Formação

A fé em Cristo é uma proposta à liberdade do homem

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A urgência da atividade missionária deriva da radical novidade de vida, trazida por Cristo e vivida pelos Seus discípulos. Esta nova vida é dom de Deus, e, ao homem, é-lhe pedido que a acolha e desenvolva, se quiser realizar integralmente a sua vocação, conformando-se a Cristo. Todo o Novo Testamento se apresenta como um hino à vida nova, para aquele que crê em Cristo e vive na Sua Igreja. A salvação em Cristo, testemunhada e anunciada pela Igreja, é auto-comunicação de Deus. « O amor não só cria o bem, mas faz participar também na própria vida de Deus: Pai, Filho e Espírito Santo. Com efeito, aquele que ama quer dar-se a si mesmo ».
Deus oferece ao homem esta novidade de vida. « Poder-se-á rejeitar Cristo e tudo aquilo que Ele introduziu na história do homem? Certamente que sim; o homem é livre: ele pode dizer não, a Deus. O homem pode dizer não, a Cristo. Mas permanece a pergunta fundamental: é lícito fazê-lo? É lícito, em nome de quê? ».
No mundo moderno, há tendência para reduzir o homem unicamente à dimensão horizontal. Mas o que acontece ao homem que não se abre ao Absoluto? A resposta está na experiência de cada homem, mas está também inscrita, na história da humanidade, com o sangue derramado em nome de ideologias e regimes políticos que quiseram construir uma « humanidade nova » sem Deus.
De resto, a quantos se mostram preocupados em salvar a liberdade de consciência, o Concílio Vaticano II responde: « a pessoa humana tem direito à liberdade religiosa (…) Todos os homens devem viver imunes de coação, em matéria religiosa, quer da parte de pessoas particulares, quer de grupos sociais ou qualquer poder humano, de tal forma que ninguém seja obrigado a agir contra a sua consciência, nem impedido de atuar de acordo com ela, privada ou publicamente, só ou associado ».
O anúncio e o testemunho de Cristo, quando feitos no respeito das consciências, não violam a liberdade. A fé exige a livre adesão do homem, mas tem de ser proposta, já que « as multidões têm o direito de conhecer as riquezas do mistério de Cristo, nas quais toda a humanidade — assim o acreditamos nós — pode encontrar, numa plenitude inimaginável, tudo aquilo que procura, às apalpadelas, a respeito de Deus, do homem, do seu destino, da vida e da morte, da verdade (…) É por isso que a Igreja conserva bem vivo o seu espírito missionário, desejando até que ele se intensifique, neste momento histórico que nos foi dado viver ». No entanto, é necessário acrescentar, citando ainda o Concílio, que « todos os homens, pela sua própria dignidade, já que são pessoas, isto é, seres dotados de razão e vontade livre, e conseqüentemente de responsabilidade pessoal, são impelidos pela sua natureza, e moralmente obrigados a procurar a verdade, e antes de tudo a que se refere à religião. Têm também obrigação de aderir à verdade conhecida, e ordenar toda a sua vida segundo as exigências da verdade ».

A Igreja sinal e instrumento de salvação

A primeira beneficiária da salvação é a Igreja: Cristo adquiriu-a com o Seu sangue (cf. At 20, 28) e tornou-a Sua cooperadora na obra da salvação universal. Com efeito, Cristo vive nela, é o seu Esposo, realiza o seu crescimento, e cumpre a Sua missão através dela.
O Concílio deu grande realce ao papel da Igreja, em favor da salvação da humanidade. Enquanto reconhece que Deus ama todos os homens e lhes dá a possibilidade de se salvarem (cf. 1 Tim 2, 4), a Igreja professa que Deus constituiu Cristo como único mediador e que ela própria foi posta como instrumento universal de salvação. « Todos os homens, pois, são chamados a esta católica unidade do Povo de Deus (…) à qual, de diversos modos, pertencem ou estão ordenados quer os fiéis católicos, quer os outros crentes em Cristo, quer universalmente todos os homens, chamados à salvação pela graça de Deus ». É necessário manter unidas, estas duas verdades: a real possibilidade de salvação em Cristo para todos os homens, e a necessidade da Igreja para essa salvação. Ambas facilitam a compreensão do único mistério salvífico, permitindo experimentar a misericórdia de Deus e a nossa responsabilidade. A salvação, que é sempre um dom do Espírito, exige a colaboração do homem, para se salvar tanto a si próprio como aos outros. Assim o quis Deus, e por isso estabeleceu e comprometeu a Igreja no plano da salvação. « Este povo messiânico — diz o Concílio — estabelecido por Cristo como uma comunhão de vida, amor e verdade, serve também, nas mãos d’Ele, de instrumento da redenção universal, sendo enviado a todo o mundo, como luz desse mundo e sal da terra ».

