O pescador de pérolas dos mares do sul, que mergulha em busca de pérolas preciosas, faz uma experiência singular que, em menores proporções, é a de qualquer nadador, quando tenta imergir-se na água. Esta tende, com toda a sua massa, a repeli-lo para fora. É o conhecido princípio de Arquimedes referente ao empuxo vertical de baixo para cima que sofre um corpo mergulhado num líquido.
Quanto maior e mais volumoso é o corpo, maior a massa de água que desloca e, por conseguinte, o empuxo sofrido para cima. Tudo, portanto, tende a manter ou reconduzir o pescador à superfície. Mas ele é puxado para baixo pela esperança e, não raro, pela necessidade, pois deste trabalho depende o sustento. Por isso, com vigorosas braçadas e rápido movimento dos pés, dirige-se verticalmente para o fundo. Ingente é seu esforço, mas dá lugar a incontida alegria, no momento em que vislumbra, no fundo das águas, uma concha semi-aberta deixando entrever a reluzente pérola.
Aventura parecida com a do pescador de pérolas é a busca da humildade. O cristão que faz esta experiência está buscando, paralelamente, a sua verdade. Efetivamente, também nela é forçoso rumar para baixo, imergir-se abaixo do espelho tranqüilo das próprias ilusões pessoais, descer, descer, até alcançar o terreno sólido onde repousa a verdade a nosso respeito. E tudo isso, enquanto uma força bem mais terrível que a do mar – a força do nosso orgulho nativo – tende a fazer-nos ir “para cima”, e nos fazer “emergir”, a erigir-nos acima de nós mesmos e acima dos outros.
Mas a pérola que nos espera no termo desta descida, encerrada na concha do nosso coração, é preciosa demais para que possamos desistir da empresa e dar-nos por vencidos. Trata-se, com efeito, de sobrelevar a esfera ilusória do “parecer” ou do “imaginar-se”, para atingir o nosso verdadeiro “ser”, já que – como dizia São Francisco de Assis – “o homem, quanto vale diante de Deus, tanto vale e nada mais” (FF. 169).
O homem – foi notado – tem duas vidas: uma é a vida verdadeira; a outra, a imaginária que vive da opinião, própria ou alheia. Nós nos esforçamos incansavelmente por embelezar e conservar o nosso ser imaginário e não ligamos para o verdadeiro. Caso tenhamos uma virtude ou mérito qualquer, damo-nos pressa em torná-los conhecidos, de um jeito ou de outro, para enriquecer com tal virtude ou mérito o nosso imaginário, dispostos até a depreciar-nos para acrescentar-lhe alguma coisa, até consentir, por vezes, sem ser covardes, contanto que pareçamos valorosos e até em pôr a vida em perigo, contanto que o povo fale disso ( cf. B. Pascal, Pensés, n. 147 Br.). A empresa da humildade é, pois, uma empresa em prol do “ser” e da autenticidade e, como tal, nos interessa enquanto homens, antes mesmo do que enquanto crentes.
Ser humilde é humano! Homem (homo) e humildade (humilitas) derivam ambos do mesmo termo (humus) que significa terra, solo. Quem combateu rigidamente a moral cristã por pregar a humildade (Nietzsche) combateu-a por causa de uma das mais valiosas prendas que ela trouxe ao mundo. Fiemo-nos, pois, do nosso guia seguro que é o Apóstolo Paulo, ou, ainda melhor, da Palavra de Deus; ela fará de nós, pelo poder do Espírito, pescadores que, na vida, nada mais podem nem querem fazer do que procurar esta pérola preciosa.
São Paulo em sua carta aos romanos diz: “Não vos estimeis mais do que convém estimar-se, mas estimai-vos de modo a terdes de vós uma estima justa… Não aspireis a coisas altas demais; pelo contrário, deixai-vos atrair pelas humildes. Não tenhais um conceito elevado demais de vós mesmos” ( Rm 12,3.16). O apóstolo identifica na humildade o segundo valor fundamental ( a caridade é o primeiro), a segunda direção na qual devemos empenhar-nos por renovar, no Espírito, a nossa própria vida. O segredo reside, também neste caso, na leitura espiritual da palavra de Deus.
