A questão da liberdade é tão antiga quanto nova. Antiga porque diz respeito ao homem desde a sua criação e sempre nova porque marcará a existência pessoal de cada um, pois faz parte do anseio mais profundo do coração do homem: o desejo de ser livre.
Esta dinâmica marcou sempre a história da humanidade que, de diversas maneiras, busca a compreensão e realização da liberdade como dimensão essencial e não acidental da própria existência. Portanto, a concepção do significado da liberdade conhece um desenvolvimento histórico que acompanha a humanidade desde a sua pré-história. Notamos já nas culturas antigas a ideia de liberdade, mesmo que ainda não do indivíduo particular, os gregos e romanos preparam as vias para destacar a dimensão do homem em relação ao mundo, seja com relação aos seus atos pessoais ou referentes à dimensão social. Dessa forma, com sua antropologia contribuíram com as premissas para a compreensão da liberdade.
A idéia de uma liberdade pessoal e singular é fruto de toda a tradição judaico-cristã. Somente aqui encontramos todos os pressupostos fundamentais para a liberdade do homem, ou seja: um Deus pessoal e criador, o homem e a mulher, pessoas inteligentes e dotados de vontade, pessoas capazes de Deus, com afirma o catecismo da Igreja, criados não só para uma vida natural, mas para uma vida sobrenatural e a eternidade.
Criada com a altíssima dignidade de ser “Imago Dei” (imagem de Deus), cada pessoa foi criada para a Relação. Sendo Deus o Princípio da vida do homem, somente nessa relação íntima participará da Liberdade divina e na medida em que se distanciar Dele também perderá esse dom, que é um efeito da Presença e obediência divina. Na Origem, tudo era “donum” (dom) de Deus. Por causa do pecado original e a pretensão de querer tomar o lugar de Deus, o homem, pelo mau uso da liberdade, transformará, frequentemente, o dom num “danum” (dano), pois poderá escolher, justamente, o que leva a escravidão. Criado livre por Deus, o homem não poderá continuar livre sem a sua Graça.
Santo Agostinho, um dos primeiros pensadores cristãos a formular uma reflexão mais sistematizada sobre a questão da liberdade, nos ajudará a aprofundar essa questão. Sua concepção filosófica e teológica sobre o tema origina-se não de especulações abstratas, mas de um contexto exigente e da necessidade de dar uma resposta pratica às concepções polêmicas da sua época, particularmente o Maniqueísmo e Pelagianismo.
Sua doutrina sobre a liberdade nos é apresentada, especialmente, nas importantes Obras “De libero arbítrio” e “De natura boni”, escritas no contexto da polêmica contra os Maniqueus que tiravam do homem a responsabilidade da culpa, concebendo o Mal como um Princípio, dando-lhe assim um estatuto ontológico. Consequentemente, o homem era passivo na questão da luta conta o mal. Temos também, posteriormente, o “De gratia et libero arbítrio” e “De correptione et gratia” escritos contra o Pelagianismo, que por sua vez negavam a necessidade da graça para que o homem chegasse a possuir uma perfeita liberdade.
Por meio da sua doutrina, Agostinho supera o limite intelectualístico filosófico grego e, ao mesmo tempo, o determinismo negativo dos Maniqueus. Dessa forma, o pecado não tem como base o erro de conhecimento, mas a livre disposição da vontade e o homem não refém do mal, mas responsável pelas suas decisões. Afirma Agostinho em De civ Dei XII,6: “Nulla res alia mentem cupiditas comitem faciat, quam propria volutas et liberum arbitrium quia est in nostra potestate, libera est nobis” (nada produz uma vontade má, porque é a mesma vontade mau que produz uma ação má).
Para Agostinho, a vontade enquanto uma faculdade fundamental do homem, com sua própria autonomia, é distinta da escolha do mal moral, ou seja, do homem pecador. Essa vontade poderia ser considerada em si “verdadeira liberdade” se não fosse o pecado que a fere e dilacera podendo levar o homem ao distanciamento e ruptura com Deus que é a fonte da Liberdade.