« Não podemos calar-nos » (at 4, 20)

Que dizer então das objeções, atrás referidas, relativamente à missão ad gentes? Respeitando todas as crenças e todas as sensibilidades, devemos afirmar antes de mais, com simplicidade, a nossa fé em Cristo, único Salvador do homem — fé que recebemos como um dom do Alto, sem mérito algum da nossa parte. Dizemos com S. Paulo: « eu não me envergonho do Evangelho, o qual é poder de Deus para salvação de todo o crente » (Rm 1, 16). Os mártires cristãos de todos os tempos — também do nosso — deram e continuam a dar a vida para testemunhar aos homens esta fé, convencidos de que cada homem necessita de Jesus Cristo, o Qual, destruindo o pecado e a morte, reconciliou os homens com Deus.
Cristo proclamou-se Filho de Deus, intimamente unido ao Pai e, como tal, foi reconhecido pelos discípulos, confirmando as suas palavras com milagres e sobretudo com a ressurreição. A Igreja oferece aos homens o Evangelho, documento profético, capaz de corresponder às exigências e aspirações do coração humano: é e será sempre a « Boa Nova ». A Igreja não pode deixar de proclamar que Jesus veio revelar a face de Deus, e merecer, pela cruz e ressurreição, a salvação para todos os homens.
À pergunta porquê a missão?, respondemos, com a fé e a experiência da Igreja, que abrir-se ao amor de Cristo é a verdadeira libertação. N’Ele, e só n’Ele, somos libertos de toda a alienação e extravio, da escravidão ao poder do pecado e da morte. Cristo é verdadeiramente « a nossa paz » (Ef 2,14), e « o amor de Cristo nos impele » (2 Cor 5, 14), dando sentido e alegria à nossa vida. A missão é um problema de fé, é a medida exata da nossa fé em Cristo e no Seu amor por nós.
A tentação hoje é reduzir o cristianismo a uma sabedoria meramente humana, como se fosse a ciência do bom viver. Num mundo fortemente secularizado, surgiu uma « gradual secularização da salvação », onde se procura lutar, sem dúvida, pelo homem, mas por um homem dividido a meio, reduzido unicamente à dimensão horizontal. Ora nós sabemos que Jesus veio trazer a salvação integral, que abrange o homem todo e todos os homens, abrindo-lhes os horizontes admiráveis da filiação divina.
Porquê a missão? Porque a nós, como a S. Paulo, « nos foi dada esta graça de anunciar aos gentios a insondável riqueza de Cristo » (Ef 3, 8). A novidade de vida n’Ele é « Boa Nova » para o homem de todos os tempos: a ela todos são chamados e destinados. Todos, de fato, a buscam, mesmo se às vezes confusamente, e têm o direito de conhecer o valor de tal dom e aproximar-se dele. A Igreja, e nela cada cristão, não pode esconder nem guardar para si esta novidade e riqueza, recebida da bondade divina para ser comunicada a todos os homens.
Eis por que a missão, para além do mandato formal do Senhor, deriva ainda da profunda exigência da vida de Deus em nós. Aqueles que estão incorporados na Igreja Católica devem-se sentir privilegiados, e, por isso mesmo, mais comprometidos a testemunhar a fé e a vida cristã como serviço aos irmãos e resposta devida a Deus, lembrados de que « a grandeza da sua condição não se deve atribuir aos próprios méritos, mas a uma graça especial de Cristo; se não correspondem a essa graça por pensamentos, palavras e obras, em vez de se salvarem, incorrem num julgamento ainda mais severo ».

CONCLUSÃO

Nunca como hoje se ofereceu à Igreja a possibilidade de, com o testemunho e a palavra, fazer chegar o Evangelho a todos os homens e a todos os povos. Vejo alvorecer uma nova época missionária, que se tornará dia radioso e rico de frutos, se todos os cristãos e, em particular, os missionários e as jovens Igrejas corresponderem generosa e santamente aos apelos e desafios do nosso tempo.
Como os Apóstolos depois da ascensão de Cristo, a Igreja deve reunir-se no Cenáculo « com Maria, a Mãe de Jesus » (At 1, 14), para implorar o Espírito e obter força e coragem para cumprir o mandato missionário. Também nós, bem mais do que os Apóstolos, temos necessidade de ser transformados e guiados pelo Espírito.
Toda a Igreja é convidada a viver mais profundamente o mistério de Cristo, colaborando com gratidão na obra da salvação. Fa-lo-á com Maria e como Maria, sua mãe e modelo: é Ela, Maria, o exemplo daquele amor materno, do qual devem estar animados todos quantos, na missão apostólica, cooperam para a regeneração dos homens. Por isso, « confortada pela presença de Cristo, a Igreja caminha no tempo para a consumação dos séculos indo ao encontro do Senhor que vem. Mas, nesta caminhada, a Igreja procede seguindo as pegadas do itinerário percorrido pela Virgem Maria ».
A « mediação de Maria, toda Ela orientada para Cristo e disponível para a revelação do seu poder salvífico », confio a Igreja e, em particular, aqueles que se empenham na atuação do mandato missionário, no mundo de hoje. Como Cristo enviou os seus apóstolos no nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, também renovando o mesmo mandato, eu estendo a todos vós a Bênção Apostólica no nome da mesma Trindade Santíssima. Amém.

BOX:
1- “As multidões têm o direito de conhecer os mistérios de Deus”.
2- “A missão é um problema de fé, é a medida exata da nossa fé em Cristo e no seu amor por nós”.

Revista Shalom Maná


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