Este artigo é para você que se encontra diante de uma decisão vocacional, ou arrefecido na sua vocação. E mesmo que você não esteja em uma situação ou em outra, vale a pena conhecer um pouco da determinação vocacional de Santa Teresa d’Ávila. Sem dúvida, para além da vocação pessoal de Teresa, estamos diante de alguém que não obstante os retrocessos e dramas do começo, jamais perdeu de vista o que é essencial: Deus. Para dar-nos a Deus é preciso recebê-lo, porque quando o aceitamos recebemos dele a capacidade de dar uma generosa e comprometida resposta.
Teresa teve sua infância visitada pela dor da morte da mãe. Mas não era infeliz nem solitária. Ao contrário, sua simpatia cativava de tal forma os parentes e amigos, que vivia rodeada deles, e, segundo ela mesma conta, “exposta a ocasiões arriscadas”. Vendo o perigo que isso poderia representar para ela sem a presença materna para lhe orientar, o pai resolve colocá-la num colégio de religiosas, onde permaneceu por um ano e meio. Foi ali que Teresa ouviu suas primeiras impressões sobre a vida religiosa, dos lábios de uma monja que a escolheu para partilhar sobre sua vocação e sobre as Palavras do Evangelho.
Ela mesma conta em seu “Livro da Vida”: “Este bom relacionamento começou a dissipar os costumes que as más companhias me haviam deixado, elevava meu pensamento às coisas eternas e diminuía um tanto a grande aversão que eu tinha de ser monja, pois era imensa” (LV, 3,1).
Ainda estava nesta divisão interior quanto ao rumo de sua vida, quando adoeceu e teve de ser levada para casa. Mas durante a viagem, passou alguns dias com um tio muito piedoso, que lhe introduziu no caminho da oração de recolhimento. Passou então a ter momentos de solidão e a confessar-se com freqüência. É que a doença e o encontro com o tio fizeram-na meditar sobre a transitoriedade desta vida e considerar a possibilidade de entrar na vida religiosa para cuidar da alma e “garantir” a eternidade no céu.
Depois de curada da enfermidade, decidiu então entrar para o Mosteiro da Encarnação de Ávila, onde, por força da vontade movida pela razão, queria dominar o próprio corpo, custasse o que custasse. A esta decisão, mais tarde chamou de “desposório da razão”, porque ainda não era fruto do amor, mas do temor de morrer e ir para o inferno. Ali fazia muitos sacrifícios e era admirada por todos, mas tudo isto na esperança de que seus esforços fossem recompensados. E tomou o hábito no dia dois de novembro de 1537.
Porém, mais uma doença grave obrigou-a a voltar novamente para casa, e desta vez esteve quase à morte. Ainda doente, pediu ao pai que lhe levasse de volta ao mosteiro, onde permaneceu por três anos na enfermaria. Ali milagrosamente foi curada, e continuou seu “casamento de conveniência”, como ela mesma conta, vivendo um amor a Deus que ainda não se decidira a entregar-se na totalidade: “Apesar de experimentar grande felicidade nas coisas divinas, sentia-me presa às humanas. Procurava conciliar estes dois contrários tão inimigos um do outro: vida espiritual com seus gostos e suavidades e os passatempos dos sentidos… Assim estive durante muitos anos e agora me admiro como pode uma criatura sofrer tanto tempo, sem romper com um ou com outro desses dois elementos incompatíveis” (LV, 7,17).
Porém, um dia, Teresa repara numa pequena imagem colocada num oratório, que representava Cristo atado à coluna da flagelação com o corpo todo ensangüentado: “…só de vê-lo em tal estado, fiquei muito perturbada. Foi tal o sentimento de ser tão mal agradecida com aquelas chagas que me partia o coração. Lancei-me a seus pés, derramando muitas lágrimas e suplicando-lhe que me fortalecesse para nunca mais o ofender” (LV, 9,1).
A partir desta experiência pessoal com o amor de Deus revelado em Cristo que se entregou inteiramente por ela, vida nova começou para Teresa. Agora desposara Cristo por amor. Agora convertera-se verdadeiramente à sua vocação.
Tal foi sua transformação, que lhe estranhavam as próprias religiosas que com ela conviviam, e algumas lhe antipatizaram. Começou a sentir concretamente a presença de Jesus ao seu lado, o que lhe valeu também incompreensões de alguns confessores, que pretendendo ajudá-la, acreditaram-na enlouquecida ou endemoniada. Mas ela permanecia na obediência e mansidão diante de todos estes exames, porque tudo tinha uma nova dimensão: a do amor divino!
Diante de Jesus inteiramente atado por amor a ela, compreendeu-se amada desde sempre, e se mediu “com o amor”, percebendo que nunca havia respondido a este amor na totalidade. Finalmente percebia a distância abissal entre Deus, que se dava inteiramente a ela, e a pobre resposta que sempre tinha lhe devolvido apesar de sua consagração.
Deus tudo lhe havia dado, nada lhe devia e esta compreensão chegou-lhe ao coração como um chamado a centrar definitivamente sua vida nele: “Depois que vi a grande formosura que é o Senhor, então não vi nada que me parecesse mais atraente”. A partir de agora sua vocação era uma história de amor entre Deus e ela, e justamente por isso valia a pena todo sacrifício, toda entrega. Não se consagrara a homens, mas a Deus que lhe impelia a, por amor a Ele, servir aos que Ele ama, sem discriminação alguma.
Um dia, em oração, sentiu-se impelida a levar uma vida de maior penitência. Este seria o meio de devolver-se em amor àquele que a ela se entregou inteiramente, e amar aqueles a quem Ele amou e a convidava a amar sem reservas. Até então sua vida tinha sido reveladora de um amor que não se sacrifica e positivamente se defende de uma entrega maior.
Foi então que teve a inspiração de fundar um convento seguindo a estreitíssima regra primitiva do Carmelo. E assim, depois de enfrentar dificuldades incontáveis que relata em três capítulos do Livro da sua Vida, funda o mosteiro de São José, primeira das dezessete fundações que fez por toda a Espanha.
O que vemos na resposta de Teresa?
Que não podemos encontrar na nossa vida uma exigência maior do que quando nos sabemos amados gratuitamente por Deus: a exigência interior de amarmos da mesma forma. A exigência da gratuidade é a única válida para que nos ponhamos e sejamos mantidos na fidelidade. Como ela mesma ensina, “se não reconhecemos o que Ele nos dá, nunca nos sentiremos estimulados amá-lo”.
O inverso disto acontece quando nos entregamos a Deus para adquirir méritos diante dele, numa postura egoísta, centralizada em nós mesmos. Sobre isto Teresa dirá mais adiante: “Há pessoas que por justiça parecem querer pedir a Deus pagamentos”. E corrige radicalmente a postura daqueles que “contam os anos” de serviço a Deus, como se merecessem algo por isso: “tudo o que podemos fazer é repugnante em comparação de uma só gota do sangue que o Senhor derramou por nós” (LV 39,16).
Santa Teresa ficou conhecida pela sua “determinada determinação” por Deus, que não desconhece as forças egoístas que encerram a criatura humana, pecadora em si mesma, mas constitui a única resposta de amor que se pode dar à determinação com a qual Ele se entrega a nós sem cessar. Esta determinação, sim, resiste à passagem do tempo e à pressão das ocasiões, a fim de levar-nos a nos lançar sem medida, e nunca voltar atrás.
Ana Carla Bessa
Consagrada na Comunidade de Aliança