No Novo Testamento, Jesus exorta seus discípulos a não escolherem o primeiro lugar, mas o último, e conclui: “Todo aquele que se exalta será humilhado e todo aquele que se humilha será exaltado” (Lc 14,7-11). Os cristãos são exortados a não aspirar aos primeiros lugares, às posições mais eminentes, mas a escolher para si, quanto possível, as humildes. Por que Deus assim faz: “Eleva os humildes e rebaixa os soberbos”? Deus ama a humildade porque o humilde vive na verdade; é um homem verdadeiro. Ele pune a soberba, porque a soberba, antes mesmo que arrogância, é mentira. Com efeito, tudo o que no homem não é humildade, é mentira.
A palavra “humildade”, no conceito bíblico, não tem o significado negativo, de baixeza, pequenez, mesquinhez, mas duas noções fundamentais que permitem associar entre si, no homem, humildade e verdade.
Quando o salmista diz: “Reconheço a minha culpa… Contra ti, só contra ti pequei… Mas tu queres a sinceridade do coração e no íntimo me ensinas a sabedoria” (Sl 51), ele vive um típico sentimento de humildade-verdade que o impele a expressar estas palavras. Por isso, São Paulo exorta os cristãos a não conceberem uma idéia errada e exagerada de si mesmos, mas a ter antes, de si, uma estima justa, sóbria, quase poderíamos dizer, objetiva. “Conceber uma idéia sóbria de si” é a mesma coisa de dizermos “tender às coisas humildes”.
Assim fazendo, ele acaba dizendo que o homem é sábio quando humilde, e humilde quando é sábio. Rebaixando-se, o homem aproxima-se da verdade. Este motivo da humildade é ao mesmo tempo antropológico e teológico, pois também diz respeito a Deus, e não só ao homem. “Deus é luz”, diz São João ( 1Jo 1,5), é verdade, e não pode encontrar o homem a não ser na verdade. Ele concede a sua graça ao humilde porque só o humilde é capaz de reconhecer a graça: não diz: “O meu braço, ou a minha mente fizeram isto!” (cf. Dt 8,17; Is 10,13).
Santa Teresa de Ávila escreveu: “Eu me perguntava por que motivo o Senhor ama tanto a humildade, e acudiu-me à mente de improviso, sem reflexão alguma da minha parte, que deve ser porque ele é a suma Verdade e a humildade é verdade” (Cast. Int. VI mor., c. 10). A santa chegou, por conta própria, à mesma conclusão de São Paulo; Deus lhe comunicou, não por via de exegese, mas de iluminação interior, a verdade da sua palavra.
Então, começamos a descida ruma “à pérola” da qual se falava no princípio. O Apostólo não nos deixa agora no vago ou na superfície, a respeito desta verdade sobre nós mesmos. Algumas frases lapidares, contidas em outras cartas, mas pertencentes a esta mesma ordem de idéias, têm o condão de subtrair-nos todo ponto de apoio e fazer-nos descer realmente até ao fundo na descoberta da verdade. Uma dessas frases diz: Que tens que não hajas recebido?
E se o recebeste, por que te glorias como se não o tivesse recebido? ( 1Cor 4,7). Uma só coisa há que eu não recebi, que é totalmente minha, o pecado. Este, eu sei e sinto que vem de mim, que em mim identifica o seu nascedouro ou, seja como for, no homem e no mundo, não em Deus, ao passo que o resto – inclusive o fato de reconhecer que o pecado procede de mim – é de Deus.
Outra frase diz: Se alguém pensa ser alguma coisa quando não é nada, engana-se a si mesmo! (Gl 6,3). A “justa estima” de si mesmo é, portanto, esta: reconhecer o nosso nada! Este é o terreno sólido ao qual tende a humildade! A pérola preciosa é precisamente a sincera e pacífica persuasão de que, por nós mesmos, não somos nada, não podemos pensar nada, não podemos fazer nada. Sem mim não podeis “fazer” nada, diz Jesus ( Jo 15,5) e o Apóstolo acrescenta: “Não que por nós mesmos sejamos capazes de ‘pensar’ alguma coisa…” ( 2 Cor 3,5). Nós podemos, dada a ocasião, recorrer a uma ou outra destas sentenças para atalhar uma tentação, um pensamento, uma complascência, como a uma verdadeira “espada do Espírito”. A eficiência da Palavra de Deus comprova-se sobretudo neste caso: quando é usada contra si mesmo, mais do que quando se usa contra os outros.
