Certo dia, um sacerdote fazia a algumas pessoas uma pergunta que me persegue há quase três anos: “O que mais tem te cansado?” Hoje, faço esta pergunta a você: “O que te cansa? O que tem te estressado? O que tem te tirado, às vezes, a esperança? O que tem te deprimido?” Alguém poderia dizer: “Tenho de cuidar de minha sogra; ela mora comigo e está doente. Estou tão cansado de cuidar dela”. Outro poderá dizer: “O que me cansa é meu marido, que bebe; é o meu filho, que não estuda ou é drogado”. Somos levados a dizer que todas essas coisas nos têm cansado. Mas, quero dizer uma coisa muito importante: somos nós mesmos que nos cansamos. O que nos cansa, o que nos estressa são as constantes lutas que temos dentro de nós mesmos. Daí, a importância do autoconhecimento. À medida que vamos nos conhecendo e, mais do que isso, nos aceitando, nossa vida vai sendo tomada de serenidade, paz e fecundidade muito grande.
Tu me conheces e sabes tudo de mim
Eu gostaria de pegar dois trechos da Palavra de Deus para que pudéssemos realmente entender porque nos cansamos. Cansamo-nos por causa de nós mesmos. O primeiro ponto está em Gênesis (3,9-10), quando Deus, diariamente, ia tomar o café ou o chá da tarde com Adão e Eva e, um dia, Ele chegou e fez essa pergunta: “Onde estás? Tu, que vinhas correndo todos os dias para me ver, para estar comigo, onde estás agora? Por que não corres?” O que Adão responde: “Ouvi o barulho de teus passos, tive medo, porque estou nu e ocultei-me”. Aqui está a razão de nosso cansaço constante: “Tive medo do barulho dos Teus passos e, porque estou nu, escondi-me”. Aqui está todo o trabalho do autoconhecimento sob esses três aspectos: a malícia, a mentira e a insegurança. Isso traz a origem do desequilíbrio de nossa identidade.
O segundo ponto é o Salmo 138: “Tu me perscrutas, Senhor, e me conheces”. Tu sabes tudo de mim: quando me sento, quando me levanto, quando a palavra ainda não me chegou à boca, tu já a conheces toda. Mesmo que eu quisesse fugir de ti e entrasse no mais profundo dos abismos ou no alto das montanhas, tu estarias lá”. Aqui vêm duas coisas lindíssimas em relação ao autoconhecimento: “Tu me conheces e sabes tudo de mim”. Por isso, a chave está em lançar-se nos braços daquele que sabe tudo de mim e que me conhece. A eterna perseguição amorosa de Deus para conosco, dizendo: “Mesmo que tu chegues ao mais profundo das depressões, lá me encontrarás. Se tu quiseres fugir de mim, indo para as mais altas montanhas, eu lá te encontro e persigo”. Aqui está a paixão e o amor de Deus para conosco, que nos leva a ter confiança: “Tu me conheces e sabes tudo de mim”.
As visões
Também, quero falar da importância das visões, das imagens, que nós, da Renovação e da espiritualidade carismática temos, que é a maior forma de Deus falar conosco. Há dois anos atrás, eu fazia um retiro de escuta para nossa Comunidade, e pedia ao Senhor, diante do Sacrário, que desse um presente a cada membro. Fui vendo os presentes que Jesus estava dando a cada um e, a mim, Ele deu uma melancia. Peguei a melancia, mas disse: “Senhor, o que vou fazer com uma melancia?” E fiquei questionando sobre o que aquela imagem significava. Depois, senti-me como uma grande tartaruga. E, por muito tempo, questionei-me acerca dessas duas imagens. Perguntei a Maria o que isso significava. Ela respondeu-me: “Maria Francisca, tu tens o casco da tartaruga, sempre estás na defensiva por causa das tuas feridas, e quando alguém chega perto e te machuca a patinha ou a cabeça, tu entras na tua defesa e ficas ali. Mas esse é um tempo novo em tua vida, Jesus não quer que sejas mais assim; Ele quer que sejas como uma melancia, que qualquer faca pode cortar, e que dentro tem um suco doce, abundante e muitas sementes. O meu Filho te quer assim”. Então, eu disse: “Eu não sei me transformar de tartaruga em melancia, mas isso é um problema para Deus mesmo resolver”.
Nós que somos da Renovação, temos o privilégio de guardar as imagens, os sonhos e dizer: “Senhor, quero saber, fala-me, explica-me, traduz-me”, porque aqui está a maior fonte do autoconhecimento.
