Formação

A esperança

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Germana Perdigão
Consagrada na Comunidade de Aliança Shalom

Era um daqueles belos dias de verão! O sol realizava sua missão com seus raios luminosos sobre aquele clube. Havia também uma suave brisa que vinha do mar. O local estava cheio dos seus associados. Tudo proporcionava um ambiente de alegria e prazer que chegava a inundar todos que ali estavam. Um casal instalara-se numa mesinha próxima à piscina, de onde podiam avistar todo o parque aquático.
– Querida, vou dar aquele mergulho na piscina. Espero você lá. Não demore – disse o jovem esposo, enquanto ela estendia sobre a cadeira da piscina a toalha para desfrutar do calor do sol.
– Já estou terminando, querido, não me demorarei – disse a esposa, que adorava pegar aquele bronze.
Todos se divertiam imensamente. O dia estava realmente lindo e atrativo. Salles encaminhou-se, então, para a piscina, como havia dito para a sua esposa.
Passados alguns minutos, ao levantar os olhos para apreciar aquele ambiente gostoso, percebeu que próximo à borda da piscina havia um grupo de muitas pessoas que se aglomeravam em volta de um homem que parecia ter se acidentado. Por curiosidade, mas também com espírito solidário, Sara caminha em direção ao local e, para sua grande surpresa, o homem que estava recebendo os primeiros socorros era seu querido Salles. Na ânsia de desfrutar logo daquela água refrescante não calculou bem a profundidade da piscina e seu pulo foi fatal. Traumatismo na coluna, que o deixaria paralítico. Diagnóstico feito após alguns exames num hospital.
A partir desse instante, os dois iriam necessitar de muita força para lutar, para verem a vida não mais com os “velhos” olhos, mas agora com a visão de Deus. Sozinhos já haviam percebido que não conseguiriam. Precisariam da força do Alto. E como nunca desaponta quem nela confia e espera, chegou mais rápida do que eles imaginavam.
Um dia, Salles estava refletindo sobre a nova realidade, que havia tomado, sem pedir licença, a sua vida, quando, de repente, uma luz vinda do céu o envolveu com o seu brilho (At 9,3). Paralisado de forma mais intensa, ouviu uma voz que lhe dizia: “Salles, Salles, eu estou contigo, espera em mim, confia em mim”.
Exatamente nesse inusitado e feliz instante, aquele corpo paralítico compreendeu que era o seu Pai do Céu que falava consigo. Sem conseguir perceber nem entender, sua alma e seu coração foram inundados por uma intensa e profunda alegria, paz e força. Não era mais o mesmo Salles. Não se sentia mais como um velho paralítico, mas como alguém que caminhava como Pedro sobre as águas. Entendeu, da forma que só Deus sabe explicar aos seus filhos, que sua vida estava em Deus e não se resumia apenas no movimentar-se do seu corpo. A vida verdadeira não se resume somente no corpo, mas em todo o ser da pessoa. E recebia assim vida nova, vida verdadeira.
Havia recebido a água viva, apresentada à samaritana no poço de Jacó, o dom de Deus, a água que se tornará em fonte que jorrará para a vida eterna. Toda desesperança foi afastada e Salles compreendeu que não havia sido desprezado por Deus, apenas Ele havia ocultado por algum tempo sua face. Tudo isso concorria para o seu bem (cf. Rm 8,28), ganhara com a Sua partida e, agora, com a Sua vinda.
Então, Salles utilizou as palavras do salmista para responder Àquele que só sabe amar: “Senhor, tu és meu pastor, nada me falta. Tu me fazes deitar em verdes pastagens; às águas do repouso me conduzes, tu me reanimas. Pelos bons caminhos me conduz, para a honra do teu nome. Mesmo se eu andar por um vale de sombras e de morte, não receio mal algum, pois estás comigo: teu bastão e teu cajado me dão segurança. Diante de mim fazes servir uma mesa, em face de meus adversários. Perfumas minha cabeça com óleo, minha taça é inebriante. Sim, felicidade e fidelidade me acompanham todos os dias da minha vida, e retornarei à casa do Senhor, para longos dias” (Sl 23).