Para verdadeiramente reconhecermos a nossa verdade é necessário que nos guiemos pela força da Palavra de Deus, que entremos num processo objetivo de docilidade e “obediência à verdade”, num deixar-se “educar por Deus”. Neste caso, é o Espírito Santo que nos conduz a descoberta da “verdade toda inteira” a nosso respeito e nos “convence” do nosso nada.
Mas como pode o Apóstolo dizer que, na realidade, somos um “nada” se, na ordem da criação, a Bíblia exalta o homem dizendo que Deus o fez “pouco menos que os anjos”, que “coroou de glória e honra” e lhe pôs tudo “debaixo dos pés” (cf. Sl 8), e se, na ordem da redenção, ele mesmo afirma que fomos “enriquecidos de todos os dons”, que “de nenhum dom da graça carecemos”, que somos realmente filhos de Deus e herdeiros de Cristo (cf. 1Cor 1,5.7; Rm 8,17)? Mas é precisamente tudo isso que postula a humildade! O homem nada tem de seu, nada de que se possa vangloriar. É a vanglória do homem que é excluída pela humildade, não o reconhecimento, nem a gratidão.
Deste modo, somos conduzidos a descobrir a verdadeira natureza do nosso nada, que não é um nada puro e simples, uma “incente insignificância”… Divisamos a meta última a que a Palavra de Deus nos quer conduzir, que é reconhecer o que somos realmente: um nada soberbo! Eu sou aquele fulano que “acredita ser alguma coisa”, ao passo que é nada; sou aquele que nada tem que não seja recebido, mas sempre se vangloria – ou é tentado de vangloriar-se – de alguma coisa, como se não o tivesse recebido! Esta não é uma situação de alguns, e sim uma miséria de todos.
É a própria definição do homem velho: um nada que acredita ser alguma coisa, um nada soberbo. O próprio Apóstolo confessa o que descobria quando também descia ao fundo do seu coração: “Descubro em mim – dizia – uma outra lei…, descubro que o pecado habita em mim… Sou um desventurado! Quem me libertará?” (cf. Rm 7,14-25). Para S. Paulo, esta “outra lei”, este “pecado residente” é, como se sabe, sobretudo a autoglorificação, o orgulho, o tirar vanglória de si.
No termo da nossa descida, não descobrimos, pois, em nós a humildade, mas a soberba. Mas precisamente esta descoberta de que somos radicalmente soberbos e que somos por culpa nossa, não de Deus, porque nos tornamos assim pelo mau uso que fazemos da nossa liberdade, é exatamente a humildade, pois esta é a verdade. Ter descoberto esta meta, ou mesmo tê-la só divisado como de longe, através da Palavra de Deus, é uma grande graça.
Confere uma paz inusitada. Como quem, em tempo de guerra, descobriu que dispõe debaixo da própria casa, sem sequer ter de sair dela, um refúgio seguro contra bombardeios, absolutamente inatingível. Uma grande mestra da vida espiritual – a Beata Ângela de Foligno – , estando na iminência de morrer, exclamou: “Ó nada desconhecido, ó nada desconhecido! Não pode a alma ter melhor visão neste mundo do que contemplar o próprio nada e habitar nele como a cela de um cárcere” ( O livro da Beata Ângela de Foligno, Quaracchi, 1985, p. 737). A mesma santa exortava seus filhos espirituais a fazer o possível para voltar logo a esta cela, mal, por qualquer motivo, dela hajam saído. É mister proceder como certos animais muito esquivos, que nunca se afastam da boca das suas tocas, de sorte a poderem tornar a elas logo ao primeiro sinal de perigo.
Há um grande segredo escondido neste conselho, uma verdade misteriosa que a experiência comprova. Descobre-se então que esta cela de fato existe e que nela de fato se pode entrar quantas vezes se queira. Ela consiste no pacífico e tranqüilo sentimento de ser um nada, e um nada soberbo. Quando se está dentro da cela deste cárcere, não se vêem mais os defeitos, ou se vêem sob uma luz diferente.