Eu ouvia falar muito do Amor de Deus, mas era a palestra que eu nunca queria dar no Seminário de Vida no Espírito. Eu dizia: “Eu sei desse Amor, mas não o experimento. Como posso falar do que não experimento?” Quando estava grávida do Lucas, meu sexto filho, eu disse: “Tudo bem, Pai, talvez eu nunca experimente o teu Amor, mas este filho que estou gerando, eu te suplico, que ele seja o maior apóstolo do teu Amor”. E chorava muito por não acreditar que, um dia, eu fosse experimentar o Amor de Deus, pois há tantos anos pregava sobre o amor de Deus e ainda não o havia experimentado. Nós não podemos mais resistir a Paternidade de Deus. E hoje, a cada dia, eu estou mais apaixonada pelo Amor de Deus e tenho lhe dito: “Eu só quero uma coisa: fazer-te rir; quero te agradar”. Quando estou com uma pessoa que está triste, até que ela esboce um sorriso, não paro de fazer isso ou aquilo para alegrá-la. Sou assim com meu esposo, faço-me, às vezes, de Ofélia, até ele dizer: “Meu Deus, não pode ser”, e começar a rir. Então, quero ser assim com o Senhor também.
É importantíssimo, é fundamental, o entendimento deste “Eu te conheço”, para que possamos aceitar a montanha imunda que caiu sobre nós de malícia, de insegurança e de mentira. Um dia, eu disse a Deus: “Errei de novo, não tenho mais coragem de te olhar, porque errei de novo”. Então, Ele deu-me a imagem de uma criança de seis ou sete meses que, há pouco haviam trocado a fralda e ela novamente a sujara E essa criança era eu. E disse a Deus: “Sujei-me de novo e, rapidamente, Ele pegou-me no colo e trocou-me as fraldas. Então, a cada dia, eu digo: “Como consegue viver aquele que não conhece o Senhor?” Por isso, amados, é importante a confiança no conhecer-se e no aceitar-se.
Há uma outra historinha muito interessante sobre dois vasos: Um monge ia todos os dias à fonte, enchê-los de água, e um sempre chegava ao convento pela metade, porque estava rachadinho; o outro chegava sempre cheio. Um dia, depois de muito sofrimento desse vaso por sentir-se pela metade, ele disse ao monge: “Joga-me fora, porque não estou sendo útil para você. Você se cansa ao ir buscar água na fonte e me trazer até aqui, e quando chega, estou pela metade”. O monge disse: “Querido vaso, quero mostrar-te uma coisa. Como eu sabia que tu estavas rachado e que todos os dias perdias as gotas de água, plantei pelo caminho muitas sementes e a água que tu perdias caía sobre essas sementes e hoje quero te mostrar que lindo caminho tu fizeste”. O lado do vaso quebrado estava cheio de flores e o lado do vaso inteiro não tinha nenhuma flor. Por isso, você, que tem se sentido quebrado, que tem aqueles pecados e aquele vício que não consegue superar, saiba que Deus tem jogado sementes e que você as tem regado com as suas lágrimas, porque as flores espirituais só florescem quando são regadas pelas lágrimas.
Um vermezinho
O Senhor ainda insiste para que eu fale das visões. E a Palavra do Senhor nos diz: “Tu és um pobre vermezinho e um mísero inseto” (Is 41,14). Logo que li isso, não gostei, mas, depois, eu disse: “Tudo bem. Se sou um mísero vermezinho, deixa-me, pelo menos, ficar na unha do teu pé. Não vou incomodar”. Mas, sabe aquelas orações que fazemos e achamos que Deus não presta atenção? Quatro anos depois, eu estava em Joinville, pregando um retiro e, diante do Santíssimo Sacramento, ajoelhei-me e vi o pé de Jesus, e no dedão dele, o vermezinho. E senti que Ele falava ao meu coração: “Como tu pensas que não te escuto?” Fiquei olhando o que aquele vermezinho faria, e ele começou a sair do dedão e foi ao buraco da ferida do prego, no pé de Jesus. Comecei a chorar e aquelas lágrimas caíram no Sangue de Jesus; e percebi que aquele Sangue começou a ser atualizado, virou sangue novo, bom. Eu disse: “Senhor, o que queres dizer?” E tive o entendimento de que todo o esforço do autoconhecimento vai trazer muitas lágrimas, mas essas lágrimas de dor caem porque se busca o amor, porque quem quer se autoconhecer tem o objetivo de chegar ao amor. Essas lágrimas têm o poder de renovar e de atualizar o sangue de Jesus.
Entendi tudo: o Sangue de Jesus para aqueles que não passam pelo sofrimento e pela dor do autoconhecimento em Deus, é coagulado. Mas aqueles que choram a dor da sua própria história de miséria, de verme, têm o poder de atualizar o Sangue de Jesus Cristo. E em cada passo que damos, em cada momento que vivemos, somos curados e entramos no processo de ressurreição. A ressurreição não acontecerá de repente, ela vem à medida que as áreas do nosso ser entram naquele “Tu me conheces”, no equilíbrio e na identidade de filhos de Deus; no ser semelhante a Deus. Como é bonita nossa fé!
É importante saber que já estamos ressuscitados, que já estamos vivos e os verdadeiros adoradores, em espírito e em verdade, são aqueles que estão em processo de ressurreição. Essa ressurreição que acontece é o verdadeiro autoconhecimento, porque cada fase da nossa vida, superada pela graça, torna-se ressuscitada.
