“Eu, porém, vos digo: todo aquele que rejeita sua mulher, a faz tornar-se adúltera, a não ser que se trate de matrimônio falso; e todo aquele que desposa uma mulher rejeitada comete um adultério” (Mt 5,32)
Introdução
Um grande pecado cometido por casais cristãos é o divórcio seguido por uma segunda união. Acreditam que tal prática esteja amparada pelas Escrituras. A fim de trazer mais luz sobre tão fundamental questão, que o Espírito Santo nos permita expor a perene doutrina da indissolubilidade do Matrimônio.
A Natureza do Matrimônio
“Os fariseus vieram perguntar-lhe para pô-lo à prova: É permitido a um homem rejeitar sua mulher por um motivo qualquer? Respondeu-lhes Jesus: Não lestes que o Criador, no começo, fez o homem e a mulher e disse: Por isso, o homem deixará seu pai e sua mãe e se unirá à sua mulher; e os dois formarão uma só carne? Assim, já não são dois, mas uma só carne. Portanto, não separe o homem o que Deus uniu” (Mt 19,3-6)
Note-se que muito antes do anúncio da Revelação e até mesmo da instituição de ordenanças religiosas por Deus, o matrimônio por natureza é indissolúvel, não por decreto, mas porque foi assim que Deus o concebeu: “Portanto, não separe o homem o que Deus uniu”.
No entanto os judeus receberam de Moisés a autorização de dar carta de divórcio às suas esposas, contrariando então a própria natureza do matrimônio.
“Disseram-lhe eles: Por que, então, Moisés ordenou dar um documento de divórcio à mulher, ao rejeitá-la? Jesus respondeu-lhes: É por causa da dureza de vosso coração que Moisés havia tolerado o repúdio das mulheres; mas no começo não foi assim. Ora, eu vos declaro que todo aquele que rejeita sua mulher, exceto no caso de matrimônio falso, e desposa uma outra, comete adultério. E aquele que desposa uma mulher rejeitada, comete também adultério. Seus discípulos disseram-lhe: Se tal é a condição do homem a respeito da mulher, é melhor não se casar! Respondeu ele: Nem todos são capazes de compreender o sentido desta palavra, mas somente aqueles a quem foi dado” (Mt 19,7-11)
Conforme vimos Jesus é bem claro sobre a natureza indissolúvel do matrimônio. Esta mesma doutrina foi exposta pelo Senhor no Sermão da Montanha (cf. Mt 5,32).
São Paulo também ensinou a indissolubilidade do matrimônio quando escreveu aos coríntios:
“A esposa está ligada ao marido durante todo tempo em que ele viver. Se o marido morrer, ela ficará livre para casar-se com quem quiser; mas apenas no Senhor” (1Cor 7,39).
O divórcio dissolve o vínculo do matrimônio?
Mesmo verificando que o matrimônio é indissolúvel, o Senhor parece considerar a dissolução do vínculo matrimonial em um caso específico: “exceto no caso de matrimônio falso”.
Algumas versões em português (até mesmo a consagrada King James Version em inglês) trazem “exceto no caso de fornicação”. Isto se deve pelo fato da maioria das versões em português serem baseadas na tradução para o Latim, conhecida como Vulgata (realizada por São Jerônimo no séc. IV). Na Vulgata a palavra grega “porneia” foi traduzida por “fornicationem”, isto é, fornicação.
A versão protestante “Almeida Fiel e Corrigida” também traduziu “porneia” por “fornicação”. A exceção é a revisão desta versão, conhecida como “Almeida Atualizada e Corrigida”, onde “porneia” foi traduzida como “infidelidade” ou “adultério”.
Estas divergências fazem muitas pessoas acreditarem que o adultério dissolve o matrimônio, o que é um ledo engano. Se assim fosse o vínculo matrimonial não seria indissolúvel.
As versões que traduziram “porneia” por “matrimônio falso” (Ed. Ave-Maria, Bíblia de Jerusalém, Pe. Mato Soares, etc) são mais féis ao original, pois “porneia” tem significado de “falsa união”.
As versões que trazem “fornicação” não estão erradas, pois fornicação também diz respeito a uniões ilícitas, no entanto esta palavra nos remete a um sentido mais sexual, o que suscita muitas dificuldades para entender o texto sagrado.
Tudo isto explica a utilização da palavra “porneia” pelo copista grego (já que o Evangelho de Mateus foi escrito em Aramaico).
Na verdade não existe exceção alguma, pois onde não houve verdadeiro vínculo matrimonial, não houve matrimônio válido, e por esta razão o vínculo entre os “cônjuges” pode ser “desfeito”, pois na verdade nunca existiu.
O que seria um falso matrimônio?
O matrimônio falso ou inválido é aquele cujo vínculo matrimonial não existe por faltarem as condições que o tornem válido.
Farei uma comparação com o batismo para facilitar o entendimento. Se alguém for batizado em nome do Pai, da Mãe e da Tia, não pode se considerar uma pessoa batizada. Isto porque um batismo válido só pode ser ministrado em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
Algumas denominações protestantes dizem que o batismo só é válido se for num rio, a outra que a água tem que ser filtrada, e assim vai… Uma aceita o batismo por aspersão, enquanto outra só por imersão. Enfim, tudo isto são concepções de validade do batismo.