Sara entrou no quarto e percebeu que algo estava acontecendo de novo com Salles, pois atingia também todo o seu ser. Não conseguia mais vê-lo somente como alguém que se tornara paralítico. Seus olhos expressavam que sua alma voava e seu coração estava levantado para o alto, onde Jesus está à direita do Pai, e gozava plenamente do próprio Deus. Verdadeiramente nada mais poderia detê-lo. Deus havia recriado o seu coração e o tornado puro, tinha enraizado nele um espírito novo, como havia pedido o salmista (cf. Sl 51,12). Estava absorvido em Deus, como devem estar todos os Seus filhos, não importa a situação em que se encontram. Com um largo sorriso nos lábios, Salles disse para Sara, segurando na mão de Santa Teresa D’Ávila: “Só Deus é e basta”.
Deus fizera uma obra a dois que se estenderia a toda a humanidade. A paralisia os unira e os fizera não só andar de um modo totalmente novo, mas voar sobre as asas do Espírito. Sara aprendeu o ofício de pintar ícones ao lado de Salles e ele a escrever poesias, que cantam o amor de Deus pelo mundo afora. Poesias que alcançam os confins da terra testemunhando o amor de Deus para os corações que ainda não possuem a esperança Naquele que “não possuindo ninguém maior por quem jurar, jurou por si mesmo e disse: Sim, de bênçãos eu te cumularei, imensa multiplicação te concederei” (Hb 6,13s).
O que significa ter esperança? Esperança é a atitude confiante diante do futuro imprevisível. Diante da esperança poderemos perguntar: O que nos cabe esperar? O que nos espera? O que será de nós? Para onde vamos? Qual é o sentido da minha história pessoal? Qual é a razão da esperança? Como manter levantada a inquieta esperança no meio das decepções e frustrações da vida? Como ser um cristão esperançoso nesses tempos tão difíceis?
A esperança constitui uma questão central da vida humana em todos os seus aspectos. Ela faz parte da vida humana. Penetra as próprias entranhas da vida humana. Viver é ter de esperar porque a esperança é a mola que nos impulsiona para frente e para cima. Sua ausência paralisa as energias e é desumanizadora. Enquanto há esperança, há vida.
Nós podemos ter esperança porque as promessas de Deus a nosso respeito se cumprem, exatamente porque são promessas de Deus. É neste simples mas profundo detalhe que reside a diferença: o Autor das promessas. Não é um ser qualquer que faz essas promessas, mas o Criador de todas as coisas, que governa a face da terra, que sabe se um só fio de cabelo cai de nossa cabeça. Aquele que só quer o nosso bem. Aquele que é a inspiração das palavras de São Paulo: “Tudo concorre para o bem daqueles que amam a Deus”.
O homem vive enquanto recorda, projeta e espera. É um ser para o Transcendente. Tem consciência do passado, do presente e do futuro. Percebe que a cada fração de segundo tudo pode se transformar. Porém, pode fazer a opção de ficar de costas para o futuro totalmente mergulhado no passado que adquire predomínio na sua consciência e assim na sua vida.
Pode ficar olhando para o futuro sem esperança, dominado pelo seu passado, por um acontecimento doloroso, por experiências negativas que foram capazes de penetrar em seu ser de forma profunda, que abalaram as raízes de sua vida e não se abre para o novo que deseja despontar como o sol a cada amanhecer. O homem precisa abrir-se para o novo de Deus confiando em suas promessas: “Eis que eu faço obra nova” (Is 43,19). O cristão precisa “estar sempre disposto a justificar a sua esperança perante aqueles que dela pedem conta” (cf. 1Pd 3,15).
