O Evangelho deste domingo termina com uma daquelas frases lapidárias deJesus, que deixaram uma marca profunda na história e na linguagemhumanas: «Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus». Não émais «ou César ou Deus», e sim um e outro, cada um no seu lugar. É ocomeço da separação entre religião e política, até então inseparáveisem todos os povos e regimes. Os hebreus estavam acostumados a concebero futuro reino de Deus instaurado pelo Messias como uma «teocracia»,isto é, como um governo dirigido por Deus em toda a terra através doseu povo. Agora, no entanto, a palavra de Cristo revela um reino deDeus que «está» no mundo, mas que não «é» do mundo, que caminha numalongitude de onda diferente e que, por isso, coexiste com qualqueroutro regime, seja de tipo sacro ou «leigo».
Revelam-se, assim, dois tipos qualitativamente diferentes de soberaniade Deus no mundo: a «soberania espiritual», que constitui o reino deDeus e que Ele exerce diretamente em Cristo, e a «soberania temporal»ou política, que Deus exerce indiretamente, confiando-a à livre escolhadas pessoas e às causas segundas.
César e Deus, no entanto, não estão no mesmo nível, porque César tambémdepende de Deus e deve prestar-lhe contas. «Dai a César o que é deCésar» significa, portanto: «Dai a César o que ‘o próprio Deus quer’que seja dado a César». Deus é o soberano de todos, incluído César. Nãoestamos divididos entre duas pertenças, não estamos obrigados a servir«dois senhores». O cristão é livre para obedecer o Estado, mas tambémpara resistir ao Estado quando este se coloca contra Deus e contra asua lei. Neste caso, não vale invocar o princípio da ordem recebida dossuperiores, como costumam fazer diante dos tribunais dos responsáveisde crimes de guerra. Antes de que aos homens, é preciso obedecer a Deuse à própria consciência.
O primeiro em tirar conclusões práticas deste ensinamento de Cristo foiSão Paulo. Ele escreveu: «Submetam-se todos às autoridadesconstituídas, pois não há autoridade que não provenha de Deus, e as queexistem, por Deus foram constituídas. De modo que, quem se opõe àautoridade, se rebela contra a ordem divina… Por isso precisamentepagais os impostos, porque são funcionários de Deus, ocupadosassiduamente nesse ofício» (Rm 13, 1ss.). Pagar lealmente os impostospara um cristão (também para toda pessoa honrada) é um dever de justiçae, portanto, um dever de consciência.
Garantindo a ordem, o comércio e todos os demais serviços, o Estado dáao cidadão algo pelo qual tem direito a uma contrapartida, precisamentepara poder continuar prestando estes serviços.
A evasão fiscal, quando alcança certas proporções – recorda o Catecismoda Igreja Católica – é um pecado mortal, similar ao de qualquer roubograve. É um roubo feito não ao «Estado», ou seja, a ninguém, mas àcomunidade, ou seja, a todos. Isso supõe naturalmente que também oEstado seja justo e equitativo quando impõe as taxas.
A colaboração dos cristãos na construção de uma sociedade justa epacífica não se reduz a pagar os impostos; deve estender-se também àpromoção de valores comuns, como a família, a defesa da vida, asolidariedade com os mais pobres, a paz. Há também outro âmbito no qualos cristãos deveriam dar uma contribuição maior à política. Não temtanto a ver com os conteúdos, mas com os métodos, o estilo. Énecessário mudar o clima de luta permanente, procurar maior respeito,compostura e dignidade nas relações entre partidos. Respeito aopróximo, moderação, capacidade de autocrítica: são traços que umdiscípulo de Cristo deve levar a todas as coisas, também à política. Éindigno de um cristão abandonar-se a insultos, sarcasmo, rebaixar-se abrigas com os adversários. Se, como dizia Jesus, quem chama o irmão de«estúpido» já é réu da Geena, que será de muitos políticos?