O mesmo acontece com o matrimônio, sem as condições necessárias ele se torna falso, inválido, ou melhor, inexistente.
O que torna o matrimônio válido ou inválido?
A Antiga Lei se valia de algumas regras para determinar a validade do Matrimônio. Por exemplo, em Ezequiel:
“Eles [os sacerdotes] não desposarão viúvas nem mulheres repudiadas, mas somente virgens de descendência israelita; poderão, entretanto, casar com a viúva de um sacerdote” (Ez 44,22).
Um outro exemplo é a lei do Levirato:
“Se alguns irmãos habitarem juntos, e um deles morrer sem deixar filhos, a mulher do defunto não se casará fora com um estranho: seu cunhado a desposará e se aproximará dela, observando o costume do levirato. Ao primeiro filho que ela tiver se porá o nome do irmão morto, a fim de que o seu nome não se extinga em Israel” (Dt 25,5-6).
Quando estas regras não eram satisfeitas havia então um impedimento ao matrimônio.
Outros exemplos de impedimento são:
Quando os noivos não têm a intenção de ter filhos (cf. Rt 1,11-13; Tb 8,9-10);
Quando os noivos não têm a intenção de viver juntos para sempre (cf. Tb 8,10);
Quando se mata o cônjuge para se casar com quem ficou viúvo (cf. 2Sm 12,9-11);
Alguns graus de parentesco invalidam o casamento (cf. Lv 18,6-15; Lv 20,17-20).
A falta de impedimentos não é suficiente para validar o casamento. É preciso que os noivos estejam se entregando ao matrimônio de livre vontade, pois estão assumindo um compromisso onde se doarão de corpo e espírito um ao outro (cf. 1Cor 7,3-4).
A importância do ato público e das testemunhas
É um costume consagrado que as pessoas se casem em lugares públicos, ou na presença de muitas pessoas.
A origem disto está no fato de que são os noivos os ministros do casamento e não o padre ou pastor, como pensam muitos. Se assim não fosse o casamento dos pagãos seria inválido.
Até o séc IV, os cristãos se casavam seguindo o costume dos povos onde viviam, dando um sentido cristão ao seu casamento e abstendo-se das práticas que não estavam conforme a vida cristã, conforme atestamos nos testemunhos de Papa Calisto, Clemente de Alexandria, Tertuliano, Quadrato e outros.
Entretanto, muitos casamentos ocorriam em segredo ou pelo uso da força, desta forma era difícil verificar se houve real vínculo matrimonial. Por esta razão, a partir do séc IV, a Igreja começa a participar das celebrações matrimoniais, exigindo que os noivos contraiam matrimônio na presença do presbítero e da comunidade.
Também é costume consagrado que os noivos escolham pessoas queridas e próximas para serem padrinhos e madrinhas de casamento.
A origem deste costume está na razão de que no passado não se sabia ao certo se os noivos estavam se entregando em matrimônio com mútuo consentimento e sem impedimentos. Desta forma, eram escolhidas pessoas próximas ao casal para serem testemunhas de que o vínculo matrimonial era válido, isto é, que realmente o que estava sendo celebrado era um matrimônio de fato.
Conclusão
De forma alguma é permitido aos batizados desligar-se de sua esposa ou esposo, se contraíram um matrimônio válido e consumado. Da mesma forma, aquele que se une ao separado ou separada também peca gravemente.
Da mesma forma como no poder civil o casamento não pode ser dissolvido sem o aval da autoridade competente, neste caso o Estado, também cabe não aos cônjuges, mas aos Tribunais da Igreja discernir se um vínculo matrimonial pode ou não ter sido válido. Principalmente porque Jesus não delegou ao Estado o múnus de arbitrar sobre o casamento entre batizados.
Portanto, não é porque o Estado permite o “casa e descasa” que tal prática é lícita ao Povo de Deus. Há Estados que permitem a união civil entre homossexuais e por acaso isto torna lícita tal prática entre os Cristãos?
Aos eleitos cabe viver seu matrimônio como vínculo indissolúvel (que só pode ser dissolvido com a morte de um dos cônjuges cf. 1Cor 7,39), como sacramento exigido na sua condição de batizado.
Por isso, não pode um católico se divorciar e nem um protestante. Ambos são batizados. Grande engano comete um ex-católico casado que deseja contrair novas núpcias achando que seu casamento anterior é falso porque foi celebrado na Igreja Católica. O mesmo acontece com um ex-protestante casado que acha que seu casamento anterior não é válido porque mudou de Fé.
Tão grande é o mistério do vínculo matrimonial que São Paulo o comparou ao grande mistério da união de Cristo à Sua Igreja (cf. Ef 5,32). “Assim, já não são dois, mas uma só carne. Portanto, não separe o homem o que Deus uniu” (Mt 19,6)
FONTE: VERITATIS SPLENDOR