Frei Raniero Cantalamessa, OFM
Chega uma hora na vida, quando é preciso ter uma fé e uma esperança como aquela de Maria. Isso quando parece que Deus já não escuta as nossas súplicas, quando, se diria que ele desmente, a si mesmo e suas promessas, quando nos faz passar de derrota em derrota, e os poderes das trevas parecem triunfar em todas as frentes ao nosso redor, e dentro de nós se faz noite, como naquele dia “sobre toda a terra” (Mt 27,45). Quando, como diz um salmo, ele parece “ter fechado na sua ira as suas entranhas e ter esquecido de ter compaixão” (Sl 77, 10). Quando chegar para ti esta hora, lembra-te da fé de Maria e grita como outros fizeram: “Pai meu, já não te entendo, mas confio em ti!”.
Talvez Deus esteja pedindo-nos agora mesmo que lhe sacrifiquemos, como Abraão, o nosso “Isaac”: a pessoa, a coisa, o projeto, a fundação, o cargo que apreciamos, que o próprio Deus um dia nos confiou e ao qual dedicamos toda a nossa vida. Esta é a ocasião que Deus nos oferece para mostrar-lhe que ele nos é mais caro do que tudo, acima também dos seus dons, acima também do trabalho que fazemos por ele. Deus pôs à prova Maria no Calvário – como pôs à prova o seu povo no deserto – “para ver o que tinha no coração” (cf. Dt 8,2), e no coração de Maria reencontrou intacto, e até mais forte, o “sim” e o “amém” do dia da Anunciação.
Tomara que, nesses momentos, ele encontre também o nosso coração pronto para dizer-lhe “sim” e “amém”. Estando “junto da cruz de Jesus”, é como se Maria continuasse repetindo, no silêncio, com os fatos: “Eis-me! Aqui estou, meu Deus; aqui estou sempre para ti!”. Humanamente falando, Maria tinha todos os motivos para gritar a Deus: “Tu me enganaste!”, ou, como um dia gritou o profeta Jeremias: “Tu me seduziste e eu me deixei seduzir!” (cf. Jr 20,7), e fugir do CaIvário. Ela, pelo contrário, não fugiu, mas ficou “de pé”, em silêncio, tornando-se assim, de maneira toda especial, mártir da fé e, seguindo o Filho, testemunha suprema da confiança em Deus.
Deus disse a Abraão: “Por teres procedido dessa forma e por não me teres recusado o teu filho, o teu único filho, eu te abençoarei e multiplicarei a tua descendência… Eu farei de ti o pai de inúmeros povos” (Gn 17,5; 22,16s). A mesma coisa, e muito mais, diz agora a Maria: Eu te farei Mãe de muitos povos, mãe da minha Igreja! Todas as famílias da terra serão em ti abençoadas. Todas as gerações te hão de chamar bem-aventurada!
Por isso, como os israelitas nos momentos de grande provação se dirigiam a Deus dizendo: “Lembra-te de Abraão, nosso pai”, nós podemos dizer: “Lembra-te de Maria, nossa mãe!”. E como eles diziam a Deus: Não nos retireis vossa misericórdia, em atenção a Abraão, vosso amigo (Dn 3,35), nós podemos dizer-lhe: Não nos retireis vossa misericórdia, em, atenção a Maria, vossa amiga.
No Calvário, Maria uniu-se ao Filho na adoração da santa vontade do Pai. Nisso ela realizou até a perfeição sua vocação de “tipo da Igreja”. Ela agora está ali, esperando-nos. Disseram de Cristo que ele “está em agonia até o fim do mundo e não devemos deixá-lo sozinho”. E se Cristo está em agonia e na cruz até o fim do mundo, de maneira para nós incompreensível mas verdadeira, onde pode estar Maria senão com ele, “junto da cruz”? Ali ela convida e marca encontro com as almas generosas, para que se unam com ela na adoração da santa vontade do Pai. Adorar esta vontade, mesmo sem entendê-la.
Não pode ser deixada sozinha. Maria sabe que esta é a coisa absolutamente maior, mais bela, mais digna de Deus que possamos fazer na vida, pelo menos uma vez antes de morrer. Algo que não nos desobriga nem nos afasta da procura de alívio para os sofrimentos concretos dos que sofrem ao nosso redor e no mundo inteiro; pelo contrário, torna-nos até mais atentos a isso, porque unidos ao coração de Deus. Exatamente porque é “mãe das dores”, Maria é também “consoladora dos aflitos”.
Está escrito que quando Judite voltou, depois de ter arriscado a vida pelo seu povo, os habitantes da cidade correram ao seu encontro e o sumo sacerdote abençoou-a dizendo: “Tu és bendita do Senhor; Deus Altíssimo, minha filha, entre todas as mulheres da terra… jamais os homens cessarão de celebrar o teu louvor” (Jt 13,18s). Nós dirigimos a Maria as mesmas palavras: Bendita és tu entre as mulheres! A coragem que tiveste jamais desaparecerá do coração e da lembrança da Igreja!
Vamos agora resumir toda a participação de Maria no Mistério Pascal aplicando a ela, com as devidas diferenças, as palavras com as quais São Paulo resumiu o Mistério Pascal de Cristo: Maria, que era a Mãe de Deus, não reivindicou o privilégio da sua proximidade com Deus; mas despojou-se a si mesma tomando a condição de serva, tornando-se semelhante a qualquer outra mulher. Viveu na humildade e no escondimento, obedecendo a Deus, até a morte do Filho, morte na cruz. Por isso é que Deus a exaltou e Ihe deu um nome que, depois daquele de Jesus, está acima de todo o nome, para que ao nome de Maria todas as cabeças se inclinem, nos céus, na terra e nos infernos, e toda língua confesse que Maria é Mãe do Senhor, para glória de Deus Pai. Amém’
Extraído de: Cantalamessa, Raniero. Maria, um espelho para a Igreja. Aparecida, SP: Santuário, 1992, pp. 124-126.
Fonte: Revista Shalom Maná