A vontade humana, na concepção Agostiniana, necessita da graça divina, precisa do Amor divino que, infundido no coração humano, sana e reordena o homem para Deus. Este Amor, que é dinâmico, move a vontade para o Bem e, assim, o homem é livre.
Dessa forma, o livre arbítrio por si mesmo, devido o pecado original, é incapaz de levar o homem à verdadeira liberdade. Podemos considerá-lo nessa perspectiva uma espécie de “liberdade menor”, rebatendo assim a concepção de liberdade de Pelagio.
Distinta da “libertas minor” está a “libertas maior” constituída por uma vontade que faz escolhas que une amorosamente e livremente ao verdadeiro Bem. Dessa forma, é preciso um exercício entre a liberdade menor do arbítrio e a liberdade maior da vontade. Estas, de forma distinta, mas não separadas, precisam escolher o que vem do Bem e também o que possa conduzir a este Bem, pois tendo origem e destino divinos, a pessoa humana não se realizará e nem será livre de maneira autônoma, independente.
O fato é que para exercitar e viver essa passagem de uma dimensão para outra, a pessoa necessita da graça. Fundamental para o doutor da graça é demonstrar o quanto homem sem ela não pode viver, não irá longe e nem conseguirá chegar à meta. Nessa relação interpessoal entre Deus e o homem, é decisivo o papel da graça e a resposta livre do homem.
A graça divina inaugura e constitui, fundamentalmente, o nível superior da liberdade, pois possibilita a “libertas a pecado”, ou seja, a libertação do pecado. A atuação da graça divina na vida do homem (capaz de desejar o bem, mas não de realizá-lo com as próprias forças, por causa do pecado) torna-o capaz de querer ainda mais fortemente e também de realizar, ou seja, fazer o bem, escolher o Bem.
Aderindo livre e profundamente à graça divina que é lhe proposta e nunca imposta, o homem é de tal modo beneficiado que o livre arbítrio, representante dessa menor liberdade, impotente, é potencializado de maneira divina e torna-se plena liberdade, pois escolhendo o que o liberta, a Vontade de Deus, ele se liberta totalmente do pecado, que é princípio de escravidão.
Livre mediante a graça e pelo seu livre arbítrio, o homem age livremente e sua liberdade torna-se autêntica, pois a graça liberta de tudo o que possa aliená-lo ou escravizá-lo. Cristo que é o grande libertador de todos os homens e em quem todo o homem experimenta a verdadeira liberdade. Ele é a Verdade que liberta o homem (Cf. Jo 8,32), doa-lhe seu Espírito de liberdade (Cf. 2 Cor 3,17) e mediante a graça nos chama a todos a ser verdadeiramente livres (Cf. Gal 5,13).
Prescindir do Deus Uno e Trino e sua graça, fará com que o homem se distancie do seu Libertador e o levará à ilusão de uma liberdade absoluta e a viver de maneira irresponsável. Sem Deus, o homem é vitima de si mesmo, pois se perderá facilmente da própria essência, perderá o sentido da sua existência e acabará por ser refém das inevitáveis conseqüências do pecado. Com Deus inaugura-se uma perene Páscoa onde continuamente se passa para uma liberdade cada vez maior. Desta forma, toda sua existência livremente torna-se um caminhar na direção Daquele que o liberta.
Pe. Rômulo dos Anjos,
Bacharel em Teologia na Facoltà di Teologia di Lugano e Responsável da Missão da Comunidade Católica Shalom no Rio de Janeiro.
Bibliografia:
BIBLIA DO PEREGRINO, Edições Paulus, São Paulo, 2002.
ALLAN FITZGERALD Ed., AGOSTINO, Dizionario Enciclopedico, edizione italiana a cura di
Luigi Alici e Antonio Pieretti, Città Nuova Editrice, Roma 2007.
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