Percebe-se que é possível, com a graça e o exercício, realizar o que diz o Apóstolo e que, à primeira vista, parece exagerado, isto é, “considerar a todos os outros superiores a si” ( cf. Fl 2,3), ou ao menos compreende-se como isto se tornou possível aos santos. Encerrar-se neste cárcere é bem diferente de encerrar-se em si mesmo; pelo contrário, é abrir-se para os outros, para o ser, a objetividade das coisas. O contrário daquilo que sempre pensaram os inimigos da humildade cristã. É fechar-se ao egoísmo, não no egoísmo. É a vitória sobre um dos males que a mesma psicologia moderna julga funesto à pessoa humana: o narcisismo.
Além disso, a esta cela o inimigo não tem acesso. Um dia, o grande Santo Antão teve uma visão: viu, num átimo, todas as infinitas armadilhas do inimigo estendidas sobre a terra e disse, gemendo: “Então, quem poderá evitar tantas armadilhas?” e ouviu uma voz responder-lhe: “A humildade!” ( Apoph. Ant. 7; PG 65,77).
Mas o mais valioso segredo desta cela é que nela se recebe a visita de Deus. Não há lugar no mundo em que Deus mais se compraz em encontrar sua criatura. Esta cela escura, que é o coração contrito e humilhado, é para ele, na realidade, toda luminosa, pois nela resplandece a verdade. Esta é a moradia preferida de Deus, o lugar onde ele gosta de “descer e passear”, como fazia, antes do pecado, no paraíso terrestre. No profeta Isaías ouvimos um sublime solilóquio de Deus. Ele fita o céu e diz: “É o meu trono!, olha a terra e diz: “É o escabelo dos meus pés!”. Todas estas coisas – prossegue – foram feitas por minha mão e são minhas. Em que lugar poderei fixar a munha morada?
Sobre quem voltarei o olhar? E a resposta de Deus é: Sobre o humilde que tem o coração contrito! ( Is 66,2s. 57,15). Tudo, no universo, é de Deus; não há novidade para ele em parte alguma, não há surpresa; tudo fez e pode fazer a sua onipotência. Uma coisa porém há que a sua onipotência, misteriosamente, não pode fazer sozinha, ou não quer fazer, e é um coração humano que se humilha e confessa o seu pecado. Para isto conseguir, precisa do concurso da nossa liberdade. Um coração humilhado é, cada vez, uma novidade para Deus, uma surpresa que o faz estremecer de alegria.
Sem dúvida, “um coração contrito e humilhado Deus não despreza!” (cf. Sl 51,17). Na cela do próprio nada, Deus “revela aos humildes os seus segredos” (cf. Sir. 3,18). A cela do conhecimento próprio torna-se também cela do conhecimento de Deus, à qual o Cântico chama de “cela do vinho” (Ct 2,4). “Bendigo-te, ó Pai, – diz Jesus – porque conservaste essas coisas escondidas aos sábios e inteligentes e as revelaste aos pequeninos ( Mt 11,25). Aos humildes – aos pequeninos – Deus revelou o segredo dos segredos: Jesus.
A luta pela humildade é uma luta que dura a vida inteira e se estende a todos os aspectos da vida. O orgulho é capaz de alimentar-se tanto do mal como do bem e de sobreviver, por isso, em qualquer situação e qualquer “clima”. Não só, mas à diferença do que sucede a qualquer outro vício, o bem e não o mal é o meio de cultura preferido deste “vírus” terrivel. “A vaidade – escreveu Pascal – tem raízes tão fundas no coração humano, que um soldado, um servente de quartel, um cozinheiro, um faxineiro gaba-se e pretende ter os seus admiradores, e até os filósofos os querem.
E os que escrevem contra a vanglória aspiram ao elogio por terem escrito bem, e os que os lêem, ao elogio por tê-los lido; e eu, que isto escrevo, talvez nutra o mesmo desejo; e os que me lerem quiçá façam o mesmo” ( Pensées, n. 150 Br.). A vanglória é capaz de transformar em ato de orgulho até o nosso pendor para a humildade. Mas com a graça, podemos sair vitoriosos até dessa terrível batalha. Se, de fato, o teu homem velho consegue transformar em atos de orgulho até os teus atode humildade, tu, com a graça, transforma em atos de humildade até os teus atos de orgulho, confessando-os. Reconhecendo, humildemente, que és um nada soberbo. Assim, Deus é glorificado até por nosso orgulho.
