teriapreferido vê-lo desaparecer, para que em definitivo Deus fosse posto fora domundo. E assim aconteceu que, precisamente neste ano de alegria pelo sacramentodo sacerdócio, vieram à luz os pecados dos sacerdotes – sobretudo o abusocontra crianças, no qual o sacerdócio enquanto serviço da solicitude de Deus embenefício do homem se transforma no contrário. Também nós pedimosinsistentemente perdão a Deus e às pessoas envolvidas, enquanto pretendemos eprometemos fazer tudo o possível para que um tal abuso nunca mais possasuceder; prometemos que, na admissão ao ministério sacerdotal e na formação aolongo do caminho de preparação para o mesmo, faremos tudo o que pudermos paraavaliar a autenticidade da vocação, e que queremos acompanhar ainda mais os sacerdotesno seu caminho, para que o Senhor os proteja e guarde em situações penosas enos perigos da vida. Se o Ano Sacerdotal devesse ser uma glorificação do nossoserviço humano pessoal, teria ficado arruinado com estas vicissitudes. Mas,para nós, tratava-se precisamente do contrário: sentir-se agradecidos pelo domde Deus, dom que se esconde em «vasos de argila» e que sem cessar, através detoda a fraqueza humana, concretiza neste mundo o seu amor. Assim consideramostudo o que sucedeu como um serviço de purificação, um serviço que nos lançapara o futuro e faz agradecer e amar muito mais o grande dom de Deus. Destemodo, o dom torna-se o compromisso de responder à coragem e à humildade de Deuscom a nossa coragem e a nossa humildade. Nesta hora, a palavra de Cristo, queproclamámos no cântico de entrada desta liturgia, pode dizer-nos o quesignifica tornar-se e ser sacerdotes: «Tomai o meu jugo sobre vós e aprendei deMim, que Eu sou manso e humilde de Coração» (Mt 11, 29).

 Celebramos a festa do Sagrado Coração de Jesus e, com aliturgia, por assim dizer lançamos um olhar dentro do Coração de Jesus que, namorte, foi aberto pela lança do soldado romano. Sim, o seu Coração está abertopor nós e aos nossos olhos; e deste modo está aberto o Coração do próprio Deus.A liturgia dá-nos a interpretação da linguagem do Coração de Jesus, que falasobretudo de Deus como pastor dos homens e, deste modo, manifesta-nos osacerdócio de Jesus, que está radicado no íntimo do seu Coração; indica-nosassim o perene fundamento e também o critério válido de todo o ministériosacerdotal, que deve estar sempre ancorado no Coração de Jesus e ser vivido apartir dele. Hoje queria meditar principalmente sobre os textos com que aIgreja em oração responde à Palavra de Deus apresentada nas leituras. Nestescânticos, compenetram-se palavra e resposta; por um lado, são tirados daPalavra de Deus, mas, por outro e simultaneamente, são já a resposta do homem àreferida Palavra, resposta na qual a própria Palavra se comunica e entra na nossavida. O mais importante destes textos na liturgia de hoje é o Salmo 22 (23) –«O Senhor é meu pastor» –; nele Israel acolheu em oração a auto-revelação deDeus como pastor e dela fez a orientação para a sua própria vida. «O Senhor émeu pastor, nada me falta»: neste primeiro versículo, exprimem-se alegria egratidão pelo facto de Deus estar presente e Se ocupar de nós. A leitura tiradado Livro de Ezequiel começa com o mesmo tema: «Eu próprio tomarei cuidado dasminhas ovelhas, Eu é que hei-de olhar por elas» (Ez 34, 11). Deus,pessoalmente, cuida de mim, de nós, da humanidade. Não fui deixado sozinho,perdido no universo e numa sociedade onde se fica cada vez mais desorientado.Ele cuida de mim. Não é um Deus distante, para Quem contaria muito pouco a minhavida. As religiões da Terra, por aquilo que nos é dado ver, sempre souberamque, em última análise, só há um Deus; mas este Deus era distante.Aparentemente, Ele deixava o mundo abandonado às outras potestades e forças, àsoutras divindades. Com estas, era preciso encontrar um acordo. O Deus único erabom, mas distante. Não constituía um perigo, mas tampouco oferecia uma ajuda.Assim, não era necessário ocupar-se d’Ele. Não era Ele que dominava. Porestranho que pareça, este pensamento ressurgiu no Iluminismo. Que o mundopressupõe um Criador, ainda se compreendia. Este Deus teria construído o mundo,mas depois, evidentemente, retirou-se dele. Agora o mundo tinha um conjuntopróprio de leis, segundo as quais se desenvolvia e nas quais Deus nãointervinha, nem podia intervir. Deus era apenas uma origem remota. Muitostalvez não desejassem sequer que Deus cuidasse deles. Não queriam serincomodados por Deus. Mas, sempre que a solicitude e o amor de Deus sãosentidos como incómodo, o ser humano acaba subvertido. É bom e consolador saberque há uma pessoa que me ama e cuida de mim; mas muito mais decisivo é queexista um Deus que me conhece, me ama e Se preocupa comigo. «Conheço as minhasovelhas, e elas conhecem-Me» (Jo 10, 14): diz a Igreja, antes do Evangelho,tomando uma palavra do Senhor. Deus conhece-me, preocupa-Se comigo: estepensamento deveria fazer-nos verdadeiramente felizes; deixemo-lo penetrarprofundamente no nosso íntimo. Então compreenderemos também o que significaisto: Deus quer que nós, como sacerdotes, num pequenino ponto da história,compartilhemos as suas preocupações pelos homens. Como sacerdotes, queremos serpessoas que, em comunhão com a sua solicitude pelos homens, cuidamos deles elhes fazemos experimentar concretamente esta solicitude de Deus. E o sacerdote,no âmbito que lhe está confiado, deveria poder dizer juntamente com o Senhor:«Conheço as minhas ovelhas, e elas conhecem-me». O sentido deste «conhecer», naSagrada Escritura, nunca é simplesmente o de um saber exterior, como quando seconhece o número do telefone de uma pessoa; mas «conhecer» significa estarinteriormente próximo do outro, amá-lo. Nós havemos de procurar «conhecer» oshomens por parte de Deus e em ordem a Deus; havemos de procurar caminhar comeles pela estrada da amizade de Deus.

