No amanhecer, o Pai quis escolher uma alma esposa para o seu Divino Filho. Amor, Amado e Amante explodiram e criaram o kosmos, todos os seres e tudo o que nele há, bom e muito bom, como Ele é, tudo numa dinâmica crescente e evolutiva, pois seu Espírito é movimento. Resolveram, de início, se relacionar com um desses entes, verem nele sua imagem, a equilibrar organicamente cuidado e liberdade, e deram-lhe sonho e sopro, hálito vivente e infinito, através de uma oração completa: Façamos os homens!
Não porque fosse um mito, tipo Narciso, mas porque é eterno e sempre novo, jovem e cheio de tempos, cria ad infinitum novas maneiras de amar. Prefiro o seu nome Caritas. Ele não tem um início e sua esposa, a do seu Filho, nunca terá um fim, decisão d’Ele amar criando e escolha dela: viver para sempre amando ou o amor recusar também para sempre.
Os homens são livres para amar, para escolher amar, pois o Pai não poderia deixar sua semelhança sem este atributo comunitário, que confere ao amar ausência e presença, solidão e companhia. Não se ama a si mesmo, já está escrito, não se trata de história de Narciso; somente ama se ama alguém.
Em Deus, isto é suposto pela grandiosidade e majestade de ser Um em cada Pessoa e Três em cada Ser, mistério em que o Pai não é o Filho e está no Filho, Filho que não é o Espírito e está no Espírito… que os ibéricos nos fizeram o favor linguístico de partir o verbo essere, mercê por terem nascido por último na família que surgiu no Lácio (do latim); nos homens, isto é posto pela marca de uma incompletude, sinal de imanência e transcendência (uns aderem àquela, outros não escolhem esta); bem como, é proposto pela liberdade.
Incompletude que, na humanidade criada, transborda e se dissipa em relações duais, fraternais e parentais, todas amorosas, quais sejam: amizade, matrimônio e família. E viva a liberdade! Queremo-la mas a sofremos, pois nos lembra que há uma falta em nós mesmos. Desse modo, por mais egoísmo e individualismo que haja, no interior de quem vos escreve e de quem lê, qualquer identidade se reconhece e é construída em face da alteridade, em frente do Outro e dos outros.
Disse um ente que escolheu não amar e escolheu dentro (Adão e Eva, Abel e Caim… até chegar a mim, a nós): – Decerto tinha aparência de ser bom para comer aquele fruto! E o era, em seu aspecto exterior, atraente e esclarecedor. Muito embora, alertadamente também não era verdadeiro amor. Nu e tanto, o ato de escolher começa no interior e se presentifica na decisão exterior, “porque é daí que saem os maus pensamentos, as prostituições, roubos, assassínios, adultérios, ambições, perversidade, má fé, devassidão, inveja, maledicência, orgulho, desvarios” (Marcos 7, 21s).
Então, no Amor reside o não-amar? (Tantos em nome desta pergunta, respondem que Deus não existe, o Amor não há, o Bem não existe, Verdade não há… e dividem o cuidar do ser livre. Entre outras grandes questões existenciais, esta talvez a mais mal respondida.)? Não, no Amor residem o cuidado e a liberdade, e Ele criou os homens para disto participar. Em estarem ontologicamente reunidos, não há como separar estas características corporais do rosto do Pai, não há como ser livre sem amar nem amar sem ser livre.
Ah, em vista do amar, podemos tudo? Há um Ethos, renomeado por Freud de Superego, ou o Pai para dizer não! “Podes comer do fruto de todas, mas não comas desta!” Sabia que, ao comer, seu matrimônio e nudez originais estariam pervertidos e submetidos ao poder, possuir e ao prazer. Relações, bens e gostos são muito bons, quando ordenados ao amar; inclusive, isso caracteriza nossa existência.
Contudo, a verdade, que ressoa sempre em nossa consciência, amiga íntima de caritas, ou de ethos, a quem queira assim definir e dar-lhe este outro nome, pois reverbera na imagem e semelhança aquilo que constitui o Pai; e não é fora que está escrito o que posso ou o que não me convém, mas é dentro que as epifanias cotidianas, manifestações da verdade, revelam o amar e o não-amar. A amizade e a fraternidade estariam (e a partir da primeira queda, a partir daí foi) subjugadas à desconfiança; os bens, ao acúmulo e à ganância para obter mais, ainda que custe pisar e excluir os outros; o sexo, à satisfação cômoda e irresponsável, e não mais à cumplicidade e à felicidade do outro. Lembremos que, no caminho para sua paixão, Jesus caiu três vezes para nos ajudar a levantar e recomeçar sempre.
Falando em pensar e pensador, disse um destes, uma vez por aí: “Nem todos os homens precisam de religião, mas todos precisam de ética”, invento outro: Se é bom precisar de uma ou de outra, é melhor precisar de ambas! Que o Advento, o Natal, a Quaresma, a Páscoa e o Tempo Comum, o passar dos dias e o dar um sim à voz do Amor em cada dia, nos recordem desta nossa maior e, autenticamente, única necessidade: amar! A que escolhemos e nos completa. E o amanhecer nos lembre que só temos hoje para completar em nós o que falta amar – verdadeiramente nos aproximar do outro e cuidar.
Everaldo Bezerra de Albuquerque
Consagrado na Comunidade de Aliança
Missão Arapiraca/Alagoas