Nesta batalha, Deus costuma acudir em socorro dos seus com um remédio singular e da maior eficácia: Para que eu não me ensoberbeça com a grandeza das revelações – escreve S. Paulo – foi me colocado ( Deus me colocou!) um espinho na carne, um anjo de Satanás, para me esbofetear, a fim de que eu não me exalte ( 2Cor 12,7). Para que o homem não se ensoberbeça, isto é, não seja devolvido à flutuação e à superfície, depois de ter descoberto a pe’rola, Deus o fixa ao solo com uma espécie de âncora; põe-nos “pesos às ilhargas” ( cf. Sl 66,11).
Não sabemos exatamente em que consistia para Paulo este “espinho na carne” e este “anjo de Satanás”, mas bem sabemos o que é para nós! Todo aquele que quer seguir o Senhor e servir a Igreja o tem. São situações humilhantes pelas quais nos é recordada de contínuo, talvez noite e dia, a dura realidade do que somos. Será um defeito, uma doença, uma fraqueza, uma impotência, que o Senhor nos deixa, não obstante todas as nossas súplicas.
Uma tentação persistente e humilhante, talvez mesmo uma tentação de soberba! Uma pessoa com quem se é obrigado a conviver e que, não obstante a retidão de ambas as partes, é um verdadeiro espinho na carne, tem o condão de pôr à mostra a nossa fragilidade, de demolir a nossa presunção. Por vezes, trata-se de algo ainda mais pesado: situações em que um servo de Deus é forçado a assistir impotente ao fracasso de todos os seus esforços e a fatos que o excedem, que lhe fazem tocar com a mão a própria nulidade de criatura pecadora. Nisto sobretudo é que ele aprende o significado de “humilhar-se sob a poderosa mão de Deus” (1Pd 5,6).
Qual é – perguntou-se o mais famoso pensador do nosso século – o “núcleo sólido, certo e intransponível” ao qual a consciência atrai o homem e sobre o qual deve assentar a sua existência, caso pretenda ser “autêntica”? E a resposta foi: o seu nada! Todas as possibilidades humanas são, na realidade, impossibilidades. Toda a tentativa de projetar-se e elevar-se é um salto que parte do nada e vai dar em nada.
“A nulidade existencial não tem, de fato, o caráter da privação e da imperfeição relativamente a um ideal proclamado e não conseguido. É o ser deste homem a ser nulo já no projetar” (M. Heidegger, Ser e Tempo, § 58). Destarte, existência autêntica é a que compreende a radical nulidade da existência e sabe que “vive para a morte”. A única possibilidade que sobra para o homem é aceitar este seu nada, conformando-se-lhe e fazendo como se diz, da necessidade virtude.
Tudo isto é a mais pura verdade, digo, a respeito de nós mesmos. Mas diante do chamado que Deus faz a cada homem para a santidade, a nossa pequenez não nos impede de alcançar, porque apesar de não termos, por nós mesmos nenhuma “possibilidade” – nem de pensar, nem de querer, nem de fazer – , mas sabemos e experimentamos concretamente que, pela fé, Deus nos oferece em Cristo toda a possibilidade, já que “tudo é possível para quem crê” ( Mc 9,23). O que emerge de positivo, deste rápido confronto com o pensamento existencialista dos nossos dias, é uma confirmação insuspeita do fato que a humildade é verdade e ninguém é “autêntico” se não for humilde. Fato que nos impele a amar e cultivar ainda mais esta virtude evangélica.
Que seja esta a nossa oração diante de Deus:
“Não é soberbo, Senhor, o meu coração,
nem altivo o meu olhar;
não aspiro a grandezas,
nem a coisas superiores à minha capacidade.
Não, acalmei e sosseguei a minha alma,
como a criança no seio materno:
como a criança, assim em mim está a minha alma” (Sl 131).