 

Voltemos ao nosso Salmo. Lá se diz: «Ele me guia pelocaminho mais seguro para glória do seu nome. Passarei ravinas tenebrosas e nãotemo; Vós estais comigo, o vosso cajado me sossega» (22, 3-4). O pastor indicaa estrada certa àqueles que lhe estão confiados. Vai à sua frente e guia-os.Por outras palavras: o Senhor mostra-nos como se realiza de modo justo o serhomens. Ensina-nos a arte de ser pessoa. Que devo fazer para não me afundar,para não desperdiçar a minha vida com o que não tem sentido? Esta éprecisamente a pergunta que cada homem se deve colocar a si mesmo, válida emcada período da vida. E como é grande a escuridão à volta de tal pergunta, nonosso tempo! Vem-nos sempre de novo à mente aquela atitude de Jesus, que Seenchera de compaixão pelos homens, porque eram como ovelhas sem pastor. Senhor,tende piedade também de nós! Indicai-nos a estrada! A partir do Evangelho,sabemos isto: Ele mesmo é o caminho. Viver com Cristo, segui-Lo: isto significaencontrar o caminho certo, para que a nossa vida ganhe sentido e possamos dizerum dia: «Sim, foi bom viver». O povo de Israel sentia-se, e sente-se,agradecido a Deus, porque lhe indicou, nos Mandamentos, o caminho da vida. Olongo Salmo 118 (119) é todo ele uma expressão de alegria por este facto: nãotitubeamos na escuridão. Deus mostrou-nos qual é o caminho, como podemoscaminhar de modo certo. O que dizem os Mandamentos foi sintetizado na vida deJesus e tornou-se um modelo vivo. Compreendemos assim que estas directrizes deDeus não são algemas, mas o caminho que Ele nos indica. Podemos alegrar-nos porelas, e exultar porque em Cristo nos aparecem como realidade vivida. Ele mesmonos tornou felizes. Caminhando juntamente com Cristo, fazemos a experiência daalegria da Revelação, e, como sacerdotes, devemos comunicar às pessoas aalegria pelo facto de nos ter sido indicado o caminho certo da vida.

 

Aparece depois a palavra que nos fala de «ravinastenebrosas», através das quais o homem é guiado pelo Senhor. O caminho de cadaum de nós conduzir-nos-á um dia às ravinas tenebrosas da morte, onde ninguémpode acompanhar-nos. Mas Ele estará lá. O próprio Cristo desceu à noite escurada morte. Mesmo lá, Ele não nos abandona. Mesmo lá, Ele nos guia. «Se desceraos abismos, ali Vos encontrais»: diz o Salmo 138 (139). Sim, Vós estaispresente mesmo no último transe; e assim o nosso Salmo Responsorial pode dizer:mesmo lá, nas ravinas tenebrosas, não temo mal algum. Mas, ao falar de ravinastenebrosas, podemos pensar também nas ravinas tenebrosas da tentação, dodesânimo, da provação, que cada pessoa humana tem de atravessar. Mesmo nestasravinas tenebrosas da vida, Ele está presente. Sim, Senhor, nas trevas datentação, nas horas de ofuscamento quando todas as luzes parecem apagar-se,mostrai-me que estais presente. Ajudai-nos, a nós sacerdotes, para podermosnessas noites escuras estar ao lado das pessoas que nos foram confiadas, parapodermos mostrar-lhes a vossa luz.