“Pai, abraça cada um dos teus filhos e diz forte ‘Eu te conheço, filho meu’”. E quanto mais ferido você estiver, mais colo você terá. Porque é assim que um coração de mãe faz: quanto mais ferido, mais colo e mais atenção. É preciso ter coragem para deixar Aquele que nos conhece, revelar o que somos. Nisso está o princípio do autoconhecimento cristão. O único que nos conhece é Aquele que nos criou.
Santa Catarina de Sena, em 1378, escreve um livro, “O Diálogo”, no qual insiste no autoconhecimento. Quando decidimos conhecer-nos, nos encontramos como verdadeiros monstrinhos, numa cela, completamente deformados pelo pecado. Mas, é também aí que vemos a grandeza de Deus, que nos ama exatamente como somos. Vocês conhecem a história dos dois prisioneiros? O prisioneiro que foi condenado à prisão perpétua, agita, incomoda e programa fugas. Aquele que sabe que está prestes a sair, se comporta bem. Então, na prisão da nossa humanidade decaída pelo pecado, o Senhor nos convida a sentirmo-nos bem, porque logo sairemos; logo, logo estaremos livres e toda lágrima será enxugada, não haverá mais fome nem sede. Só felicidade. Nesta cela, não tenhamos medo porque Jesus Cristo está conosco.
Feche os olhos e deixe Jesus pegar tua mão e passear pela tua história, pela tua vida. Por que você se defende e se esconde? Permita que Ele ordene e reajuste o seu interior. Esta palavra é chave para nós: reajustar. Se você sente que tem ciúmes da casa, do carro, do marido… deixe Deus curar.
Outra coisa fundamental no autoconhecimento são as raízes que trazemos e que só Ele sabe quais são e onde estão. Quantas coisas não nos pertencem, mas são trazidas na bagagem da nossa natureza. Por isso, com toda a confiança, segure na mão de Jesus e deixe que Ele entre em tua vida. Você pode perguntar-lhe: “Senhor, por que tenho medo do escuro? Por que sinto falta de ar?” Como vamos nos conhecer se fugirmos dos braços Daquele que nos perscruta, conhece e sabe tudo de nós? Não tenha medo, deixe que hoje o Senhor lave o teu pecado de uma maneira extraordinária. Se o nosso copo está cheio, não pode colocar outro líqüido dentro. Ele quer esvaziar-nos dos nossos medos, malícias e mentiras para encher-nos do Seu Espírito. Jesus, vem curar todas as pessoas!
Quando perguntei ao Senhor por que eu tinha dificuldade de me deixar amar e de me deixar abraçar e desejava um coração manso, Ele me dizia que coração manso é aquele que se deixa acariciar. Então, permitamos que o Senhor acaricie o nosso coração agora.
Jesus me disse mais: “Manso, é aquele que, quando leva pontapés, quando é ferido, não revida”. Senhor, peço-te agora que venhas dar-nos um coração manso e humilde, para que possamos amar os nossos familiares que, muitas vezes, têm sido os que mais nos machucam. Ensina-nos a lidar com os eles e com os demais que nos cercam.
Só busca a via do autoconhecimento por Jesus Cristo, aquele que decidiu amar. “Por isso, Senhor, ao coração de cada um coloca o desejo infinito de amar”. A Quinta-feira Santa é o dia do amor, por causa da instituição da Eucaristia e do Lava-pés. “Senhor, dá-nos o dom do amor. O dom de amarmos a nós mesmos nas nossas limitações; e nas riquezas das nossas raízes, na nossa maneira de ser, que saibamos amar. Amar também o outro, como ele é, sem dominação, reconhecendo sua liberdade”.
Senhor, olha os votos interiores de cada um, aqueles que disseram: ‘Nunca mais vou amar; nunca mais vou perdoar; nunca mais quero saber de crianças ou de filhos ou de homens’. Quebra todas essas tábuas de pedra. Dá-nos o dom do autoconhecimento na serenidade dos teus braços de Pai”. Quem se mete nos calabouços profundos de si mesmo sem as mãos do Pai, enlouquece. Nós temos a graça de receber e de perceber em cada parte em que nos vemos e em que nos desnudamos, a mão do Pai. Precisamos das mãos do Pai: uma, para segurarmos e nos sentir seguros; outra, para nos deixar acariciar. Só saberemos acariciar e amar se recebermos Dele o amor e o carinho.
Na estrada do autoconhecimento, não temos o direito de parar, nem de desistir. Porque o autoconhecimento nos leva a reconhecer a grandeza de Deus e a nossa pequenez. À medida que vão caindo as máscaras das nossas mentiras, malícias e inseguranças sobrepostas à nossa verdadeira identidade, vamos nos tornando bonitos, muitos bonitos, à semelhança de Jesus.
Maria Francisca é consagrada na Comunidade Oásis, de Caxias do Sul-RS. Esteve em Fortaleza por ocasião do IV Congresso Nacional da Fraternidade, onde ministrou um curso sobre cura interior. Trazemos aqui alguns trechos das suas palestras.