É a esperança confiante no novo de Deus que dá sentido à vida humana, que preenche o seu vazio. Ela é fruto da caridade, do relacionamento com Deus, do conhecimento de Deus (1Cor 13,7). Conhecimento este que desemboca na realidade de que “Deus é amor”, (1Jo 4,16) de que Deus cuida de nós, de que a nossa vida não passa despercebida diante Dele, de que o que nos acontece é muito importante para Ele, de que Ele não está indiferente à nossa vida. Por isso não devemos temer nada. São Lucas afirma que “estava (o filho) ainda longe quando o Pai o viu e, movido de compaixão, correu-lhe ao encontro, lançou-se-lhe ao pescoço e o beijou” (Lc 15,20). O Pai ama tanto seus filhos que está sempre atento ao menor dos seus atos. Ele nunca descansa. Ele sempre olha para a vida de seus filhos e se antecipa a ela, corre ao seu encontro para interferir, para salvar, para transformar as realidades difíceis. O Pai, desde o início da criação, estende seus braços para abençoar os seus filhos. Deseja dizer-lhes palavras carinhosas. Ele é o pastor, “apascenta ele o seu rebanho, com o seu braço reúne os cordeiros, carrega-os no seu regaço” (Is 40,11).
As mãos do Pai são cheias de perdão, reconciliação e cura porque são mãos que tocam de forma delicada, macia e muito meiga, mas com um firme envolvimento e, através delas, todos podem se sentir “a salvo”, encontrar repouso. Todos são sustentados, alimentados, agasalhados, consolados, curados. São mãos que querem acariciar, afagar e oferecer consolo e conforto. São mãos de uma mãe.
São estas mãos que nos protegem nos momentos de perigo e nos consolam nas horas de dor, por isso é importante olharmos para o nosso passado, junto a Deus, para que o nosso passado nos lance ao futuro, a uma vida nova. Nunca para nos fixarmos nele. Nunca para que as lembranças dolorosas encham o nosso coração de amargura. Nunca para ficarmos remoendo as nossas feridas. Devemos, sim, expor nossas feridas diante do amor de Deus para que elas sejam curadas.
Esta mão direita carinhosa de Deus nos lembra aquelas palavras do profeta Isaías: “Por acaso uma mulher se esquecerá do filho do seu ventre? Ainda que as mulheres se esquecessem eu não me esqueceria de ti. Eis que te gravei nas palmas de minhas mãos” (Is 49,15-16). Dia e noite Deus oferece aos seus filhos manterem-se debaixo de seu manto, fonte de segurança. O homem pode cantar com as palavras inspiradas do salmista:
“Quem habita na proteção do Altíssimo
pernoita à sombra do Onipotente,
dizendo ao Senhor: Meu abrigo, minha fortaleza,
meu Deus, em quem confio!
… ele te esconde com suas penas,
sob suas asas encontras um abrigo” (Sl 91,1-4).
O amor de Deus tem o poder de transformar todas as coisas, tem o poder de transfigurar com sua luz as trevas e dores do nosso passado. Todas as nossas feridas interiores, todo o sofrimento de nossa vida têm um fim quando são expostos à luz da misericórdia de Deus. Tudo se faz novo em Jesus Cristo. Adquirimos força nova. Somos inundados por uma nova visão de todas as coisas. O sofrimento não é mais uma arma apontada contra nós para nos destruir, mas, unido ao sofrimento de Cristo, completamos o que falta em nós do Seu sofrimento. Desta forma, acontece a união com o Crucificado. É interessante que, ao unirmos o nosso sofrimento ao de Cristo para aliviar o seu sofrimento, somos nós que nos sentimos aliviados.
O homem é um ser em desenvolvimento, em crescimento. Não é um ser terminado. E em Cristo esta transformação é concreta e perfeita, é visível, colhemos os frutos. A nossa vida nunca é a mesma, porque o seu amor, por ser dinâmico na sua própria essência, nunca pára de agir. O amor divino está sempre em ação, transformando, purificando, justificando, salvando, santificando. Em Jesus vivemos o hoje como aperitivo e antecipação de um futuro melhor. Ser pessoa humana é estar aberto a uma vida que se transforma sempre.


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