 

«O vosso cajado me sossega»: o pastor precisa de usar ocajado como um bastão contra os animais selvagens que querem irromper no meiodo rebanho; contra os salteadores que procuram o seu botim. A par de bastão, ocajado serve também de apoio e ajuda para atravessar sítios difíceis. As duascoisas fazem parte também do ministério da Igreja, do ministério do sacerdote.Também a Igreja deve usar o bastão do pastor, o bastão com que protege a fécontra os falsificadores, contra as orientações que, na realidade, sãodesorientações. Por isso mesmo este uso do bastão pode ser um serviço de amor.Hoje vemos que não se trata de amor, quando se toleram comportamentos indignosda vida sacerdotal. E também não se trata de amor, se se deixa proliferar aheresia, a deturpação e o descalabro da fé, como se tivéssemos nósautonomamente inventado a fé; como se já não fosse dom de Deus, a pedrapreciosa que não deixaremos arrebatar. Ao mesmo tempo, porém, o bastão devecontinuar a ser o cajado do pastor, cajado que ajude os homens a poderemcaminhar por sendas difíceis e a seguirem o Senhor.

 A parte final do Salmo fala da mesa preparada, do óleo comque se unge a cabeça, do cálice transbordante, de poder habitar junto doSenhor. No Salmo, tudo isto exprime, antes de mais nada, a dimensão da alegriapela festa de estar com Deus no templo, ser hospedados e servidos por Elemesmo, poder habitar junto d’Ele. Para nós, que rezamos este Salmo com Cristo ecom o seu Corpo que é a Igreja, esta dimensão de esperança adquiriu umaamplidão e profundidade ainda maiores. Por assim dizer, vemos nestas palavrasuma antecipação profética do mistério da Eucaristia, no qual Deus mesmo nosacolhe como seus comensais oferecendo-Se-nos a Si mesmo como alimento, comoaquele pão e aquele vinho refinados que são os únicos capazes de constituir aderradeira resposta à fome e sede íntima do homem. Como não sentir-se feliz porpoder cada dia ser hóspede à própria mesa de Deus, por habitar junto d’Ele?Como não sentir-se feliz pelo facto de Ele nos ter mandado: «Fazei isto emmemória de Mim»? Felizes porque Ele nos concedeu preparar a mesa de Deus paraos homens, dar-lhes o seu Corpo e o seu Sangue, oferecer-lhes o dom precioso dasua própria presença. Sim, com todo o coração podemos rezar juntos as palavrasdo Salmo: «A vossa bondade e misericórdia me acompanham no caminhar da minhavida» (22, 6).

 Por último lancemos, ainda que brevemente, um olhar sobre osdois cânticos da comunhão propostos pela Igreja na sua liturgia de hoje. Emprimeiro lugar, temos as palavras com que São João conclui a narração dacrucifixão de Jesus: «Um dos soldados abriu o seu lado com uma lança e delebrotou sangue e água» (Jo 19, 34). O Coração de Jesus é trespassado pela lança.Aberto, torna-se uma fonte; a água e o sangue que saem remetem para os doisSacramentos fundamentais de que vive a Igreja: o Baptismo e a Eucaristia. Dolado trespassado do Senhor, do seu Coração aberto brota a fonte viva que correatravés dos séculos e faz a Igreja. O Coração aberto é fonte de um novo rio devida; neste contexto, João certamente pensou também na profecia de Ezequiel quevê brotar do novo templo um rio que dá fecundidade e vida (cf. Ez 47): opróprio Jesus é o novo templo, e o seu Coração aberto a fonte da qual jorra umrio de vida nova, que se nos comunica no Baptismo e na Eucaristia.

 Mas a liturgia da Solenidade do Sagrado Coração de Jesusprevê como cântico de comunhão ainda outra frase, ligada à primeira, tirada doEvangelho de João: «Se alguém tem sede, venha a Mim e beba, diz o Senhor. Sealguém acredita em Mim, do seu coração brotará uma fonte de água viva» (cf. Jo7, 37-38). Na fé, por assim dizer bebemos da água viva da Palavra de Deus.Deste modo o próprio fiel torna-se uma fonte, dá à terra sequiosa da históriaágua viva. Vemo-lo nos Santos. Vemo-lo em Maria que, como grande mulher de fé ede amor, se tornou ao longo dos séculos fonte de fé, amor e vida. Cada cristãoe cada sacerdote deveriam, a partir de Cristo, tornar-se fonte que comunicavida aos outros. Devemos dar água da vida a um mundo sedento. Senhor, nós Vosagradecemos porque nos abristes o vosso Coração; porque, na vossa morte e navossa ressurreição, Vos tornastes fonte de vida. Fazei que sejamos pessoas quevivem, que vivem da vossa fonte, e concedei-nos a possibilidade de sermostambém nós fontes capazes de dar a este nosso tempo água da vida. Nós Vosagradecemos pela graça do ministério sacerdotal. Senhor, abençoai-nos a nós eabençoai todos os homens deste tempo que estão sedentos e andam à procura.Amen.

 Saudações no final da Santa Missa

 Queridos sacerdotes dos países de língua oficial portuguesa,dou graças a Deus pelo que sois e pelo que fazeis, recordando a todos que nadajamais substituirá o ministério dos sacerdotes na vida da Igreja. A exemplo esob o patrocínio do Santo Cura d’Ars, perseverai na amizade de Deus e deixaique as vossas mãos e os vossos lábios continuem a ser as mãos e os lábios deCristo, único Redentor da humanidade. Bem hajam!


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